Carlos estava fazendo os preparativos para a manhã de páscoa que chegaria em breve. Já preparou todas as decorações. Coelhos de pelúcia espalhados pela casa, ornamentos que mistificavam o quintal. O trabalho de artesanato que fez com sua irmã, Clara, foi fenomenal. Eles trabalhavam desde o começo da semana naquilo, e viram que o resultado os agradou. Naquela noite seus sobrinhos chegariam em casa com o restante da família, prontos para se esbaldar de ovos de chocolate.
Só que os ovos ainda não foram escondidos, eles estavam sendo preparados. A cozinha exalava um delicioso cheiro de chocolate quente. Carlos mexia e mexia, até que percebeu que já estava bom. Só restava deixar esfriar um pouco para que ele não queimasse seus dedos ao manuseá-lo.
Até que o cachorrinho de Clara: Imp, se aproximou alegre. Ele gostava muito de chocolate, e não resistiu em provar um pouco daquele que estava descansando na bancada. Ele pulou em cima da panela de chocolate e ela caiu no chão, derramando o conteúdo por todo o canto. Imp ficou todo sujo de chocolate, e o chão também. Tudo aconteceu muito rápido para que Clara ou Imp pudessem fazer alguma coisa.
- Imp! O que você fez? - Exclamou Clara, correndo para pegar um pano e limpar aquela sujeira. - Nosso, nosso chocolate... Não! E agora?
- Eu... Eu não sei. Será que deveríamos comprar mais no supermercado? - Carlos falou sem pensar. Ele sabia que era domingo de páscoa, e todos os supermercados estavam fechados. Mas ele se lembrou disso bem rápido quando Clara o olhou com um olhar de desaprovação.
- Você deveria ter prendido seu cachorro, Clara.
- Eu deveria? Você deveria ter prestado mais atenção na panela e não ter ficado distraído no mundo da lua!
- Mas o cachorro é seu!
- Mas o chocolate é seu!
- O chocolate é nosso, Clara. - Ele disse mais calmo dessa vez. - Como é nosso, você precisa me ajudar a encontrar uma solução.
Clara concordou. A única opção que tinham era procurar algum estabelecimento aberto onde pudessem comprar mais chocolate. Juntos, então, começaram a passear pela vizinhança. O movimento na rua era quase nulo. Só uns carros passando de vez em quando. Supermercados, lojas de conveniência, todos fechados. Só conseguiam encontrar farmácias abertas, mas lá não deve ter chocolate.
Quando estavam passando pela praça, encontraram uma pequena tenda. E uma placa fincada na grama, que dizia: "Vendo Chocolates!". Aquilo foi a salvação que eles esperavam. Os dois correram para a tenda, na esperança de achar ainda algum chocolatinho que não tinham sido vendido. Lá dentro, havia um senhor de idade e várias caixas de chocolate ao redor dele, mas todas estavam vazias.
- Bom dia, como posso ser útil? - O bom velhinho os cumprimentou. Clara ignorou as caixas vazias e só perguntou diretamente para ele:
- O senhor tem chocolate à venda? - Nisso, o senhor olhou para os lados, pensou um pouco e concluiu que não tinha mais nada. As notícias foram desanimadoras.
- Mas espere aí, acho que o velho Quill ainda pode ajudá-los! - Ele se virou e abriu um baú empoeirado que tinha. Lá dentro, uma caixa colorida com uma estrela na tampa. Ele soprou a poeira e apresentou a caixa aos irmãos com um sorriso no rosto.
- Essa é a Caixa Pascoal. Com ela, todos os seus desejos de páscoa podem se tornar realidade. Essa caixa pode, apenas no dia da páscoa, criar qualquer tipo de chocolate existente. Se você for bom o suficiente, poderá criar quanto chocolate quiser com o poder dessa bela caixinha aqui. - Quill explicou. Carlos e Clara não acreditaram nisso.
- É, desculpe, não viemos aqui em busca de coisas "místicas", viemos aqui para comprar chocolate. Já que o senhor não tem chocolate, nós vamos nos retirar, tenha um bom dia. - E depois de Carlos dizer isso, os dois se retiravam da loja.
- Esperem! Eu nem demonstrei o funcionamento da caixa ainda! Eu posso provar que ela funciona. - Quill exclamou. Como os dois não tinham muito a perder, só voltaram para a tenda e escutaram o velho, totalmente desacreditados.
- Você, linda jovem, diga para a caixa as palavras: "Caixa, chocolate!" - O idoso apontava para a caixa sorrindo. - Vamos lá, diga. Você não tem nada a perder.
- Tá bom... Caixa, chocolate! - Nisso, a caixa se revirou, balançou, tremeu e a tampa se abriu de novo. Uma barra de chocolate novinha e embalada saiu de dentro dela. Quill pegou a barra de chocolate, tirou a embalagem e deu uma mordida. Os dois irmãos se olharam.
- Quanto você quer nela? - Carlos lançou na mesma hora. O velho balançou seu indicador para os lados.
- Eu não quero dinheiro. Quero que vocês sejam boas pessoas e tragam o espírito da páscoa para outras pessoas que são importantes para você. Isso já me deixa feliz o suficiente. - Concluiu Quill. Os irmãos agradeceram o velho e voltaram correndo para casa, carregando a incrível caixa mágica.
Quando eles chegaram em casa, Carlos estava louco para testar. Ele então disse:
- Caixa, chocolate! - E funcionou perfeitamente, como se fosse mágica. E era mágica. A irmã falou logo em seguida e os dois repetiam e repetiam várias vezes, caindo na gargalhada. Inúmeras barras de chocolate apareciam pulando de dentro da caixa. Carlos deu uma mordida em uma das barras. O chocolate era delicioso. Eles começaram a tirar a embalagem e derreter de novo o chocolate. Imp os observava do lado.
- Não, dessa vez não! - Clara previa o que podia acontecer, então colocou a coleira em Imp e o levou de volta à casinha dele. Ela voltou para a cozinha e o cheiro do chocolate derretido já inundava a casa.
- Ei, eu estive pensando... Será que outros tipos de chocolate também funcionam? Porque testamos só chocolate ao leite. Não quer tentar, Clara? - Dizia Carlos, mexendo a panela de chocolate no fogo médio.
- Caixa, chocolate meio amargo! - A caixa revirou, balançou e saiu outra barra de dentro dela. Clara experimentou e confirmou: Era sim chocolate meio amargo.
- Isso, isso é revolucionário! - Exclamou Clara. - Espera, teve algo que não testamos ainda. E ela disse:
- Caixa, ovo de chocolate! - Carlos até deixou o fogão para olhar atentamente. Nos primeiros segundos, a caixa não fazia nada. Até que ela tremeu, e balançou, e agitou, e fazia isso cada vez mais forte. Por fim, de dentro dela saiu um ovo de chocolate decorado e embalado. Os dois ficaram maravilhados, se é que era possível ficar mais maravilhados do que estavam.
- Ei, pra quê ficar derretendo chocolate? Nós temos uma caixa que cria ovos de chocolate! - Clara percebeu. - A gente pode só criar ovos de chocolate da maneira que quisermos e como quisermos. Na verdade, pra quê parar aí? Nós podemos criar ovos de chocolate infinitos e ficar ricos com isso!
- Caramba, que ideia genial. Cara, essa caixa foi a melhor coisa que aconteceu nas nossas vidas! - Carlos exclamou e desembalou outra barra de chocolate, e deu uma mordida. - Huh? Espera, o quê? Cof, cof!
Carlos começou a tossir com força e Clara ficou assustada. Correu para pegar um copo de água para o irmão.
- Carlos, o que foi? Será que a caixa cria chocolates envenenados? Ele nos enganou?
- Isso não é veneno... cof, cof... - Carlos tossia forte, mas os intervalos entre tosses aumentavam. Ele estava se recuperando.
- O quê? Não fale muito, eu vou te levar para o quintal, você precisa de ar fresco! - Nisso, Clara carregou o irmão até o quintal, que ainda estava decorado com o todo o tipo de artesanato pascoal. Já era finzinho de tarde, e os sobrinhos e outros convidados chegariam em breve. Ele recuperou a fala e parou de tossir.
- Carlos, o que aconteceu? Você foi envenenado ou algo assim? Vem, levanta. - Pouco a pouco, a irmã ajudou ele a se erguer. Ele ainda estava um pouco tonto.
- Seu irmão já disse que não é veneno, Clara...
Os dois se viraram assustados. Logo atrás deles, vagando pelo quintal estava Quill, com uma manta que o cobria até o ombro.
- Não é veneno. Isso é sal. Toneladas e toneladas de sal. Não vai fazer mal a ele, o sal é apenas psicológico. Os receptores de sabor só detectam que há sal toda vez que ele toca chocolate na boca. Como é muito sal de mentira, ele tem um reflexo de cuspir o que está comendo. Mas não é fatal.
- Eu sabia que tinha algo de errado com aquela caixa... Por que você faria isso com a gente, a gente nem te conhece! Nunca fizemos nada de mal a você! - Disse Carlos.
- Isso é verdade. Mas a maldição só entrou em vigor quando vocês fizeram mal uso da caixa. Não se lembram o que eu disse?
"Se você for bom o suficiente, poderá criar quanto chocolate quiser com o poder dessa bela caixinha aqui."
- Eu disse "bom". Vocês foram malignos. Gananciosos. Vocês quiseram abusar da caixa para benefício próprio, e não para transmitir o espírito da páscoa. E por isso, vocês foram amaldiçoados. Cada vez que a língua de vocês encostar em chocolate, sentirão como se houvessem toneladas de sal na língua e a sensação será horrível. Nunca mais poderão comer chocolate!
- O quê? Como pode fazer isso com a gente? Nós queríamos só dar uma boa experiência para nossos sobrinhos. Queríamos que eles ficassem felizes se enchessem de chocolate. É muito errado querer algo assim?
- Talvez. Mas quem sou para julgar? O que eu tenho certeza que é certo é que vocês são gananciosos e queriam capitalizar em cima da caixa. Estou errado?
Os dois se mantiveram em silêncio.
- Não tem apelos. Vocês continuarão amaldiçoados, e eu levarei a caixa de volta. Podem continuar com os chocolates que já pegaram. Até mais. - Quill joga a manta de lado e seu corpo começa a mudar. Sua pele começa a ficar esbranquiçada e peluda. Orelhas crescem onde eram sinais de calvície. No lugar das mãos, aparecem patinhas. Quill solta mais um olhar de desaprovação aos irmãos. Seus olhos eram vermelhos e brilhantes. Ele pula para fora do quintal até desaparecer no pôr-do-sol.
Os irmãos estavam tão decepcionados que a transformação de Quill nem os fez piscar. Com suas escolhas e com sua irresponsabilidade. Mas o tempo passava, e eles rapidamente perceberam que tinham que fazer algo, e rápido, senão iriam decepcionar ainda mais pessoas. Voltaram para a cozinha.
- Ainda sobrou bastante chocolate. Quer tentar fazer os ovos? Se a gente pegar firme, dá tempo de terminar tudo antes que eles cheguem. - Clara sugeriu, olhando de relance para o relógio na parede. Carlos confirmou.
- Comece a ferver mais chocolate, eu vou enformar o que já temos pronto e preparar o recheio! - Ele anunciou. Os dois começaram a trabalhar na produção dos ovos, sempre de olho no relógio e agilizando o ritmo conforme o necessário. Aumentaram a temperatura da geladeira ao máximo, sacrificando até mesmo a conta de luz em troca de terminar esses ovos até a chegada dos convidados.
Depois de muito tempo de trabalho, o resultado derretia corações. Dezenas de ovos de páscoa decorados, com variados recheios, prontos para comer. Mas infelizmente eles não podiam comer nenhum. Eles só tinham que confiar que fizeram tudo certo, e a família iria julgá-los. A campainha toca.
- Clara, eles chegaram. - Respirou fundo. - Por favor, que esses ovos estejam deliciosos.
Os irmãos colocaram seu melhor sorriso no rosto e tentaram esquecer o que aconteceu, para serem o mais receptivos possível com os convidados. Os sobrinhos começaram a gritar de alegria esperando pela caça aos ovos. Os primos chegavam para contar histórias da viagem e todos estavam super empolgados. Imp começou a latir descontrolado.
- Ei, Carlos, eu trouxe um ovo especial que fiz especialmente pra você! - Ele gelou ao ouvir aquilo de sua tia. Sabia que não tinha escapatória, ele ia ter que comer.
- Vamos lá, experimenta. Quero ver você comendo agora. - A tia entregou o ovo embalado em papel brilhante. Ele estava muito apreensivo. Clara observava de longe e os dois olharam um pro outro como quem quer dizer: "É, não tem jeito".
Ele suspirou e deu uma mordida no ovo.
Tinha gosto de chocolate.