A existência virtual é mais como um "JOGO" de azar que sempre dá prêmios. Ronaldo Bento
Este é um projeto de entrevista que busca homenagear os imprescindíveis parceiros dos desenvolvedores de games e outros. Um singelo tributo aos produtores de conteúdos. Boa leitura!
Bento: Primeiramente gostaria de agradecer muito a você caro colega professor Mister Dovah por ter aceitado o convite. Como é de praxe gostaria de perguntar: – Quem é o desenvolvedor dos games Okanobi e Tesserato?
Mister Dovah: Olá, Bento. Eu sou Mister, o Dovah. 33 anos, nascido no RJ e criado em Belém do Pará, culpo meu signo às vezes. Sou um entusiasta de toda forma de manifestação textual, e, claro, os jogos digitais fazem parte disso.
Games são presentes na minha vida desde antes de eu dar meus primeiros passos, quando eu ficava jogando os jogos do Atari (eu pegava os cartuchos e jogava pra cima).
No meu cotidiano, meu apelido é Walmir, e sou professor de língua portuguesa de ensino médio da rede estadual. Sou formado em Letras, especialista na área da Textualidade e também bacharel em Direito (mas só trabalho dentro da minha primeira graduação). Tenho a pretensão de cursar game design ou algo correlato no futuro apenas por afinidade. Por enquanto, busco informações de modo independente, e tive a grata surpresa de encontrar o Condado, conhecer a revista do fórum e o seu livro sobre jogos, que fazem parte do meu rol de leituras (e indicação de leitura também. Coloquei trecho da matéria sobre o Dovahzul – achei pessoal e amei -, a língua dos dragões, da revista do Condado em uma apostila para meus alunos estudarem, bem como já usei o site do Kitsune e até mesmo um episódio do Toca do Dragão).
MisterDovah nasceu quando eu criei minha conta na Steam e não sabia que nome colocar. Como eu estava na vibe Skyrim, decidi usar esse. Desde então, é dessa forma que me apresento nas comunidades diversas.
Conheci o RPG Maker depois de uma pequena jornada atrás de suporte para criar jogos, em 2017. Por coisas da vida, parei e só retornei esse ano (2020), quando realmente percebi o quanto a comunidade é ativa. Encontrei o Café, Ludo, Murilo, Richard, CRM, Condado e outros lugares onde aprendi e tomei coragem de expor ideias e projetos.
Como Desenvolvedor de Jogos, não sou um Desenvolvedor de Jogos (acho que ainda falta muito pra eu poder corresponder a esse título de fato, mas é algo pessoal, talvez o dia em que tiver aprendido bem e ter mais seriedade e compromisso com as produções). Meu teto com essas atividades e estudo é catártico apenas (pelo menos agora é). Aparentemente eu sou bom em ajudar pessoas a entenderem seu potencial e dar uma animada, talvez um título bom seja GameCoach, não GameDev.
Bento: Olha que maravilha! Já sou seu fã, enalteço muito os professores que promovem a inovação. Mas chega de mimos. Diga lá meu caro colega, o que um GameDev (iniciante ou não) deve fazer para continuar melhorando suas habilidades?
MisterDovah: O que todo criador de conteúdo faz: ler. Ler tudo o que encontra no caminho. Observar, refletir e, assim, criar. O conceito de leitura aqui não é o restrito ao texto escrito, mas a toda forma de expressão de linguagens, seja verbal ou não verbal.
O que eu quero dizer com isso é que devemos absorver do mundo informações para processá-las e devolvê-las para o mundo. Quando um Desenvolvedor se propõe a observar, ele começa a perceber possibilidades de sua criação e seu alcance. Ouça músicas e permita que as notas te levem pra um novo mundo; olhe para uma pintura e conte a história que envolve aquelas formas; recrie obras à sua maneira.
Adicionado a isso, planeje, registre e comunique quando achar necessário, para que outras pessoas possam responder ao que você compôs, caso se sinta à vontade de compartilhar.
Bento: Boa Mister! Que mensagem você gostaria de passar para aqueles que querem desenvolver jogos no Brasil? Acha que está aumentando o número de desenvolvedores Independentes nas comunidades?
Mister Dovah: “Continue a nadar” é a melhor coisa a ser dita aqui, penso. Sigam produzindo, construindo, criando e se apoiando como comunidade. Mas abro uma brecha para debate aqui: desenvolver jogo NO Brasil não é a mesma coisa que desenvolver jogos PARA o Brasil. A partir disso, respondo à segunda parte da questão: sim, percebo aumento de desenvolvedores independentes no país, mas, por diversos motivos, vejo essas pessoas desenvolvendo para um mercado externo e deixa o interno de lado, e há uma série de perguntas que podem ser feitas:
Por que o foco em língua inglesa? (gostaria de uma resposta diferente do “porque o público que compra é gringo”)
Como a nossa “sensação cultural” em relação aos jogos criados no Brasil reflete a forma de recepção do mercado interno? (Brasileiro tem fama de preferir o que vem de fora e não percebe quantas coisas maravilhosas há aqui... somente fama?)
E uma extra:
Estão errados?
Precisamos mudar bem a visão que temos das coisas que nos são nativas. Por exemplo:
- Em algum desses dias de live de um projeto de RPG Maker, um jogo produzido em português brasileiro trazia no seu elenco personagens com nomes tipicamente nacionais (como Pedro, João, José... não lembro exatamente quais, mas eram comuns), o que provocou uma série de piadinhas do público, como se usar esses nomes fosse ruim.
- Também já ouvi sobre pessoas que consideram “burra” e “amadora” criar um projeto cuja língua principal seja o português.
- Curiosamente, um amigo citou que uma pessoa interessada em seu projeto pediu tradução dele para inglês, sendo que a pessoa é brasileira e agia como se fosse estrangeira.
E outros exemplos mais que não vou colocar aqui para não me alongar (já estou revisando muitas vezes para não ficar tão grande hahaha).
O Desenvolvedor brasileiro precisa entender que usar sua língua e retratar a cultura que o cerca não é feio, inferior ou ridículo.
Bento: Cara eu penso o mesmo... Também já li algo perecido da administradora @Jully Anne. O que você está achando do evento BraveJam? Como está sendo participar do mesmo com o jogo Tesserato?
Mister Dovah: Participei de última hora e sem grandes pretensões. Deixei várias ideias de lado (usar RPG Maker default pra construir essa mecânica não foi um passeio no parque), e em dois dias criei tudo o que virou meu projeto (ele vai passar por reformas, mas em se tratando da JAM, foi isso mesmo).
Fiquei muito feliz ao ver como o Condado está crescendo exponencialmente, fruto do trabalho incansável da equipe fantástica que tem. As proporções são gigantes.
O futuro dessa galera é brilhante e pode ter certeza que nos anais da história do Desenvolvimento de Jogos Brasileiro vai constar o Condado, de tão grande que já está ficando.
Agora se eu pretendo participar ativamente de eventos assim? Dificilmente. Não sou competitivo e prefiro me poupar. Participei de três eventos em seis meses (dois nacionais e um internacional), já vi o que tinha que ver e a conclusão são de que isso não é pra mim, ou estou apenas esgotado.
Bento: Fale sobre o projeto Toca do Dragão em especial da comunidade?
Mister Dovah: O Toca é um projeto de dominação mundial (pra aquecimento apenas, o mundo não é o bastante) orquestrada por um bardo-khan e sua unidade robótica rojo-lagoense, trazendo diversas associações com seres orgânicos (como morcegos, lobos, donos de estalagem e professores) e produtos alimentícios (como cafés). Richard comanda esse espetáculo semanal com temas muito interessantes, interagindo com os ouvintes de forma dinâmica e com muita diversão. O Toca é o primeiro podcast que eu efetivamente acompanho e por causa dele eu baixei o Spotify. Ele mudou minha visão sobre lobisomens e galinhas, desde então não passa uma semana sem que eu ouça (recentemente mudou minha quinta-feira também...). É identidade auditiva na certa com os “ai quidelyssyaaaa!”, “você está ouvindo o to-ca-du-dra-ga-um... PÔ, o efeito sonoro do fatality e as criancinhas gritando “êêêêêêêê”.
Simplesmente genial, simplesmente necessário, simplesmente promissor.
Bento: Faltou “Uiii que delicia!” Quais seus projetos futuros?
Mister Dovah: Pretendo continuar meus projetos de RPG Maker (Okanobi e todos os seus desdobramentos, além de outros) que servem como aprendizado da engine e GameDev em geral, além de meus estudos sobre criação de jogos, enquanto durar o hype do interesse.
Além de acrescentar no que puder à comunidade do Toca e do Café Gamer diretamente, como criador de conteúdo e moderação.
Aproveito para convidar todos a conhecerem o espaço do Toca
criado a partir de toda irreverência do bardão, onde vamos compartilhar informações sobre livros, animes, games, séries, filmes e muito mais, além de acompanhar de perto os feitos do Podcast. Nessa comunidade, estou como moderador da área de livros, então se você tem indicações, resenhas, predileções, shade e ideias, passa lá.
E também o site do Café Gamer,
um novo ambiente para divulgação de projetos, resenhas, tutoriais, espaço de GameDev e indicações de recursos para desenvolvimento. Aqui estou como elfo doméstico no porão criador de conteúdos ao lado do senhor Lopes, pavimentando caminho para que novos criadores possam surgir e dar sua contribuição, lembrando que o fórum do site já está funcionando e lá você pode apresentar seus projetos e postar outras coisas.
Sobre o queridíssimo senhor Felipe Daniel Lopes, apenas elogios pela diferença enorme que faz à comunidade de gamedev em geral, em especial do RPG Maker, incentivando, analisando reviews respeitosas e objetivas e trazendo um material inovador de tutoriais e vlogs que são imperdíveis.
Mister Dovah: Sim, prof.
Romantiza-se o magistério e romantiza-se o professor. Existe um estereótipo de professor como um ser seletivo de hábitos que lhe empresta uma aura fantasiosa e isso é muito danoso. Professores são pessoas comuns em seu cotidiano, com vontade própria e particularidades, entre elas, a paixão pelos jogos digitais. Há pessoas que me idealizam como alguém que passa o final de semana ouvindo músicas antigas, tem o dicionário impresso no cérebro, tem montanhas de livros e fica corrigindo pessoas aleatoriamente. Há surpresas quando digo que prefiro e-books a livros físicos e não acredito que jogos tornam pessoas violentas, muito menos que usar celular é coisa de gente com QI baixo.
Há alguns anos, em uma escola em que trabalhava, houve o incentivo de usar quadros digitais e obviamente a metodologia iria abraçar ferramentas digitais. Lembro-me de um professor de matemática (profs de matemática são o máximo) que usou The Sims 3 para construir sua aula de geometria, o que arrancou piadinhas do tipo “não sou formado pra trabalhar com joguinho”.
Bento: Claro que são! E ao mesmo tempo a Matemática é a disciplina mais odiada... Por isso, temos que inovar... Desculpe o desabafo! Voltando à programação normal.
Quando alunos descobrem que o professor gosta de jogar, geralmente há uma surpresa bem notória (na maioria das vezes agradável). Quando pais e outros professores descobrem, tende a ser o inverso. Mas, dane-se, pois PROFESSOR TAMBÉM JOGA.
Bento: Isso mesmo #professortambémjoga. Quais jogos Indies você recomenda para os moradores do Condado?
Mister Dovah: Eu aprofundei meu conhecimento por jogos indies agora, e meu respeito também. Como já mencionado em outra entrevista, Project Zomboid é altamente recomendado (PZ é um ícone de jogos indies de desenvolvimento pra mim). Seu irmãozinho 3d, o Stay Alive, também recomendo, bem como o 7 Days to Die e o divertido John, the Zombie, que é brasileiro (já deu pra perceber que amo uma zumbizera, né?).
Project Zomboid tem uma mecânica muito interessante de disposição de objetos na tela e interação com o cenário, além das promissoras atualizações da Build 41. Stay Alive segue uma linha semelhante, mas ainda peca na questão do balanceamento e estabilidade.
7 Days to Die é um game que tem modos single, coop e mp. Nele você crafta itens, constrói bases e sobrevive diariamente, até que, a cada 7 dias, é visitado por uma horda com todos os monstros que o game conseguir gerar.
John, the Zombie é um game diferenciado. Nele, você é o zumbi e tem que devorar as pessoas da cidade. A pegada de comédia em cima da gameplay é ótima.
Dentro da nossa comunidade, jogos com essa temática recomendados são “Real Nightmare” (do Hugo Laion) e “Zombies” (do Heitor Vinícius). Mas para além desse contexto, há tantas indicações de projetos promissores que garantem suas férias todas de jogatina:
- Elidriel (Gabriel Schade)- um espetáculo incrível de gameplay, menu e interação.
- Arquivos Ocultos (Richard “Bardo-Khan” Bernardes) – o capricho com o enredo, mapeamento e puzzles é inspirador.
- Sonho Enigmático (Victor Perim) e Alizan (Luca Lizana) – usei pra anotar uns puzzles, confesso.
- Utopia (Héric) – muito promissor, espero que ele continue.
- Profana (Gustavo e João Paulo) – sério... pra quem quer estudar mapas, esse jogo é primordial.
- Unmei (meu projetinho com o JC criado para a Ojama 2020, que agora ele vai fazer crescer em 2021 com a continuação do modo esplêndido como só ele sabe)
Bento: Sempre faço essa pergunta aos meus entrevistados. Como professor, jogador e aspirante a desenvolvedor, eu acredito que os Games podem ser usados como ferramentas educacionais, especialmente em metodologias relacionadas à tecnologia da informação, como um grande apoio para a aprendizagem. Acredita que isso seja possível? Jogou algum game educacional? Já pensou em desenvolver algum jogo com temática educacional?Mister Dovah: Acredito, E MUITO, que jogos digitais devam fazer parte de processos educacionais, tanto quanto obras literárias, filmes e música. Através da interação digital, é possível vivenciar situações bem particulares. Eu mesmo, no meu primeiro ano de ensino médio, realizei uma atividade de história com louvor por conta do que aprendi jogando Caesar III. Eu sou produto de uma gamificação funcional.
Games não devem nunca serem olhados apenas pelo seu lado lúdico, mas também devem ser observados como ferramentas de experimentação, registro e até mesmo interação social (eu muto geral em Paladins, mas você não precisa, tá?).
Há jogos com detalhamento tão bem feito, que poderiam servir para referência história e arquitetônica, como o famoso caso de Assassins Creed e a Catedral de Notredame, ou o cuidado que a equipe de Titanic: Honor and Glory possui na construção do jogo.
O que pesa aqui na verdade é: o jogo é educacional ou é um jogo usado para fins educativos?
Há uma grande dificuldade em tornar atraente jogos com finalidade pedagógica para um público que não é infantil. Esse é o maior desafio: como criar um jogo digital cuja finalidade não seja principalmente lúdica e aplicar em um ambiente em que o lúdico é evitado?
Lembro de já ter destacado em sala de aula que jogadores de RPG tendiam a ser os melhores alunos quando o assunto era tipologia narrativa (curiosamente não conseguiam lidar bem com argumentativa). Uma de minhas vontades é criar esse tipo de jogo com alunos para trabalhar construção textual, causa e consequência, coesão e coerência (quem sabe um dia, né?).
Bento: Agradeço muito pela oportunidade e deixo em aberto para considerações finais ou mesmo um recado ou conselho que gostaria de passar adiante?
Mister Dovah: “Enquanto for divertido, keep makering”.
Gostaria de deixar o link de um texto meu para o site do Café, talvez seja uma boa reflexão pra uma tarde sem muita coisa pra fazer
Quem é você e quem "você está" no mundo?
Agradeço muito pela entrevista e recomendo fortemente as comunidades do Toca do Dragão e do Café Gamer.