Esta é a segunda parte de um conto criado a partir de um roteiro meu para um game criado para uma Jam.
Ao abrir os olhos, enxergava o corrimão da escada, o tapete bem ajustado e a empregada curiosa com aquele supostamente bêbado que se perdeu procurando um banheiro.
Joseph encarou o chão e ignorou o olhar debochado da mulher. Precisava organizar os pensamentos para digerir aquilo que acabou de vivenciar. “Mahadeva, Mahadeva”, a palavra ecoava na sua mente como um mantra insistente. Num impulso, direcionou-se aos degraus, correu pelo salão novamente animado e alcançou a rua. Deveria procurar a única pessoa que poderia entendê-lo, talvez ajudá-lo: Marsha.
Caminhava apressadamente, dobrando ruas, driblando pessoas. A cabeça nas nuvens não o deixou perceber uma criança à sua frente. Tropeçou e ambos foram ao chão.
Na rua, Thomax ainda parece a decepção em figura de criança. O gato no telhada olhava desdenhoso, balançando a cauda como uma serpente. De certo, agora nós dois achamos que “miau, miau” é mais do que o suficiente para lidar com eles.
Voltou pela estrada. Dobrou o caminho, encontrou a ponta do trapiche e Baba ao fundo.
Soou como soa um sussurro em uma cavidade e a luz foi se apagando. Joseph parecia caminhar, mas não via chão nem seus pés.
A imagem de Baba diminuia rapidamente enquanto ela proferia conselhos e desejava boa sorte.
Nas mãos, sentiu a macia forma de pétalas. Carinhosamente levantou ambas as mãos e viu uma Flor de Arádia. Essa flor é muito apreciada nesse período de Yemote. Dizem que acalma os mortos impacientes e muitos viajantes vão direto para o Jardim ao Sul colhê-las. Colocou a flor no bolso e seus olhos se acostumaram com a escuridão.
Joseph mal via a tarde por cima das árvores. Que floresta densa! Tropeçou em algo e ironicamente torceu para que não fosse Thomax.
Era Alícia.
Ou o que sobrou dela.
De certo ela correu para o Norte e se perdeu. Acabou entrando na estrada proibida e algo a estraçalhou, espalhando seu corpo em miúdos pedaços e Joseph suou frio ao imaginar que sua esposa já teria se aventurado por essas bandas.
Sentiu vontade de vomitar. Uma mão invisível esmagava seu estômago e ele correu para o Norte, sempre para o Norte. Precisava chegar lá, agora, esse ímpeto era a sua natureza.
(Continua)
- Aproxime-se, Andarilho.
- Bem-vindo, Joseph.
- Como sabe meu nome?
- Sei muito, sei além, sei tudo.
- Quem é você?
- Sou muitos, sou além, sou todos.
- Não precisa ficar assim, Joseph. Entre os milhares de nomes que a humanidade me deu, pode me chamar de Mahadeva.
- Maha…
- Sim, e eu preciso que faça algo por mim. Você foi escolhido para esse fim.
- Eu?
- Você… e eu!
- Você… Andarilho!
Ao abrir os olhos, enxergava o corrimão da escada, o tapete bem ajustado e a empregada curiosa com aquele supostamente bêbado que se perdeu procurando um banheiro.
Joseph encarou o chão e ignorou o olhar debochado da mulher. Precisava organizar os pensamentos para digerir aquilo que acabou de vivenciar. “Mahadeva, Mahadeva”, a palavra ecoava na sua mente como um mantra insistente. Num impulso, direcionou-se aos degraus, correu pelo salão novamente animado e alcançou a rua. Deveria procurar a única pessoa que poderia entendê-lo, talvez ajudá-lo: Marsha.
Caminhava apressadamente, dobrando ruas, driblando pessoas. A cabeça nas nuvens não o deixou perceber uma criança à sua frente. Tropeçou e ambos foram ao chão.
- Desculpa, garoto.
- Tudo bem. Eu estava só testando algo.
- A moça da loja de poções me deu um negócio que faz ele falar.
- E ele falou?
- Sim, ela disse que talvez eu não gostasse do que ouviria, e ela tava certa.
- O que ele disse?
- Ele odeia o nome dele, ele odeia como eu trato ele, como um animal de estimação.
- Mas ele é um animal de estimação!
- Ele acha que não.
- A moça da loja de poções estava certa.
- A moça da loja de poções sempre está certa.
- Joseph, meu velho amigo!
- Como soube que era eu?
- Um espírito me contou. Ele está parado perto de você - disse ela virando-se com um olhar penetrante.
- Brincadeira, Jojo. Ouvi você falando com Thomax.
- Quem?
- O moleque que tava falando com o gato - ela caminhava na direção do balcão com uma pilha de livros.
- Batizou o bichinho de Kleôncio, pediu uma poção para ouvir o quanto era amado e só ouviu desaforo. Agora fica ali com cara de Chackra Básico achando que tinha razão em alguma coisa.
- Com cara de quê?
- Esse conhecimento iria ajudar você nas caçadas e na sua vida em geral. Deixe de ser indisciplinado quando o assunto é leitura, Jo.
- Falando em leitura. Preciso de uma ajudinha.
- Poções do amor na estante do fundo.
- Não, não é isso - lembrou-se de repente da menina apaixonada que encontrara mais cedo, porém logo a imagem dela desapareceu - preciso saber se o nome Mahadeva significa algo para você.
- Maha…
- … Deva.
- Claro que sim! Qualquer pessoa com um pé no sobrenatural conhece esse nome. Por quê?
- Procure Baba.
- Você não pode me ajudar?
- Já estou ajudando. Vá ao lago, no trapiche, próximo ao acampamento no lado de fora da cidade.
- Sim, eu vi, mas…
- Vá, anda. Ela já te espera.
Na rua, Thomax ainda parece a decepção em figura de criança. O gato no telhada olhava desdenhoso, balançando a cauda como uma serpente. De certo, agora nós dois achamos que “miau, miau” é mais do que o suficiente para lidar com eles.
Voltou pela estrada. Dobrou o caminho, encontrou a ponta do trapiche e Baba ao fundo.
- Joseph, meu bem, na hora, como sempre!
- Sempre é a hora.
- Isso mesmo, aprendeu bem.
- Ele falou com você, Ele te deu uma missão.
- Quem é Ele, Baba? Quem é Mahadeva?
- Quem não é Ele? Ele tem tantos nomes, formas e motivos que poderia dizer que somente Ele existe. Ele é o que é.
- Tantos sábios procuram as respostas de suas vidas nas formas do céu, mas não sabem que o céu é uma mentira. O céu espelha o que já foi assim como o mar espelha o céu, e a todo momento o mundo espelha o que já não é. Sábios são tolos que procuram fora o que existe em sua língua pessoal, dentro do coração.
- Não entendo.
- Andarilho Estelar. O que anda nas sombras do passado do céu, do mar e da terra.
- Todos somos pedaços de almas que se dilaceram e se reúnem no decorrer das eras. Algumas vezes, o pedaço que já fez parte de nós deseja se reunir conosco. As almas são caminhantes das estrelas por natureza e uma hora ou outra, hão de se juntar ao que já foram para se tornarem uma só, de várias.
- Um pedaço de ti está preso na Clareira Triste e você tem a missão de ir buscá-lo.
- Eu?
Soou como soa um sussurro em uma cavidade e a luz foi se apagando. Joseph parecia caminhar, mas não via chão nem seus pés.
A imagem de Baba diminuia rapidamente enquanto ela proferia conselhos e desejava boa sorte.
- Com a luz das estrelas podes tocar o outro lado. Defenda-se se precisar.
Nas mãos, sentiu a macia forma de pétalas. Carinhosamente levantou ambas as mãos e viu uma Flor de Arádia. Essa flor é muito apreciada nesse período de Yemote. Dizem que acalma os mortos impacientes e muitos viajantes vão direto para o Jardim ao Sul colhê-las. Colocou a flor no bolso e seus olhos se acostumaram com a escuridão.
Joseph mal via a tarde por cima das árvores. Que floresta densa! Tropeçou em algo e ironicamente torceu para que não fosse Thomax.
Era Alícia.
Ou o que sobrou dela.
De certo ela correu para o Norte e se perdeu. Acabou entrando na estrada proibida e algo a estraçalhou, espalhando seu corpo em miúdos pedaços e Joseph suou frio ao imaginar que sua esposa já teria se aventurado por essas bandas.
Sentiu vontade de vomitar. Uma mão invisível esmagava seu estômago e ele correu para o Norte, sempre para o Norte. Precisava chegar lá, agora, esse ímpeto era a sua natureza.
(Continua)