Este é uma versão em conto do roteiro de um jogo que produzi para uma Jam da Itch.io resumidamente.
O céu noturno pulsava com as estrelas que perfuravam a escuridão.
Abriu os olhos e o cenário estava completamente diferente. Nem traços daquela sombra encarando o infinito no íngreme telhado de um castelo de qualquer lugar, emoldurado por copas de árvores silenciosas e o distante olhar do céu, das nuvens e das ignorantes estrelas.
Imediatamente, Joseph lembrou da silhueta do sonho e sua mente ficou enevoada. Se ele descrevia o prédio da Clareira Triste com exatidão a ponto de sua esposa encontrar, então talvez o sonho fosse um chamado.
E chegar perto da bacia de lavanderia poderia resultar em alguns roxeados.
Saindo para a relva, o jovem caçador respira fundo e abre o peito como forma de anunciar que estava pronto para um novo dia e que o universo o surpreendesse. As nuvens trilhavam no céu calmas, assim como as discretas ondas da lagoa que ficava ali perto. Caminhou até o pequeno trapiche e mergulhou o olhar na água. Fechou as pálpebras e permitiu que sua vida apresentasse cenas em sua mente de forma desordenada.
Lembrou de seu período no exército, de seus treinamentos e de como o peso da espada diminuía com a promessa de sonhos e mistérios que poderiam surgir. Lembrou de como conheceu Haroldo, da primeira vez que matou um animal para ter o que comer, da adrenalina da primeira batalha, de seu casamento, de seus pais, de seus filhos, das viagens para o oriente, dos golpes que quase lhe cegaram… filhos, viagens, que batalha é essa? Parte desse memorial não foi vivido por ele, parece ser externo, mas tão real e íntimo que assumia ser seu.
Que voz é essa? Um salto o fez virar ao toque daquela voz na nuca e seus olhos buscavam a fonte em desespero áspero. Foi tão perto, foi ao pé do ouvido, foi dentro de sua cabeça. Uma voz familiar, que ao mesmo tempo que era sua, não era.
Não havia ninguém! A brisa suave mexeu os pequenos matinhos aos seus pés e foi o único som que ouviu.
Seguiu pela trilha, a mesma rota diária a caminho de Santariem. As mesmas árvores que se enfeitavam de pássaros diferentes todos os dias para vê-lo passar. Os mesmos sons que cantarolavam alheios ao seu andar e pareciam narrar sagas atemporais entre si.
Olhou para a esquerda, uma estrada fechada.
Caminhou admirando a terra batida e as flores na lateral e quando ia descer os degraus construídos na rocha ouviu um pequeno assobio.
- Shhh! Não fale alto.
- Mas… o quê?
- Ele está ali?
- Não entendi!
- Ele? Ali?
Alicia apontou com um grande bico forçado na direção da casinha de Haroldo.
Chegando à cabana, encontrou-a vazia, nem sinal de Haroldo. Nas prateleiras, suas misturebas herbáceas que ninguém poderia tocar. Na mesa, um papel, uma carta dobrada:
“Hoje é a festa da rainha, saí mais cedo para resolver umas situações e te encontro lá”.
Subindo a colina novamente, foi interceptado por Alicia que pedia informações sobre Haroldo.
O caçador seguiu seu caminho, passou admirando as barracas dos ciganos e varreu a margem do lago esperando encontrar um rosto conhecido. A presença dos ciganos era sinal de que o Yemote estava à porta e Joseph já fizera amizade com alguns deles, mas não era o caso de cumprimentar ninguém, estava atrasado.
Entrou na cidade, seguiu para o prédio central, a enorme estrutura onde moravam a Rainha e o Rei, local também onde viajantes buscavam conhecimento, pois a biblioteca de Santariem era uma das mais antigas das cidadelas ao redor.
No salão, faces familiares pulavam de todos os cantos. Amigos e amigas de guerra, companheiros antigos de viagem, pessoas com quem compartilhou momentos que tranquilamente se desdobrariam em material de bardos sedentos por rimas.
Viu Haroldo de relance, mas antes de chegar próximo a ele, a Rainha elevou a voz, mas as palavras dela começaram a perder força na mente de Joseph e aparentemente apenas ele estava com dificuldade de entender, pois os demais convidados todos aplaudiam e acenavam em conjuntos.
Seria um sonho?
A voz se transformou em uma respiração pesada e Joseph sentiu o impulso de percorrer os degraus.
No segundo andar, encontrou uma das empregadas na mesma condição dos demais: uma estátua de carne e osso encarando o chão em um gesto eternizado de varrer.
O barulho vinha da porta à esquerda. Colou o ouvido na madeira e sentiu uma estranha pressão.
O que deveria estar trancado, cedeu normalmente, permitindo sua entrada.
Que ambiente fétido e terrivelmente esquecido. Escuro, cortinas rasgadas, coisas quebradas. Provavelmente é o quarto do príncipe que morreu e que não foi arrumado desde sua trágica partida.
Quando Joseph aproximou o rosto, uma risada gutural ecoou entre as paredes e o lançou a alguns metros de distância espatifando o espelho. Apavorado, o jovem correu na direção da porta, mas foi atropelado por uma sombra com parcas feições que lembravam o príncipe atravessando a madeira, correndo até a cama, encolhendo-se e se levantando atordoado. Por fim, pulou pela janela sem olhar para trás.
(Continua)
O céu noturno pulsava com as estrelas que perfuravam a escuridão.
- Você me disse que olhar para as estrelas era olhar para o passado. Que aquela luz viajava por anos, séculos, até enfeitar a celeste tela de alguém que sonha e inspirar todos os corações aflitos. Desde que você se foi, eu olho para o céu estrelado procurando a mesma poesia alinhada daquela noite, tentando descobrir por que caminho você trilhava enquanto se afastava de mim. Se as estrelas contam uma história, eu quero mudá-las. Ouça minha voz, eu te chamo. Vamos mais uma vez!
- Vamos mais uma vez...
- Joseph!
Abriu os olhos e o cenário estava completamente diferente. Nem traços daquela sombra encarando o infinito no íngreme telhado de um castelo de qualquer lugar, emoldurado por copas de árvores silenciosas e o distante olhar do céu, das nuvens e das ignorantes estrelas.
- Você estava falando sozinho de novo!
- Eu?
- Sim, falava sobre ir mais uma vez e não sei o que mais.
- Eu mesmo, Kara?
- Sim, você, sim!
- Na verdade, Joseph, eu sempre me divirto quando você fala dormindo. Até aprendo algumas coisas novas.
- É? Como o quê?
- Você fala sobre magia, estrelas, sobre como as abelhas se reproduzem e até mesmo sobre locais secretos.
- Outra noite você tagarelou sobre a Clareira Triste, e eu fiquei tão inquieta que fui lá ver, e…
- Você foi lá?
- Sim, fui. Segui a trilha ao norte e encontrei os escombros de que você falava.
- Nunca mais vá lá. Sempre falam para não ir lá. Ninguém.
- Você vai me dizer que nunca foi lá?
- Sim, vou! Se a rota é trancada pela própria floresta, então ninguém deve seguir por ela.
- Eu fui durante o dia. Fui e voltei ligeira, a rota não pareceu ser tao trancada assim. Na verdade, pareceu bem ampla até. Somente há um campo com mais árvores e uma construção bem antiga com torres inclinadas que mais parece esconder uma fortuna que perigos.
Imediatamente, Joseph lembrou da silhueta do sonho e sua mente ficou enevoada. Se ele descrevia o prédio da Clareira Triste com exatidão a ponto de sua esposa encontrar, então talvez o sonho fosse um chamado.
- Eu só...
- Eu só quero que vocês fiquem bem.
- Humrrum! Saia daí de perto, são roupas limpas.
E chegar perto da bacia de lavanderia poderia resultar em alguns roxeados.
- Marsha pediu uns ferrões de abelha rubra, vou buscar o Haroldo para me acompanhar.
- Claro, amor. Volta pro almoço?
- Um pouco mais tarde.
- Tudo bem, vou aproveitar e separar esses óleos que Baba me deu hoje mais cedo.
- Baba veio aqui?
- Sim, ficou impressionada com seu ronco, logo após ela sair você começou a sussurrar.
Saindo para a relva, o jovem caçador respira fundo e abre o peito como forma de anunciar que estava pronto para um novo dia e que o universo o surpreendesse. As nuvens trilhavam no céu calmas, assim como as discretas ondas da lagoa que ficava ali perto. Caminhou até o pequeno trapiche e mergulhou o olhar na água. Fechou as pálpebras e permitiu que sua vida apresentasse cenas em sua mente de forma desordenada.
Lembrou de seu período no exército, de seus treinamentos e de como o peso da espada diminuía com a promessa de sonhos e mistérios que poderiam surgir. Lembrou de como conheceu Haroldo, da primeira vez que matou um animal para ter o que comer, da adrenalina da primeira batalha, de seu casamento, de seus pais, de seus filhos, das viagens para o oriente, dos golpes que quase lhe cegaram… filhos, viagens, que batalha é essa? Parte desse memorial não foi vivido por ele, parece ser externo, mas tão real e íntimo que assumia ser seu.
- Andarilho Estelar!
Que voz é essa? Um salto o fez virar ao toque daquela voz na nuca e seus olhos buscavam a fonte em desespero áspero. Foi tão perto, foi ao pé do ouvido, foi dentro de sua cabeça. Uma voz familiar, que ao mesmo tempo que era sua, não era.
Não havia ninguém! A brisa suave mexeu os pequenos matinhos aos seus pés e foi o único som que ouviu.
Seguiu pela trilha, a mesma rota diária a caminho de Santariem. As mesmas árvores que se enfeitavam de pássaros diferentes todos os dias para vê-lo passar. Os mesmos sons que cantarolavam alheios ao seu andar e pareciam narrar sagas atemporais entre si.
Olhou para a esquerda, uma estrada fechada.
- Deve ser aqui por onde Kara se embrenhou. Eu mesmo nunca tive coragem de passar por essas vinhas. Que mulher corajosa.
Caminhou admirando a terra batida e as flores na lateral e quando ia descer os degraus construídos na rocha ouviu um pequeno assobio.
- Psiu!
- Shhh! Não fale alto.
- Mas… o quê?
- Ele está ali?
- Não entendi!
- Ele? Ali?
Alicia apontou com um grande bico forçado na direção da casinha de Haroldo.
- Você ainda não superou isso?
- Isso o quê?
- Essa paixão, essa vontade de…
- Ah, eu só acho ele bonitinho!
- Bonitinho a ponto de amanhecer enfiada nessa moita esperando por um mero movimento por trás das cortinas?
- Não é para tanto. Eu apenas sei que ele merece algo bom, ser feliz, gosto muito do seu amigo. Ele merece maravilhas…
- Maravilhas como você?
- Maravilhas como eu… oi?... Não ponha palavras na minha boca, senhor Joseph!
- Nem preciso, você trouxe até uma bolsa que deve ter roupas e comida para passar a noite plantada aqui.
- Aquela sua amiga de cabelo roxo.
- Marsha?
- Sim, a bruxa.
- O que tem ela?
- Consegue para mim uma daquelas poções de coisar o coração das pessoas.
- Por que ao invés de apelar para a magia você não parte para a comunicação?
- Você está louco, Joseph? Eu jamais me jogaria assim em uma relação. Ele é quem tem que pedir.
- Impulsionado por uma poção sua?
- Sim, mas vai parecer que ele quem tomou o primeiro passo e isso importa!
- Importa por quê?
- Uma garota como eu não pode transparecer desespero.
- Vou indo!
- Se ele estiver lá, mande um sinal.
- Se ele estiver lá vai ver ele saindo comigo, já que vamos caçar.
- Bom sinal.
Chegando à cabana, encontrou-a vazia, nem sinal de Haroldo. Nas prateleiras, suas misturebas herbáceas que ninguém poderia tocar. Na mesa, um papel, uma carta dobrada:
“Hoje é a festa da rainha, saí mais cedo para resolver umas situações e te encontro lá”.
- Não! Eu esqueci completamente!
Subindo a colina novamente, foi interceptado por Alicia que pedia informações sobre Haroldo.
- Ele deve estar em Santariem. Não lembrava que hoje tínhamos um compromisso real.
- Santariem? Eu vim de lá e não o encontrei no caminho.
- Talvez se tivesse os pés no chão conseguisse manter os olhos na realidade.
- O que quer dizer com isso?
- Alicia, se quer realmente se aproximar dele, use de sua coragem e não de poções mágicas.
- Se não quer ajudar, vá embora, Joseph.
- Atitudes infantis vão ajudar você menos ainda, acredite.
O caçador seguiu seu caminho, passou admirando as barracas dos ciganos e varreu a margem do lago esperando encontrar um rosto conhecido. A presença dos ciganos era sinal de que o Yemote estava à porta e Joseph já fizera amizade com alguns deles, mas não era o caso de cumprimentar ninguém, estava atrasado.
Entrou na cidade, seguiu para o prédio central, a enorme estrutura onde moravam a Rainha e o Rei, local também onde viajantes buscavam conhecimento, pois a biblioteca de Santariem era uma das mais antigas das cidadelas ao redor.
No salão, faces familiares pulavam de todos os cantos. Amigos e amigas de guerra, companheiros antigos de viagem, pessoas com quem compartilhou momentos que tranquilamente se desdobrariam em material de bardos sedentos por rimas.
Viu Haroldo de relance, mas antes de chegar próximo a ele, a Rainha elevou a voz, mas as palavras dela começaram a perder força na mente de Joseph e aparentemente apenas ele estava com dificuldade de entender, pois os demais convidados todos aplaudiam e acenavam em conjuntos.
- Andarilho!
- Suba!
Seria um sonho?
A voz se transformou em uma respiração pesada e Joseph sentiu o impulso de percorrer os degraus.
No segundo andar, encontrou uma das empregadas na mesma condição dos demais: uma estátua de carne e osso encarando o chão em um gesto eternizado de varrer.
O barulho vinha da porta à esquerda. Colou o ouvido na madeira e sentiu uma estranha pressão.
O que deveria estar trancado, cedeu normalmente, permitindo sua entrada.
Que ambiente fétido e terrivelmente esquecido. Escuro, cortinas rasgadas, coisas quebradas. Provavelmente é o quarto do príncipe que morreu e que não foi arrumado desde sua trágica partida.
- Olhe para mim e eu olho para você.
Quando Joseph aproximou o rosto, uma risada gutural ecoou entre as paredes e o lançou a alguns metros de distância espatifando o espelho. Apavorado, o jovem correu na direção da porta, mas foi atropelado por uma sombra com parcas feições que lembravam o príncipe atravessando a madeira, correndo até a cama, encolhendo-se e se levantando atordoado. Por fim, pulou pela janela sem olhar para trás.
- Então, foi isso o que aconteceu?
(Continua)