Por que paramos de correr?
Eu estava esperando meu ônibus em uma noite, quando vi uma criança, de, pelo menos, oito anos, correndo pelo passeio. Meu primeiro pensamente foi sobre como o menino cairia de cara no chão a qualquer momento. Eu o subestimei, suas habilidades em se mover enquanto entretido eram impressionantes.
Meu segundo pensamento então foi, por que nós não corremos mais? É algo tão simples e é eficiente, contanto que você não caia, e poderia acelerar nossa vida. Você pode culpar o cansaço, mas correr daqui para lá não nos faria mal, quem sabe até ajudaria com o problema da obesidade e falta de saúde desse povo.
Eu acho que a questão é um pouco mais profunda do que isso. Eu mesmo apenas estava esperando pelo ônibus por tanto tempo, porque não corri. Eu o vi passar, e sabia que se corresse um pouco, poderia terlo pego, mas ao invés disso, eu apenas andei. Preferi perder o ônibus do que apenas correr e tentar alcançá-lo. Eu sabia que poderia, se quisesse, apenas não me dei ao trabalho.
Por que? Por que quando vemos alguém, que não seja uma criança, correndo, nós achamos estranho? Nos perguntamos por que motivos alguém sairia correndo nessa pressa.
Para entendermos o que acontece, e como essa pergunta se relaciona aos jogos, devemos dar uma olhada em um dos meus mangás preferidos. Uma obra-prima, sem igual, que quase ninguém leu ou lerá.
Eu mesmo o encontrei por acidente, e decidi ler porque não tinha nada melhor para fazer. Se tornou um dos meus preferidos por um longo período de tempo, mas como não posso obrigar ninguém a ler um mangá no estilo laranja mecânica, veja essa imagem:
O gosto amargo da derrota.
Se você for como eu, provavelmente riu dessa cena. Na verdade, você pode tirar qualquer página do Homem mais poderoso Kurosawa e rir da absurdidade. Ele é uma tragicomédia que conta a história de Kurosawa, um trabalhador braçal de quarenta anos, que não fez nada com sua vida, além de trabalhar em obras e ser ignorado pelos seus companheiros. No início da série, porém, ele começa a desejar mudança, ao perceber que não conquistou nada na vida.
É uma tragédia, mas nos permite rir das dores do personagem principal, enquanto o coitado tenta, em boa índole, se tornar popular entre os trabalhadores da obra. É uma história simples, sem grande escala ou batalhas de super-heróis, mas sempre consegue explorar profundamente o que significa ser um humano no mundo atual. O autor sempre tenta, através de seu personagem, mostrar um pouco sobre a hipocrisia em que vivemos, e a incapacidade das pessoas em agir frente ao mundo moderno.
A comédia em si vem, em grande parte, da incapacidade de comunicação do seu personagem principal, que através de seu jeito duro e quase selvagem, não consegue expressar suas intenções, e sempre acaba sendo tratado como um vilão pelos seus colegas. O mangá é tão bom, que consegue transformar uma batalha de um velho de quarenta anos contra três estudantes do ensino médio em uma guerra épica em busca de glória e honra humana.
A cena em específico, com Kurosawa chupando um pirulito e chorando, pode parecer engraçada, e realmente é, mas o contexto desa cena a torna, pelo menos um pouco, tocante. Ela se inicia com o homem em um parquinho, falando sobre como o mundo fica cada vez menor para pessoas velhas, já que as mesmas são sempre tratadas com desgosto e malícia. O contexto é obvio, um homem velho sentado em um parquinho cheio de crianças pequenas. E com o azar inato de Kurosawa, ele acaba realmente pegando uma criança por acidente. Ele passa algum tempo com o menino, brinca com ele, compra pirulitos para o garoto, o conforta.
E com o passar das cenas felizes, ele começa a imaginar a criança como sendo dele mesmo, começa a sentir o arrependimento de sua vida velha, de não ter criado uma família, não por decisão, mas pela própria falta de sorte. Ele começa a imaginar a vida que uma criança sua teria, seus anos na escola, na época adulta e tudo o mais. Podemos ver que ele está realmente feliz tomando conta do menino, mesmo que apenas para entregá-lo para a mãe.
Depois disso, ele acorda cercado por guardas, ao perceber que tinha adormecido com a criança em um banco, em uma posição nada interessante, se me intende. Ele apanha e acaba preso. Cada uma das coisas que ele fez naquele dia acaba levando a uma consequência que é usada como prova contra ele. A faca que mandou para afiar e ficou em sua mochila, os vários pirulitos que comprou, e sua cara selvagem. É liberado logo depois que os policias comprovam que nada aconteceu com o menino, e é despachado na rua, sozinho, e com o arrependimento de não ter vivido.
É uma cena forte, e nos faz perguntar sobre nossa capacidade de fazer escolhas. A maior parte dos problemas que Kurosawa enfrenta estão fora de seu controle, mas poderiam ser resolvidos facilmente se ele apenas conseguisse se expressar. Se ele tivesse tempo ou coragem de dizer o que precisava, tudo seria resolvido. Mas, seja pela situação em que se encontra, ou mesmo pela sua própria fraqueza, ele sempre é incapaz de tomar partido. A maior parte dos personagens estão tão presos dentro de si mesmos, que são incapazes de agir. Os trabalhadores da firma preferem conversar sobre trabalho em vez de resolver as coisas importantes.
Quando Kurosawa é mandado para trabalhar com febre em um cruzamento perigoso, ele não conta sobre sua doença para o chefe e é obrigado a ouvir um superior reclamando da sua inutilidade, sem responder. Ele, um homem de quarenta anos, apanha calado de três estudantes do ensino médio, porque é covarde demais para fazer qualquer outra coisa.
É por isso que eu gosto tanto da série, ela sempre se esforça para falar sobre os seres humanos como um todo, com o que são dentro da sociedade em que convivem, explorando as ideias do porquê alguém agiria de certa forma. Mas por que falo sobre ela? Bom, você deve imaginar minha surpresa quando vi um jogo que tentava o mesmo; que nos mostrava o quão frágil é o poder de uma ação, e que a incapacidade de se comunicar, pode levar a um desastre.
Emily Is Away
O nível de detalhes para lembrar uma obra dos anos 2000 é realmente interessante. Parece que vejo minha infância passando por meus olhos.
Emily se foi é uma visual novel com temática de messenger antigo. Ele simula uma conversa em uma rede social conforme os anos passam, e a nossa interação com uma garota chamada Emily. Ele ganhou bastante notas positivas na Steam, e por muito tempo, eu me mantive cético em relação ao jogo. Pelo nome e o que eu li, me parecia uma história triste no mais estilo juvenil, quem sabe até com um suicídio no final. Mas eu me surpreendi com a sutileza com que o jogo aborda seus temas de mudança. Ele se passa no nascimento de uma era digital, conforme os anos passam, novas interações e problemas surgem na vida do garoto e da garota. É uma história de amor, cujo final não é nada amoroso.
Para poder falar sobre esse jogo, eu precisarei dar toda a história. Então, se você não quiser spoiler, vá jogá-lo, não são nem trinta minutos desperdiçados. O jogo está de graça, inclusive. Depois se sinta mal, e volte para terminar de ler.
Se você jogou o jogo, percebe que ele se parece com uma visual novel qualquer, com a diferença de ter de apertar botões aleatórios para o personagem escrever. Acho que o jogo poderia ter se beneficiado bastante de sistemas de inteligência artificial, aquelas máquinas que respondem, tal como cleverbot e alguns aparelhos da windows. Mas é possível que o designer preferiu contar sua história de forma mais direta, e é bem fácil ver como o povo poderia zoar o jogo se houvesse alguma tecnologia do tipo.
Bom. O jogo segue a história de Emilly, uma garota que acaba saindo do ensino médio e encontra um namorado no colégio. Cabe a nos, porém, determinar como o nosso personagem agirá em frente as situações que aparecem. Temos apenas uma conversa por ano, mas que nos dizem muito sobre a situação.
Na primeira vez que joguei, tentei conseguir um final feliz. Me senti realmente mal pela estranheza do nosso personagem, e quis ajudá-lo a conseguir a menina. O que aconteceu é bem simples, eu acabei sendo acusado de ser um malévolo planejador, que obrigou uma menina infeliz e bêbada a ficar com ele em seu quarto. Não nego que tivesse uma mão de planejamento, era a forma esperada de agir em uma visual novel, afinal de contas.
Então, eu reiniciei o jogo, e tentei novamente, dessa vez, porém, tentei ser um amigo e não tive a prepotência de achar que ambos terminariam juntos. O mesmo final aconteceu.
Eu tentei de novo, dessa vez fui o mais cruel possível, e novamente, o mesmo final.
Depois de uma rápida olhada na internet, eu descobri que aquele era o único final disponível. Não havia o que fazer, sempre acabaria nas mesmas perguntas simples e atmosfera estranha que é tão comum em conversas pequenas. Como foi o seu dia? O que está ouvindo?
Mas por trás dessas perguntas, havia algo mais profundo.
O jogo em questão simula muito bem uma conversa entre adolescentes. Há o humor absurdo, as piadas constantes, e as referências. Além do amor comum por música e namorados ruins. O jogo entra bastante no mundo das gírias e da conversa instantânea, e você poderia até esquecer que está conversando com uma máquina. Então, quando as perguntas realmente importantes começam a aparecer na tela, o personagem as ignora. Na maior parte do tempo, nós mesmos fazemos esse trabalho. Quando há uma frase muito sentimental, ou coisa do tipo, a ignoramos. Se você escolher a opção, porém, na maior parte do tempo, o personagem principal as corrige. Ele é incapaz de falar qualquer coisa que possa constrangê-lo.
Então, no final, quando temos de resolver a situação entre ele e Emily, as opções corretas, que envolvem as perguntas serias, serão sempre substituídas por perguntas comuns e sem significado. É uma cena forte, que termina com ele perguntando se o relacionamento entre eles terminaria daquela forma, e desmanchando as letras para dar espaço a outra pergunta inútil sobre o tempo. E Emily se vai.
O pior é que não há como impedir isso. Não importa a forma como tratamos Emily, o personagem principal é sempre fraco para atuar, para agir. Ele que deveria mudar para conseguir um final feliz. Mas isso é impossível, está fora do nosso controle. Não podemos mudar a nos mesmos. Seria destino? Assim como no caso de Kurosawa? Ou a incapacidade de se comunicar do personagem principal está disposta em um problema muito maior?
O princípio da escolha
O que qualifica um jogo? Seriam visual novels, jogos?
Você, como criador de jogos, deve sempre se decidir sobre o nível de controle que dará ao jogador. É sua tarefa como designer definir o que deve, ou não ser controlável e acessível, do começo ao fim. Algumas pessoas, porém, são contra isso e dizem que a jogabilidade da escolha deveria ser o mais total possível. Eu não concordo. Pessoalmente, acredito que não existam formas de design que sejam inerentemente ruins. Quanto mais controle você passa para o jogador, menor será seu controle sobre a própria obra e os temas que a mesma aborda.
Um jogo de guerra em que a escolha de matar está sempre em poderio do jogador poderia tornar o ato de matar sem sentido, uma vez que é impossível configurar consequências para cada um dos assassinatos, por exemplo. A mecânica perderia um pouco do seu brilho. Mas então, o que define um jogo? Seria Emily se foi, sequer, um jogo? Bom, a essência de uma forma de arte é o que a torna especial, o que a torna o que é, assim como uma faca que pode trocar a lâmina, mas sem uma, deixa de ser uma faca. No caso de jogos, essa essência seria a jogabilidade.
A capacidade de interagir com o mundo do jogo, de forma ativa e vivida. Mas os jogos digitais não são os únicos capazes disso, certo? Os jogos de mesa e tabuleiro tem uma forma excelente de interatividade. E como se poderia dizer, jogos e jogos digitais não são o mesmo. É impossível fazer um COD com cartolina, pelo menos não um com a mesma experiência. Não porque um é melhor ou mais desenvolvido, mas porque as experiências são diferentes. Mas nesse caso, qual a essência de um jogo digital, se não é a interatividade em si? Assim como filmes utilizam imagens para criar a ilusão de movimento, a forma como esses meios utilizam seus princípios é o que as separa totalmente de outras mídias. No caso de jogos, a forma como se aplica a interatividade, e não a interatividade em si, é o que realmente define o gênero.
No caso de Emily is Away, o jogo em si pode não conter consequências diretas para suas escolhas, mas ele te afeta. Como no caso dos jogos da Telltale, que inclusive criou uma das melhores peças de jogos de aventura, Pode não haver consequências em si, mas a forma como a escolha é feita irá te afetar, e o mais importante, irá te contar um pouco mais sobre nos mesmos.
Eu me lembro de ler uma review de Emily reclamando sobre a pequenez em que o jogador está inserido. Afinal de contas, apenas podemos nos comunicar com Emily por uma apertada janela. Não há mais ninguém com quem o jogo permite falar. Todos os outros contatos são deixados de lado, até que todos se vão. Quando eu joguei o jogo, isso me pareceu completamente razoável.
Conforme nosso personagem se apega a uma sensação de nostalgia nos últimos anos, estava bem claro o que tinha destruído sua vida. Ele se apegou demais a Emilly, ao ponto de ignorar qualquer outra pessoa a sua volta. Nos fizemos isso, duvido que a maioria se preocupou em ler os perfis das outras pessoas, nem mesmo eu fiz. Mesmo Emmy, sua amiga nova na faculdade, é deixada de lado. Ele fechou seu próprio mundo a uma janela. Quando, perto do final do jogo, voltamos para uma última conversa, todos se foram. Ele é obrigado a apelar a nostalgia, e você poder repetir exatamente os mesmos diálogos da primeira conversa que teve com a menina, esperando que de alguma forma, isso funcione.
É uma cena realmente horrível, que nos permite sentir apenas culpa e arrependimento pela forma que as coisas terminaram, e nem mesmo a nostalgia de um tempo passado nos permite escapar da realidade. Uma realidade inalterável. Emily is away é um jogo que monopoliza no passado, naquelas lembranças que todos temos da adolescência, dos amores perdidos e das pessoas que se foram. Dentro de nossa mente, é fácil corromper essas memórias até se tornarem uma brincadeira de criança inexperiente, memórias sem impacto, apagadas pelos ventos do tempo. Mas no jogo, não há como escapar, não há como se fazer apático.
O mesmo vale para os personagens unidimensionais. Apesar de eu discordar come esse ponto. Deve-se lembrar que estamos falando de um chat de adolescentes em plenos anos 2000. Adolescentes em uma era nova, que se encaixam em padrões esperados pelos seus respectivos grupos, desde a nerd até o valentão. É o que a nostalgia faz com as pessoas, as simplifica em sua essência, no final das contas, se tornam paródias de si mesmas.Não há como se comunicar fora daquela tela, e toda a interação entre eles se dará pela pronuncia da adolescência. Com a fala da internet. Com os unicórnios e os gatos. Como sequer podemos esperar genuinidade dentro de um mundo de mensagens rápidas, irônicas, e sem profundidade?
Eu não digo que toda conversa na internet é simplista, mas devemos considerar a velocidade e diretividade tão comum nesse meio. E a conversa de ambos no jogo revela uma faceta como essa. Pelo menos no lado do nosso personagem, ignora qualquer conversa íntima e profunda que Emily possa lançar. E se delimita a consolá-la. Em um mundo mudando rapidamente, onde cada palavra é reduzida a sua forma mais simples, e uma cultura sarcástica perdura, como poderíamos agir de tal forma a manter relacionamentos fortes, quando os problemas sérios começarem a aparecer, aqueles que não podem ser resolvidos por piadas? Como poderemos ser genuínos conosco mesmos e com os outros?
No caso do mais forte Kurosawa, havia apenas duas formas com que ele pudesse agir de forma genuína. Quando ele estava sozinho e quando estava bêbado. No primeiro caso, ele chegou a dormir junto a um robô e conversar com o aparelho para poder se manter ocupado. Ele tinha uma relação interessante, uma vez que via naquela máquina, alguém bem parecido consigo mesmo. Alguém abusado, tratado como lixo, mas que está sempre trabalhando, não importa o tempo, o número de ajudantes, o perigo ou o esforço necessário. Mas quando sozinho, não havia como mudar nada, não havia como alterar o mundo, mesmo que apenas o dele mesmo, de forma significante. Apenas quando ele abraça o robô em publico, depois do mesmo ser despedaçado por um acidente de carro, e demostra tristeza e admiração pelo esforço da maquina, que seus companheiros notam sua natureza. Ele vira celebridade, e até mesmo fotos são tiradas. Mesmo que a situação toda fosse ridícula, foi um momento tocante, em que Kurosawa conseguiu, pela primeira vez, abrir espaço para relações sociais com seus colegas.
No segundo caso, quando bêbado, Kurosawa tinha suas ideias mais brilhantes e sempre tentava agir nos princípios de honra que acreditava, os princípios de um verdadeiro samurai. Ele completa vários de seus feitos por situações assim. Note que, nesse caso, a bebida servia apenas como gatilho, Kurosawa ainda tinha de enfrentar as escolhas que tomou enquanto sóbrio, a maior parte das batalhas de verdade que teve, começaram por efeitos de bebidas, mas foram enfrentadas enquanto sóbrio, com todos os esforços e medos necessários para tal. Conforme as vencia, ficava cada vez mais confiante, e cada vez necessitava menos e menos de beber para enfrentar seus problemas.
Estou dizendo que você precisa de bebida para ser genuíno. Com certeza não. A maior parte dos problemas de Kurosawa começa exatamente por isso.
Mas assim como o trabalhador, chegará uma hora em que a genuinidade será importante, em que a única solução para resolver um problema seja encará-lo de frente, em vez de se esconder nas facetas sociais esperadas, como no caso da internet ou em uma área de trabalho. É algo mais fácil de dizer do que de fazer, de fato. Mas não é impossível.
Em Kurosawa, a adolescência era sempre vista com um cinismo extremo. Eram sempre os vilões, os animais, ou os estranhos. E faziam por merecer, muitas vezes. Já em Emily is away, a adolescência é vista como uma área de mudanças constantes, em que as únicas formas de se manter informado sobre alguém era estar sempre conectado, sempre se apresentando a uma nova e diferente era, a cada ano. Sempre trocando o ícone e encontrando a nova moda punk do dia.
Emily Is Away too
Tantas cores e tanto Edgy, parece que a década passada era mais interessante.
Em 26 de maio, foi lançado Emily is Away too, uma sequência com letras coloridas, links do YouTube, muita música e o fato mais impressionante: dessa vez, você pode realmente pegar a menina.
Eu acho interessante quando um jogo dá uma polida em si mesmo para ser lançado nessa nova imagem. Isso ocorreu com OneShot, e gerou minha DLC preferida, que diria ser melhor do que muitos jogos inteiros por ai.
Emily Is Away Too expandiu tudo que o primeiro jogo amava e eliminou o que os críticos reclamaram tanto, dessa vez, a muitas formas de comunicação fora daquela telinha, como links de redes sociais e muita música para ouvir. Além de uma nova garota, Eve, uma punk as avessas, com um grande coração e um ex-namorado ruim.
Mas não vou analisar o jogo todo, isso não seria útil. Ao invés disso, veremos uma cena que eu considero a melhor do jogo inteiro.
Primeiramente, o contexto. A história é bem parecida, com a exceção de Eve, que tem seu próprio desenvolvimento com você, separada de Emilly. Você pode escolher como agirá com cada garota, se tentará impressionar ambas ou apenas uma. Eu, naquele ponto, estava tentando manter as duas como amigas. Mas chega uma hora no jogo em que ambas estão mal, estão destruídas por seus próprios motivos, e vem as duas a você, pedindo ajuda.
No começo, você pode ouvir ambas e conversar, tentando consolá-las, mas conforte vai passando, uma barra de tempo que conhecemos bem começa a se apressar. Você começa a digitar cada vez mais rápido para manter o ritmo, a mudança não é tão rápida a ponto de te fazer parar, mas é sutil o suficiente para te fazer perder controle bem rápido.
E logo, você começa a ignorar o que ambas falam e aperta uma escolha aleatória, apenas para evitar que o tempo acabe e que uma delas perceba que você não está prestando atenção. Mas com o passar do tempo, se torna impossível, e você tem de decidir, quem consolará? Lembre-se que não é uma escolha racional, você não tem tempo de pensar, tem de tomar uma decisão rápido com base nas poucas opções que tem e sua única certeza é que você não pode ajudar a todos.
É um ótimo exemplo de uso da jogabilidade para passar um tema especifico e interessante, ele te força a considerar quem você é e com quem se importa. Desde aquele ponto você podia fingir ser alguém que não era, poderia fingir gostar de tal música, poderia fingir gostar de beber ou não, poderia agradar ambas, e é isso que você faz. Mas nesse momento o jogo nos diz algo obvio, você não pode aradar a todos. Eu escolhi Emilly e deixei Eve. Consegui resolver o problema com seu namorado ruim e protegê-la de um perigo pseudoreal.
Mas daquele ponto em diante, eu seria lembrado das mentiras que contei, da persona que criei. Afinal de contas, mesmo que nossa interação acabe naquela telinha, o mundo real não. Ambas acabam se encontrando na faculdade de arte e tendo uma conversa bem conveniente sobre você e suas mentiras.
Apenas aquele que é honesto com suas ações e gosto acaba, independente dos gostos da garota, conseguindo um final feliz. E só quando deixamos os esteriótipos de grupo de lado que conseguimos ver como cada pessoa realmente é. Se você escolher Emily e não mentir, eventualmente, Eve te perdoa. Você não perde tudo, e consegue falar sobre aquilo que é realmente importante, sobre alguém que você realmente aprecia.
Jogos são capazes de explorar aspectos individuais, pessoais e importantes, mas que fazem parte da condição humana. Por causa disso, os jogos podem sempre espelhar uma parte que nem mesmo nós podiamos estar cientes que existia, nossos valores mais fundamentais. O que aspiramos e o que tememos. E, independente se você já teve ou não de passar por uma situação similar, todos nos podemos sentir a ansiedade de não poder ajudar e agradar a todos.
Então, por que nós não corremos mais? Por que não lutamos como samurais? Nos princípios de honra e glória? Por que já não fazemos as perguntas importantes?
Por que mentimos?
Por que não somos genuínos?
Nos não corremos porque estamos com medo. Medo de ser levados a sério. O personagem principal no primeiro jogo apaga suas mensagens mais importantes, para que não se pareça sentimental demais para Emily, no segundo, ele finge ser uma pessoa diferente e gostar ou odiar tudo para agradar a todos. E claro, Kurosawa não quer ser um tolo. Por isso ele deseja vingança contra os estudantes em primeiro lugar, logo depois de temer ser visto chorando. Porque como ele mesmo disse. Ele não seria humano se não ligasse.
Eu ainda acho que essa é uma pergunta complicada e que a resposta não é algo tão simples que poderia ser escrita em alguns parágrafos de texto. Seria mais fácil se fosse. Mas lembre-se sempre, algum dia você terá de correr, algum dia alguém precisará de um samurai, algum dia alguém que você aprecia precisará de uma pessoa genuína. E nesse mundo de hoje, no mundo de ontem, ou no mundo de amanhã, essa pessoa encontraria alguém?