Prólogo
Já era de madrugada e mais uma vez Lucas, de dezesseis anos, fugia de casa, e você pode até achar que este ato era um simples capricho de um jovem rebelde, mas o grande hematoma que o menino carregava em um dos olhos provava o contrário.
De noite, há algumas horas atrás, quando o seu padrasto chegou em casa após um longo e cansativo dia de trabalho e Lucas, só por ver como o seu velho se comportava, acabou percebendo que aquele era um péssimo dia para estar sob o mesmo teto que ele.
Dito e feito, estando há pouco tempo em casa, Seu Gustavo, pai de criação do Lucas, viu na força com que o garoto fechou a torneira do chuveiro, já que ele tinha sido o último a tomar banho, um claro exagero e, à vista disso, começa a esbravejar a plenos pulmões de dentro enquanto saia do box:
— Qual o motivo de usar tanta força para fechar esta merda, moleque?! — gritava meio esbaforido. — Quer quebrar a torneira e dar mais prejuízo do que você já me dá? — Vociferava um Gustavo vermelho de tão furioso ao adentrar a sala, uma das suas mãos segurando a toalha. Como não tinha conseguido abrir a torneira, a única coisa que o deixou suado foi o esforço que ele fez para tal.
— Foi sem querer Gustavo, fiz para não deixar a torneira pi… — A explicação do garoto foi interrompida por um forte tapa em seu rosto com a mão que não estava segurando a toalha.
Lágrimas escorreram pelo rosto enrubescido de um Lucas estarrecido que pensou em uma infinidade de coisas para fazer com o louco de toalha à sua frente. Ainda sim, ele sabia que o simples ato de revidar ocasionaria em muito mais problemas e que acabaria por envolver, mesmo sem querer, não só a ele, mas também a sua mãe que, em outros momentos, também tinha sido agredida pelo homenzarrão que comia tanto bacon em suas refeições que estava cada dia mais parecido com um porco: inchado de tão gordo.
Como única escolha possível na mente confusa de um garoto agredido, Lucas dá as costas ao homem que o estapeou a face e, ignorando todos os gritos do mesmo, saía pela porta da frente enquanto ia em direção ao parque abandonado que ficava há algumas poucas quadras dali.
Rodeado por estruturas quebradas e pontiagudas que pareciam mais ossos retorcidos, provenientes de uma carcaça de uma imensa criatura mecanoide, o jovem garoto chorava copiosamente, não pela dor, pois ela não mais o estava afligindo, mas sim da raiva por ter sido estapeado por um motivo tão fútil.
Ele correu para não apanhar mais, já que o histórico de Gustavo provava que ele se empolgava com facilidade nas surras, e o corpo do garoto não o deixava mentir, elas nunca acabavam no primeiro tapa ou soco.
Em meio aos soluços e ao ranho proveniente do choro, Lucas percebe uma estranha claridade nos céus acima da sua cabeça. Algo brilhante, parecido com uma estrela cadente, vem em sua direção e ele tem poucos segundos para sair do lugar.
Com um enorme estrondo, a coisa brilhante atinge o solo onde há poucos momentos atrás ele estava sentado, agarrando os joelhos, formando uma cratera na terra fria e úmida. Ao olhar para dentro, o adolescente vê uma cápsula estranha, quase do tamanho de um micro-ondas e, ignorando completamente seus instintos, ele acaba se aproximando dela, o que pode ter mudado a sua vida para melhor, ou para pior, a depender do ângulo que você olhar.
No começo, ele usou um pedaço de pau que ele encontrou nas redondezas para sondar a tal cápsula que parecia estar desativada, nada aconteceu. Ele assoprou, revirou ainda com o pedaço de pau, nenhum sinal de resposta. Porém, foi só quando decidiu pegar a caixa com as mãos nuas que a “magia da tecnologia” se fez presente.
O objeto começou a vibrar ao toque, emitindo cores verdes e azuladas em tons que o garoto tinha visto apenas em desenhos, nunca saídos de qualquer máquina ou aparelho que ele tenha posto as mãos. Ele tenta largar a tal caixa, porém ela tinha se grudado em seu braço direito e não importava o que ele fizesse, seja chacoalhar ou batê-la no chão, desgrudar parecia ser impossível.
Foi nesse ponto que a cápsula se abriu e, para a surpresa do garoto, argolas de um metal fino e maleável que ele também nunca tinha visto na vida se prenderam em toda a extensão do seu antebraço, imitando rapidamente o tom de sua pele e camuflando-se completamente.
No caminho para o apartamento, depois de se acalmar, ele se perguntava se tudo aquilo tinha realmente acontecido, mas bastava dar um leve cascudo em seu braço direito que ele podia ouvir o som metálico ressoar claramente. A coisa estava ali, mesmo invisível, o que gerava uma capciosa pergunta: para que servia?
Lucas deixou o assunto de lado e rumou rapidamente para casa, já que quanto mais rápido o garoto chegasse, menor seria a bronca depois da fuga. Infelizmente para ele, talvez tivesse sido melhor ele nunca voltar para casa.
Logo após ele fugir, sua mãe começou a discutir com o seu padrasto, enfrentando-o e ameaçando finalmente ir a uma delegacia e denunciá-lo pelas suas inúmeras agressões cometidas tanto nela quanto no seu filho e não é que a atitude dela esteja errada, nunca. O problema foi ela ter contado suas intenções para Gustavo, um homem irritadiço e de uma grande propensão a acessos de fúria, o que causou uma grande e incontrolável ira nele. Ira essa que com certeza foi ouvida pelas pessoas dos apartamentos vizinhos ao dele, já que a família morava no super-habitado Prédio dos Lírios, onde as paredes eram finas e as fofocas acabavam por correr soltas como ferrugem em ferro exposto à maresia.
Porém, todas as pessoas dos apartamentos vizinhos, não só no mesmo andar onde a família de Lucas morava, mas também nos andares de cima e de baixo, perceberam que aquela não era só mais uma discussão boba, mesmo que nenhuma das outras discussões tivessem realmente sido assim, já que as agressões não eram incomuns, mas todos puderam sentir algo muito pior e hediondo acontecendo daquela vez.
Ao entrar no prédio, percebendo um clima meio estranho no ar, Lucas corre rapidamente pelas escadas, pulando dois ou até mesmo três degraus a cada passada. Urgência era tudo o que ele sentia e, ao chegar na porta do prédio, a cena que presenciou o deixou extremamente abalado.
Seu Gustavo estava sentado na poltrona, de shorts e com uma faca cravada em sua barriga, os nós dos dedos em carne viva, assistindo a um filme policial qualquer da madrugada pela TV de tubo novinha que eles tinham comprado, as cortinas em suas coisas sujas de sangue e tortas, quase como se pudessem cair a qualquer momento..
Passaram-se poucos segundos para o jovem perceber o que tinha acontecido ali na sua ausência. Ele fecha levemente a porta e então via o corpo da sua mãe, ou melhor, a metade de baixo dele, já que o resto estava escondido pelo balcão da cozinha. Acompanhando o olhar do garoto, o padrasto percebe o que ele estava a observar e tenta se explicar:
— Moleque, sua mãe me atacou sem motivo algum e me deu uma facada, você tem a quem puxar mesmo, né? — Ele cuspiu um pouco de sangue no chão, parecia ter sido atingido no rosto também.
— Não consigo levantar daqui, chame uma ambulância agora! Ei, tá me ouvindo moleque? Não se faça de surdo, faça logo o que eu mandei, fui atacado na minha própria casa, preciso ir ao médico agora!
Lucas vai lentamente na direção do seu padrasto que demorou demais para entender suas reais intenções, ainda sim, não havia nada para ser feito. Os olhos do Seu Gustavo se arregalaram quando ao invés da mão do garoto ir no telefone pregado na parede, elas pousaram na faca cravada em sua barriga inchada devido a uma vida dedicada a intensas bebedeiras e, com um movimento rápido, o garoto abriu um profundo corte horizontal, causando uma cena bem feia na sala já parcialmente destruída do apartamento 23.
Percebendo o que tinha feito por impulso, o adolescente se vê aterrorizado. Ele estava com tanta raiva que não tinha ido checar a sua mãe, mas as notícias não eram das melhores. Seu rosto estava desfigurado de tantos hematomas e ela não respirava mais.
A coisa foi realmente feia e com toda a certeza a cena formada ali nunca mais sairia da cabeça do garoto, independente de qualquer passar de tempo, não há a possibilidade de alguém esquecer. Toda a confusão causada pelo padrasto foi feia o bastante para fazer os vizinhos chamarem a polícia pela primeira vez, mesmo que aquela não tenha sido a primeira, a segunda e muito menos a terceira discussão que acabou em quebra-quebra. E foi exatamente isso que o garoto viu e ouviu depois de perceber que a sua mãe havia falecido, as luzes azul e vermelha que entravam pelas janelas junto do som característico das sirenes policiais.
Eles já estavam lá embaixo, talvez até mesmo subindo as escadas. Imagina o que pensariam quando o vissem daquele jeito, com a manga comprida de sua camisa encharcada com o sangue do seu padrasto. Ele tinha que sair dali, mas o que faria? Voar ele tinha certeza que não sabia e era bem capaz que os policiais já estivessem subindo as escadas naquele momento.
Quando ele se encontrava sem esperança alguma, os anéis daquele metal desconhecido começaram a vibrar e esquentar em seu braço, o que chamou a sua atenção na hora. Sem o seu controle, o seu braço foi atraído até apontar para a tela da TV, momento esse que metal estranho atingiu a temperatura mais alta até o ponto que lançou, sem o menor controle do garoto, um raio no aparelho eletrodoméstico, abrindo uma passagem, praticamente um túnel, do tamanho da tela da televisão, onde ele só caberia se entrasse rastejando.
Haviam muitas perguntas para serem respondidas, mas aquela parecia a única saída para ele. Sem pestanejar, Lucas entra pelo buraco que se fecha completamente às suas costas, voltando a ser a velha tela de TV, onde ele podia observar toda a sala, o corpo do seu pai e as janelas com as cortinas tortas.
Não haviam luzes no túnel, fora a que entrava da sala, porém, do seu braço emanava uma lúgubre luz, que unindo a luz vinda da cena do crime que ele tinha acabado de sair, era o suficiente para ele enxergar o caminho. Pouco tempo depois rastejando, o lugar por onde ele passava abre para uma passagem maior que dava para uma ampla sala vazia, com o garoto podendo ficar de pé sem encostar as mãos no teto, mesmo se ele pulasse.
Seguro e longe dos policiais, um flashback de tudo o que ele viveu naquela noite passava como um raio em sua mente, fazendo com que ele se entregasse à tristeza e fazendo-o chorar pela segunda vez na fatídica noite que perdeu sua mãe.
Em meio às lágrimas, ele fez um juramento: ninguém mais deveria experimentar o que ele experimentou naquela noite e ele faria de tudo para que o menor número possível de filhos perdessem suas mães por conta de homens estúpidos como o seu padrasto. A chave para isto acontecer parecia estar presa em seu antebraço e dominá-la seria essencial para os seus planos darem certo.
(Comentem aí o que acharam desse prólogo, eu adoraria ter a opinião de vocês. Espero que curtam e acreditem, o apoio da galera daqui me ajudam pra caramba a ter mais confiança no meu trampo. Adoro também todas as criticas construtivas que recebo, então não tenham medo de me corrigir, de apontar meus erros e de falar o que acharem que eu preciso ouvir/ler, ah, e antes de mais nada, obrigado a geral!)