rafaelrocha00 comentou:
Divisão Negra
Aqueles muros...Tão altos quanto perigosos. Do nosso lado, só existia paz e luz, mas do outro, as sombras e a névoa tóxica se fundiu com o ambiente em uma única arte abstrata de dor e vazio existencial. Exclamei a mim mesmo, pensando...
A humanidade repentinamente havia sido dividida. De um lado os pobres infectados pela Síndrome de Lyss[1], e do outro, nossa gente saudável. Mas como viver sabendo que enquanto dou um leve beijo em minha querida esposa no café-da-manhã, em algum lugar alguém está tendo o seu rosto devorado vivo? Como ter paz sabendo que enquanto faço cócegas em meu filho, alguém está indefeso e prensado, tendo as estranhas arrebentadas por seres bestiais que sequer lembram aquilo que outrora eram, tão distante da imagem de um ser humano? Eu precisava fazer algo. Não suportava mais ver todos os dias alguém que havia perdido algum ente querido, tentando atravessar e escalar aquele muro em busca de seus familiares e amigos que já sabíamos que não eram mais, como posso dizer sem sem indelicado...Não eram mais "um de nós". E eu sabia que sempre haveria alguém. A mente de muitos já foi afetada psicologicamente e muitos só esperam silenciosamente o desespero tomar conta de sua mente para perder os sentidos...e morrer crivado de balas e escombros de concreto pelos militares.
Com a minha influência interna nos círculos comunitários, planejamos uma missão sigilosa e adquirimos um VET[2] no dia da tal, e assim conseguimos passar despercebido pelas autoridades mais patrióticas com a ajuda daqueles que me apoiavam, e assim adentramos na fronteira central, sentindo a densa atmosfera sentimental naquele mundo vil e tóxico, mas dentro de nosso veículo especial estávamos à salvo das ameaças infectadas.
Andamos por cerca de 5 quilômetros sem avistar nada, apesar do radar ter acusado um possível complexo na região, que inesperadamente sumiu do mesmo. Ficamos sem rota e sem ação, pois tumores diziam que o governo mantinha uma base para fins de pesquisas, pesquisas estas que iriam finalmente salvar a humanidade desta maldita pestilência canibal. Acho que tudo era apenas um boato.
Algumas poucas horas depois sem ter qualquer resultado nos radares, resolvemos abandonar a missão, pois o suprimento de ar limpo do veículo estava se esgotando. Eis que defronte à nós, a terra começou a ceder, e uma rampa nos foi revelada. Um soldado apareceu em trajes especiais e nos deu sinal verde para seguí-lo, então o fizemos. Ele nos deu ordem para deixar o VET estacionado no hall principal onde seria abastecido com todos os suprimentos vitais para o retorno enquanto conhecíamos o complexo.
O local era escuro, úmido e rangia a cada metro. Nada muito diferente da imagem exterior do local. Os soldados de lá eram anormalmente sérios, como se o seu treino fosse ainda mais rígido que qualquer outra disciplina militar, quase como robôs. Aquilo me causou arrepios, e creio que em minha equipe também. Mas a surpresa foi quando fomos convocados pessoalmente pelo general para conhecer as instalações.
Ele nos explicou abertamente que na verdade nunca houve uma pesquisa para a cura e que provavelmente a infecção nunca terá uma, pois está além do nosso conhecimento científico atual. Aquele complexo foi criado para estudar o genoma dos infectados e quem sabe poder criar uma arma biológica que possa tornar o país um líder mundial militar sem precedentes. Ao ouvir aquilo. eis que a ira tomou conta de mim, mas disfarçando minha indignação e fingindo da forma mais convincente que pude, mantive a concordância e até me dispus a colaborar para que o local nunca seja descoberto, pois sabia que caso discorda-se, não sairia de lá vivo.
Eu e minha equipe fomos liberados e seguimos rumo a saída, e então seguimos cerca de 2 quilômetros em direção ao muro, até que Saycon passou mal ao volante. Prestamos os primeiros-socorros à ele, mas senti que algo estava errado. Ao olhar para minha querida equipe, Vi que Fredylon começou a se sentir mal e desmaiou, assim como Swavytek. O ar parecia estar mais pesado que o normal. Eu logo senti náuseas e logo perdi os sentidos. A última coisa que pude ouvir, era o barulho do desespero e do caos enclausurados dentro daquele veículo.[3]
Ao acordar, me vi em meio aquela terra suja e enegrecida de fuligem, mas algo estava diferente. Algo estava muito errado. Por quê enquanto estava desacordado não fui devorado e estraçalhado por estes seres violentos? Bem...Acho que devia estar mais claro para mim naquele momento. Meus companheiros e eu nunca voltaríamos para a cidade, mas também não morremos. Infelizmente fomos vítimas de nossos próprios corações, e não poderemos mais fazer alguma diferença para a humanidade, pois nunca mais seremos aceitos desta forma na comunidade. Fomos envenenados com o quê penso ser um variante potente do vírus da Síndrome de Lyss, mas que não afeta totalmente o sistema límbico e nervoso central, possivelmente alterada geneticamente naquele maldito e mundano laboratório. E agora, caminhando em direção à aqueles muros...tão altos quanto perigosos, onde do outro lado, a paz e a luz coexistem, serão com toda certeza perturbadas, pois creio que sejamos a primeira raça consciente...enquanto destroçamos nosso familiares: meio-humanos, meio-canibais.
Notas:
[1] Síndrome de Lyss - Alusão ao "Lyssavírus", o conhecido "Vírus da Raiva"
[2] VET: "Veículo Especial de Transportes"
[3] "Saycon","Fredylon" e "Swavytek" são personagens coadjuvantes da equipe na trama