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Conversar com Príncipe é Outra Coisa

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Olá, pessoal.

Hoje venho trazer a vocês a história de um homem de negócios... Essa é uma espécie de filme meio Thriller, meio Block Buster.
(Na minha cabeça é...) E eu gostaria de pedir a vocês que o avaliassem. E dessem sua opinião sobre o que acharam.

Conversar com Príncipe é Outra Coisa

Olá, eu sou Fluminense desde antes de nascer. Isso era requisito obrigatório na família. Vinha no DNA. Já assisti a jogos do Flu até em Sarajevo, na antiga Iugoslávia. Acompanhando o time desse jeito, é claro que os dirigentes, os técnicos e os jogadores me conheciam.

Certa ocasião, no início de 1976, o Didi (o meio-campista mítico, bicampeão mundial em 1958 e 1962) era técnico do Fluminense e chegou a época de renovar contrato. Didi queria ganhar 30 mil dólares por mês (naqueles tempos de inflação galopante pagava-se em cruzeiros, mas negociava-se em dólares para que o valor se mantivesse corrigido). O clube ofereceu 25 mil.

O impasse persistia quando Didi recebeu um telefonema de um príncipe da Arábia Saudita, que queria que ele treinasse seu time particular. Enviou as passagens e lá se foi o técnico para conversar. Já em Riad, Didi não teve como não se inibir quando entrou no palácio digno das mil e uma noites. E o príncipe foi logo definindo:

- Você vai morar num condomínio de luxo, terá carro com chofer, três meses de férias por ano e poderá treinar a equipe na Europa ou no Brasil durante outros três meses. Contrate ou dispense o jogador que quiser.

Só não falou sobre salário e Didi não teve coragem de perguntar. Ao final da conversa, os dois já de pé, Sua Alteza informou:

- Serão 150 mil dólares mensais, isentos de despesas e impostos, mais prêmios por vitórias e títulos.
 
Contrato assinado, Didi veio ao Rio pôr seus assuntos particulares em dia e pegar suas coisas. Me encontrei com ele por acaso na sede do Flu.

- Seu Ivan, conversar com príncipe é outra coisa. - O mestre me disse.

 
Um livro esquecido
 

Trinta anos já haviam se passado desde aquela época quando, em 2007, recebi um telefonema de um diretor da BM&F:

- Você topa escrever um livro sobre o nosso IPO? (Initial Public Offering, a Oferta Pública Inicial).
 
A bolsa acabara de se transformar em sociedade anônima e abria seu capital ao público, num IPO que atraíra atenção internacional. Eles queriam que eu narrasse a história desse lançamento em um livro de pouco mais de 100 páginas. Como eu receberia todos os dados referentes ao IPO, assim como teria acesso aos profissionais que o materializaram, calculei que escreveria o livro em, no máximo, dois meses. Então estimei o preço que cobraria em 30 mil reais. Com esse número na cabeça, viajei para São Paulo para discutir os detalhes do contrato.
 
Quando estava na antessala do CEO da BM&F, um espaço de aproximadamente 500 metros quadrados, com mobiliário luxuoso e paredes decoradas com obras de pintores nacionais do primeiro time, a única coisa que veio à minha cabeça foi o Didi negociando no palácio saudita. Não deu outra coisa. O chefão da bolsa disse como queria o texto, me deu uma relação das pessoas que eu deveria entrevistar, no Brasil e lá fora (com todas as despesas pagas) e outros assuntos gerais. E, tal como o príncipe do futebol, só não mencionou o pagamento pelo trabalho. Num replay da cena de Riad, já estávamos de pé quando o CEO mencionou, quase que incidentalmente:

- Cento e cinquenta mil, está bom para você?

Naquela ocasião eu já tinha quase meio século de experiência de trader. Mesmo assim, ou talvez por isso, decidi não fazer uma contraproposta. Mais ou menos...
 
- Líquidos, não?
 
- Líquidos. - Ele fechou, bocejando, quem sabe por lidar com números tão pequenos, já que ele presidira um IPO de seis bilhões de reais.
 
"Conversar com príncipe é outra coisa", já dissera o Didi, em 1976.

 
Maratona
 
Em três meses escrevi “Projeto Maratona – Desmutualização e IPO da BM&F”. Para que o texto não ficasse muito árido, contei algumas histórias pitorescas sobre as origens das bolsas de valores. O IPO fora um sucesso, com as ações sendo lançadas a 20 reais e a demanda superando por larga margem a oferta, tendo sido necessário um rateio. O que deixou a desejar, muito a desejar, foi o comportamento das ações da BM&F, que mais tarde se transformaram em BM&FBovespa.

No dia do lançamento, 30 de novembro de 2007, após uma rápida (tão rápida que ninguém viu) subida até 26 reais, o preço, nos tempos que se seguiram, não fez outra coisa a não ser cair, tendo chegado a uma mínima de 4,01 reais. Agora, passados 10 anos, a cotação está em 20 reais, um prejuízo amargo para quem comprou no lançamento, por causa da inflação e considerando o custo de oportunidade.

Com raras exceções, IPOs são como filmes nacionais financiados pela lei Rouanet. Quando estreiam nos cinemas (isso nos casos em que são finalizados e exibidos), todo mundo que tinha de ganhar (produtores, diretor, intérpretes, contrarregras, cinegrafistas, etc., etc.) já ganhou. Quem lucra mesmo com os IPOs são os vendedores das ações e os bancos lançadores, com suas gordas comissões, seus spreads, suas corretagens. E, por que não confessar? Os escribas que narram as “epopeias”. O grande público quase sempre perde dinheiro.

Detalhe dos mais curiosos: embora eu tenha entregado os originais de “Projeto Maratona” dentro do prazo contratual, o livro só foi lançado um ano mais tarde. E, mesmo assim, num almoço para uma dúzia de pessoas na sede da BM&F. Foi também distribuído a algumas livrarias, sem nenhum estardalhaço. Após o almoço, eu brinquei com o chefão:

- Vocês podiam ter lançado antes. Bastava terem mudado o nome de “Projeto Maratona” para “A Grande Enrabada”.
 
A resposta não foi uma de príncipe.
 
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