Azariel e a descoberta do fundo do mar
Azariel sempre foi um anjo inquieto para os padrões angelicais. Ele adorava ver o mar de vida que Deus criou do alto de sua morada. Achava incrível as diversas formas, cores e ações que a obra divina era capaz de proporcionar. Era realmente um espetáculo. Via criaturas tão grandes como baleias saltarem para fora d’água, o trabalho incessante e organizado das pequenas formigas, águias majestosas aproveitando a brisa quente em suas asas. Via os homens em seus erros e acertos diários, mas desses ele não gostava de falar muito, pois, com certeza, haviam coisas melhores para ver.
Porém, olhando para os mares em busca de algum espécime que nunca tinha parado para admirar, acabou vendo um ser meio gelatinoso, com algo parecido com tentáculos em uma de suas extremidades e na outra, algo que se assemelhava a um formato que arremetia a uma ponta de lança. O ser tinha grandes olhos negros e mesmo estando na água, possuía entre seus tentáculos, um bico de papagaio. “Combinação estranha”, pensou ele, mas o melhor estava por vir.
O ser começou a mudar de cor, de um branco pálido, passou rapidamente para o roxo, do roxo para o vermelho, do vermelho para o verde e assim sucessivamente, chegando ao ponto de trocar tão rápido de cor, que ele parecia um arco-íris ambulante.
Maravilhado com sua descoberta, Azariel foi correndo para Deus com um pedido em mente. Ele desejava ser aquela criatura, pelo menos por um dia. Intrigado com o pedido, O Senhor o adverte:
— Azariel, admirar a criação é uma coisa, se pôr no lugar dela é outra completamente diferente. Por um dia inteiro você perderá seus privilégios e não mais carregará minha benção, se transformando uma simples lula com apenas a sua consciência intacta. Ainda sim prosseguirá com isso?
— Sim, sim meu senhor, com toda a certeza. Quero saber como é estar na pele de uma criatura tão bela.
Deus aceita o pedido e em um estalar de dedos, Azariel sente a água morna envolver seu corpo, não tinha mais suas asas nem nada que lembrasse sua antiga forma, porém, a sensação de nadar muito se assemelhava a de voar, o que deixou-o maravilhado.
Viu enormes cardumes dos mais variados tipos de peixes, alguns menores do que ele, outros muito maiores, todos pacíficos. Passou pertinho de uma imensidão de carne, uma baleia, daquelas que ele observava de longe. Acompanhou-a até ver um daqueles maravilhosos saltos de camarote, a onda de choque gerada por aquele colosso jogando-o para mais fundo. Viu peixes com os quais devia tomar cuidado, como tubarões, barracudas e outros animais marinhos cuja ferocidade eram conhecidas por ele.
Três vezes chegou perto de mais desses espécimes e por três vezes escapou da morte, mas nunca havia pensado que usar tinta era tão útil na hora de fugir. Por fim, quando o seu dia como lula estava prestes a acabar, ele rumou para a escuridão do fundo do mar. Ali, nem a luz penetrava. Era no escuro se escondiam as mais estranhas e tenebrosas criaturas. Sentindo arrepios e um calor incomum, Azariel escolhe se afastar daquela região e o seu dia como lula acaba.
De volta ao céu, ele relata a experiência ao próprio Senhor:
— Eu vi as maravilhas do mar, brinquei, dancei, flutuei. Mas também vi e senti coisas naquela escuridão que eu nunca senti na vida. Senhor, o que há lá embaixo?!
— Infelizmente, lá não me faço presente, é território de outro. Abençoo tudo em que a minha luz toca, porém, as coisas que vivem naquele lugar nunca sentiram isso. Possuem raiva, ódio, ressentimento. São alimentadas com isso todos os dias. — por fim, Deus lança um longo suspiro e tranquiliza o anjo consternado.
— Descanse, você teve um dia agitado, eu vi. Para que o bem exista, sempre haverá o mal, para que a luz exista, também haverá de ter a escuridão. Você foi sábio na hora de identificá-la e se safou de um destino que nem mesmo eu teria como evitar. Pode ir.
Com aquela incrível experiência vivida, Azariel se despede de Deus e volta para a sua morada, onde continuou a olhar a criação divina, dessa vez muito mais impressionado, pois perto do Pai, não havia escuridão, medo ou dúvida, mas para os seres vivos, independente de qual fosse, a Luz e a Escuridão sempre estarão a um virar de esquina.