🤔 Para Refletir :
"Saber a hora de parar é quase tão importante quanto saber a hora de começar"
- Ricky O Bardo

All I Want

NolanHawk Masculino

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06 de Dezembro de 2018
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All I Want - Nolan Hawk​

— Com licença, mas eu poderia lhe oferecer três coisas? — A jovem a quem eu direcionava as perguntas me olhava com um sorriso educado. Ela estudava aquela abordagem tão peculiar com uma estranheza que era visível em seu rosto. Por um momento pensei que iria simplesmente me ignorar, ou pior, que ela se levantaria da cadeira ao meu lado e eu nunca mais a veria. Mas, como uma característica comum ao ser humano, a curiosidade de saber o que eu queria oferecer foi maior do que a possível vontade de deixar meu pedido de lado. Mesmo assim, ela não deixaria aquilo barato, havia mais coisas que ela queria que eu a oferecesse.

— Me diz seu nome primeiro, ou vou ter que ficar te chamando de cara estranho, possivelmente da minha idade que puxou conversa comigo sem nenhum motivo aparente. — Meu olhar abismado a divertiu um pouco, mas para ela não continuar a fazer troça comigo, decidi falá-lo logo, até porque não queria escondê-lo de qualquer forma.

— Gabriel, e o seu?

— Sarah. Bem, como agora não somos completos desconhecidos, pode me oferecer as três coisas, estou pronta.

Ela sorria para mim e era como se todo o ônibus fosse inundado por uma sensação quente. Parecia até que estávamos no verão e não naquele pesado inverno que nos cobrava o uso de agasalhos e protetores felpudos de orelhas. Bem, quem achava mico demais andar com eles acabavam usando tocas grossas de lã. Não funcionavam tão bem, mas dava para aguentar. Ambos estávamos com nossas tocas e quase colados pela falta de espaço no assento do ônibus, o que fazia a minha coragem derreter de forma tão acelerada quanto a neve que cobria as calçadas com um lindo e imaculado branco. Decido respirar fundo e ir logo ao que interessa, não tinha tido a coragem de falar com ela para desistir naquela etapa.

— Bem… A primeira, um poema nunca antes visto ou escutado por alguém, tirando o próprio criador, claro.

— Okay, a segunda?

— Os versos de uma canção que se tornará a nossa. — Consegui ver pelo meu reflexo na janela um leve enrubescer, mas as palavras não a desagradaram, o que me deixou aliviado.

— Bem confiante, e a terceira?

— Uma oportunidade para conversarmos mais. Pois a viagem pode ser curta demais e agora que falei com você, não quero perder a oportunidade de continuar.— Ela olhava para o relógio no seu pulso direito com um ar indagador, então se virava para mim e surpreendentemente respondia:

— Pode ser. Me surpreenda. — Agora era a minha vez de sorrir, tudo havia dado tão certo que parecia mais obra do destino, ou melhor, de algum ser superior que abençoava aquele encontro.

— Terei que recitar em seu ouvido, apenas eu e você saberemos tanto da sua existência quanto do conteúdo..

Ela concordava, então eu me aproximava. Dava pra sentir seu perfume, o que me fez perder alguns segundos, não tantos a ponto que ela percebesse. Retirava suavemente uma mecha do seu curto cabelo loiro e a fazia repousar atrás de sua delicada orelha antes de começar a recitá-lo. Foram cerca de dois minutos onde ela escutava atentamente cada palavra que eu dizia e desculpem se estão curiosos sobre ele, mas como eu disse antes, só nós sabemos o que eu falei naquele dia. Ao terminar, foi a vez dela de enrubescer um pouco. Agora ela me olhava com uma felina curiosidade, eu havia chamado a sua atenção.

— E os versos da música que se se tornará a nossa?

Eu pegava o celular que estava no meu bolso junto dos fones de ouvido, dava um deles nas mãos da Sarah e quando a vi pondo na orelha direita que estava virada para mim, pedi com um sinal para ela mudar o fone para sua outra orelha. Ela estranhou um pouco, mas o fez mesmo assim. Eu colocava o meu na minha e dava play. Um violão começava a tocar, mas para a sua surpresa, era eu quem começava a cantar num agudo similar ao do Steve Garrigan.

All i want is nothing more
To hear you knocking at my door
Cause if i could see your face once more
I could die as a happy man i’m sure

Ela continuava a olhar para mim. Meio surpresa, meio feliz. Pelo menos era o que eu achava. Ela me devolvia os fones e passamos os próximos cinco minutos num completo silêncio enquanto o ônibus percorria seu trajeto natural. Então, tão subitamente como começou, Sarah quebrava o silêncio e falava:

— Eu amo essa música, mas chegou a hora de descer do ônibus.

Ela passava por mim e enquanto se segurava para não cair por causa dos solavancos que o ônibus dava, pediu a parada na próxima estação. Eu congelei. Tinha feito algo de errado? Ela estava de costas para mim enquanto eu me perguntava o que a tinha irritado. Ela já conhecia a música, havia gostado do poema. Havia chegado a hora, a porta do ônibus se abria e eu, de cabeça baixa, não percebia que ela me olhava fixamente com aqueles lindos olhos verdes.

— O que você está fazendo aí? Você se lembra da terceira coisa que você me ofereceu, não é mesmo? Ou será que seu objetivo era apenas tingir meu rosto de vermelho? — Aquilo me pegou de surpresa. Talvez tudo o que eu enxerguei era apenas meu pessimismo falando por mim, pondo coisas em minha mente.

— Aqui perto tem uma padaria que eu adoro visitar, lá poderemos conversar muito mais, temos o dia todo e a noite é uma criança, o que me diz? — Ah, mais uma vez aquele iluminante sorriso, mal sabia eu que aquela situação se repetiria muitas e muitas vezes e nunca mais nos afastamos desde então, pois desde aquele dia, passamos a estar sempre como passageiros do mesmo ônibus na estrada da vida.​
 
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