O que nos assusta? Esse é um tema presente em todas as linguagens, se apresentando como um estudo do mais primordial dos sentimentos: o medo.
Jogos de terror, ou Horror, são bem comuns no RPG maker. Como é de conhecimento, eles inundam os vários canais de YouTube especializados em gritos ou em reações, e se tornaram clássicos cult, como AoOni e Yumi Nikki, não apenas isso, mas são um dos gêneros mais antigos de jogos que temos.
Crescendo pela primeira vez no início da era de texto jogável, desenvolvendo-se no 3D, com o jogo Alone In the Dark, que fundamentaria os princípios do gênero e abriria espaço para os milhares de jogos que atufariam o mercado, e que hoje, foram quase totalmente substituídos pelas obras de FPS com elementos de terror, tal como os novos Resident Evil.
Imagine como isso afetou as crianças da epoca
Mas o que é Horror e Terror especificamente, e como essas coisas estão ligadas a Hp Lovecraft? E o mais importante, por que temos tantas obras desse tipo no Maker, mas não no mercado grande? Por que fazem tanto sucesso?
Muitos podem definir horror e terror de formas diferentes, e alguns, infelizmente, de formas hierárquicas. Alguns, por exemplo, definem horror como uma espécie de versão melhorada do terror, como se o mesmo fosse todo o aspecto psicológico do medo, e o terror fosse os JumpScare e o medo momentâneo. E eu entendo, é difícil separar os dois, principalmente por estarem tão simbioticamente ligados, que fica difícil haver um sem o outro. Aqui, eu defino terror e horror como partes de um mesmo processo contínuo, quase como sinônimos, de fato, mas partes de um mesmo sentimento crescente do medo.
Algo nessa imagem apenas não parece certo.
Terror pode ser definido como uma forma de ansiedade, sendo um sentimento, é subjetivo e complexo. Imagine a sensação de estar em um corredor longo e escuro, antes de ver um pouco de luz no fim dele, piscando. Ou melhor, imagine olhar para uma boneca sem olho por algum tempo, imaginando se essa coisa está realmente morta. Isso é terror, como se algo ali estivesse fora do lugar.
Agora, no momento em que você percebe que aquela boneca se moveu, ou que a lâmpada parou de piscar, isso sim é horror. Horror é mais do que terror, não necessariamente melhor, mas é o que te prende por maior período de tempo. É aquela estranha realização de que algo não está certo, é uma sensação de repulsa, nojo, de perceber a verdadeira realidade que se encontra debaixo dos panos, esperando para ser desvendada. Quem jogou The Room, e viu aquela porta trancada por cadeados, pode ter sentido terror, mas quando viu aquele ser horrível saindo da parede, sentiu horror. É esse o tipo de horror que dominava os jogos, tais como Silent Hills, e os primeiros Resident Evil. Sem querer entrar tanto em nostalgia, um sentimento cegante, de fato; mas tente jogar esses jogos agora, eles ainda são tão horrorosos como costumavam ser?
Eles envelheceram bem?
Muitos diriam que não, alguns que sim. Mas o fato é que, para o terror crescer e se tornar horror, é necessário uma âncora com a realidade, isso é primordial, porque a única forma de criar horror é distorcer essa realidade. É dessa distorção que os jogos encontram, na área escura do nosso celebro, do onde tudo é possível, que falaremos daqui a pouco. Muitos jogos hoje fazem isso com gráficos foto-realistas, que imitam cada sujeirinha ou pedaço de pó nas janelas. Acabamos nos acostumando com esse mundo real, e por isso, muitos diriam que esses jogos não envelheceram tão bem, e poderiam até rir desses clássicos.
A questão é: jogos de Horror e Terror são bem complexos de produzir, principalmente no mundo das grandes corporações AAA (O Mercado Global), onde um título que não faça sucesso pode mandar muita gente desempregada para casa. E há vários motivo para isso; de fato, é simplesmente mais fácil fazer e continuar fazendo jogos de Ação com elementos de terror, onde pode-se reaproveitar os mesmos elementos de novo e de novo.
Fazer o ciclo de ansiedade necessário para a produção de terror, ou até mesmo aquela quebra estranha da realidade para espalhar o horror é simplesmente difícil, e repetir essa proeza diversas vezes, de novo e de novo, é quase impossível.
É basicamente o futuro de toda saga de jogos de terror, ser invariavelmente devorada pelos preceitos de jogos de ação. Uma vez que essas empresas precisam inovar para se manterem no mercado, e não fugir tanto do que sabem que será um sucesso, são sugadas para o reino dos FPS. Isso ocorreu com Dead Space, Resident Evil, Alone In The Dark e alguns dizem, até Silent Hills.
A segunda opção é simplesmente ir para o lado mais fácil, os odiados JumpScare, que dominam, não só a indústria de jogos, mas a indústria de filmes. Os grandes produtores já conhecem milhares de técnicas para produzir essa forma de terror momentânea, conhecem muito bem os ciclos de ansiedade para fazer um bom JumpScare, e sabem que isso ficará fresco na mente dos jogadores por algum tempo. Não é algo necessariamente ruim, não entenda errado, mas a falta de variedade na forma em que esse terror se encontra irá, invariavelmente, torná-lo tosco com o passar do tempo. O verdadeiro horror, e até o terror, necessitam sempre de novas formas de quebrar a realidade e a calma do jogador.
No momento em que posso explodir a cabeça do monstro com uma escopeta, o terror perde uma de suas maiores habilidades, a sutileza.
Os jogos de Horror hoje caíram na mesma armadilha que é tão comum nessa mídia, o empoderamento do jogador. Eles não são feitos para quebrar a realidade visível do jogador, mas para fazê-lo poderoso por ter passado por um desafio, para se sentir bem depois daquela jogada, rir de seus sustos bobos e recomendá-lo para seus amigos. Mas o terror que foi deixado para trás, aquele que fica em algum canto do olhar, escondido em alguma sombra, aquele que você descobre tarde demais que, não pode ser morto, que sempre está lá, foi jogado fora.
O horror cresceu e se desenvolveu de forma bem diferente na literatura. Teve suas raízes na fobia crescente de bruxas no período inquisitivo. Ganhou lugar nas obras teatrais de Shakespeare. Se desenvolveu nas mãos dos góticos, com os movimentos romantistas da era amaldiçoada, dando espaço para obras como o castelo de Otranto de Walpole, onde as primeiras marcas dos vampiros se desenvolvem no que conhecemos hoje.
Nessa era, a morte era a principal arma para varrer os pensamentos dos leitores. Terem de enfrentar a mortalidade, o luxo e a ganância dos poucos, e é claro, os monstros que se escodem dentro de nós mesmos, era o princípio básico para escrever um bom romance de terror.
Mary Shelley criou o clássico Frankstein em 1818, como uma obra para expor os horrores do conhecimento e da ciência que se desenvolviam naquela época, substituindo os princípios básicos e fundamentais de Deus. O que, inclusive, se torna um marco importante para o futuro autor de quem falaremos.
Os originais dos irmãos Grimm fazem seu lançamento pelas prateleiras de livros infantis, com suas histórias macabras, lições de moral para as crianças, em um período em que a mortalidade infantil estava muito alta. Acabaram por ser higienizados pelos clássicos da Disney, anos depois.
Os fundamentos vitorianos dos ingleses substituem os romancistas, e eles se tornam cada vez mais individuais, violentos e pessoais. O aspecto do horror vai para a mão dos seres humanos em vez de temas abstratos, e os assassinos em série impressionam as mentes dos leitores aflitos com os assassinos na própria cidade.
Percebe? Diferente dos jogos, a literatura possui temas estabelecidos. Há um proposito para o horror. Seus temas mudam baseados em sua cultura e sociedade, mudando assim a forma como o horror é visto e suas principais bases. Essas obras não tem tanto apelo hoje porque os tempos mudaram, nós tememos monstros diferentes, problemas diferentes. É por isso que a adaptação é necessária, para manter o aspecto terrorífico vivo na mente na nova era.
Viu, até o escritor é feio, isso é terror de verdade!
E por causa disso, o horror deu uma volta de cento e oitenta graus, com o lançamento do clássico o chamado de Cthulhu, de H.P. Lovecraft. Um dos maiores e menos reconhecidos romancistas de sua época, chegando a morrer em esquecimento, e hoje, sendo lembrado como um dos maiores escritores de horror que já tivemos.
De fato, Cthulhu se tornou uma figura pop, representando tudo aquilo que é estranho, ganhou lugar ao lado dos monstro famosos, mas diferente deles, nunca foi adaptado de forma muito interessante pelos jogos ou até pelos filmes.
Ele tirou o horror das mãos humanas, tirou todo o poder da humanidade, e juntou dois gêneros que antes não poderiam se encontrar: o horror e a ficção científica.
Lovecraft foi um estudante de muitas coisas, entre elas, astronomia e geologia. Era uma pessoa aterrorizada pelos próprios demônios: sofria de paralisia do sono e era muito doente quando criança. Isso o ajudaria a compor vários de seus mais terroríficos personagens.
Ele não foi o único autor, mas foi o que dominou o uso do desconhecido em suas obras. Através de dois princípios simples, ele revolucionaria os contos de horror pelo mundo. O primeiro diz que os seres humanos são incapazes de descrever com exatidão aquilo que vêm, há um abismo entre o que sentimos e nossa capacidade de descrever com precisão, o que fazemos, o que vemos e o que sentimos; o que, naquela época, se mostrava meio complicado de se aplicar quando sua mídia principal eram livros.
O segundo e mais simples diz que, seres humanos, fracos como são, não tem capacidade de entender o universo ao seu redor, e um pequeno olhar dentro desse poço de conhecimento seria o suficiente para nos levar a loucura. Interessante, não? Não podemos saber tudo, nossa influência nesse mundo é bem pequena, e mesmo que pudéssemos, não conseguiríamos descrever tal conhecimento.
O Cthulhu representa isso muito bem. Uma criatura divina, impossível de ser descrita, o próprio olhar para ela seria o suficiente para te levar a loucura. Não havia como enfrentar o Cthulhu, só podia se esconder e rezar para que ele te ignore, porque você é pequeno e fraco demais para sequer aparecer em seu radar. Seres monstruosos que poderiam provocar o fim do mundo com um assopro, e que não estavam nem ai com a capacidade humana. Isso é bem desanimado, não é? E também bem horrível. Não há como matar Cthulhu, nem mesmo lutar contra ele.
Mas o que isso tem a ver com jogos? H.P desenvolveu suas obras com base em uma forma de escrever que ficaria gravada na literatura a partir daquela época, o medo do desconhecido.
A base para o horror pode ser encontrada em três diferentes pontos: o medo do desconhecido, o
Ciclo de ansiedade, e o intocável.
JumpScares, e basicamente todo horror em algum nível, se delimita ao ciclo de ansiedade. Preparando o cenário, colocando as peças no lugar, para finalmente entregar o susto. É um processo complexo que envolve preparação, no caso dos Jumpscares, é ciclico e não te ensina nada, não te leva a nenhum entendimento da realidade.
O ciclo de ansiedade é como andar pelo corredor e vê-lo ficar cada vez mais escuro.
O medo do desconhecido é aquilo que fica entre as palavras, que não pode ser descrito. É o terror em sua forma mais fundamental. Ele pode existir em diversas formas, entre elas, o intocável.
Humano o suficiente para reconhece-lo como tal, mas ainda assim, estranho o suficiente para causar medo e paranoia
O intocável existe em uma área entre a fantasia e a realidade. É o barulho no corredor, mesmo que seja completamente normal, ainda é estranho de alguma forma, como se não pertencesse aquele lugar. É o principal meio de causar ansiedade.
A porta cheia de cadeados em The Room é uma forma do intocável, sabemos que algo está errado apenas olhando para aquilo, sabemos que algo não está em seu lugar. Nosso cérebro é um mestre em categorizar e guardar informações, então percebemos na hora quando algo não está certo.
Como uma lâmpada piscando em um corredor vazio, algo assim não seria nada normal em um lugar bem guardado. Isso cria uma forma de desconforto, que é bem comum com bonecas e robôs, ou até mesmo com pessoas amputadas, existe ali algo que é humano, que se parece humano, mas que de alguma forma, não é de todo humano. É o ponto entre o fantasioso e o real que essa ansiedade nasce.
Os melhores jogos de terror são aqueles que se apegam ao intocável para criar o ciclo de ansiedade. Aqueles onde o terror pode fugir do console e vir ao mundo real, de uma forma metafórica. É aquele jogo que te deixa acordado de noite, pensando, que te faz ligar a luz e olhar para trás. Que tiram o poder do jogador e colocam em alguma coisa mais distante, mais estranha. Os primeiros zumbis em Resident Evil, eram humanos, mas ao mesmo tempo não eram. Eles andavam de uma forma bem lenta, não muito agressiva, mas, ainda assim, de uma forma nada humana.
Silent Hills era mestre nesse tipo de terror, o design dos mapas e até a forma como as pessoas se comunicavam no mundo real era estranho, de alguma forma. Passar pelo buraco no banheiro em The Room para chegar em um lugar tão sem sentido era uma forma do Intocável.
Com o crescimento do mundo AAA e do foto-realismo, todas as formas uteis de criar o intocável foram substituídas por um mundo realista, que imita o nosso próprio perfeitamente. Não havia mais espaço para o estranho nos jogos novos, não havia mais espaço para a sensação de que algo está fora do lugar, pelo menos não de forma tão forte, como havia antes.
Os jogos indies, diferentemente, tem três vantagens que os permitem fazer tanto sucesso nesse gênero. Sua capacidade de poder falhar, que os permitem fugir do comum e tentar coisas tão diferentes e estranhas. Suas limitações, que os impedem de utilizar os modelos mais comuns de realismo que a comunidade AAA tanto utiliza, se tentassem, também, jamais chegariam perto da qualidade gráfica desses jogos, e apenas conseguiriam o título de feios e não bons o bastante, por causa disso, são obrigados a inovar e encontrar formas de esconder seus LowPoligns, ou utilizá-los para criar essa sensação do estranho.
As fantasias de 1950 não eram tão metrificadas como as atuais. Deixavam espaço demais para criatividade, não há ponto de ancora com a realidade para seu cérebro se prender. E isso é bom, também. O método full surreal de Yumi Nikki funciona nesse principio.
A terceira vantagem é a variabilidade, temos muitos criadores hoje em dia, e eles podem criar jogos em muito pouco tempo, relativamente as grandes companhias. Graças a esses três elementos que nós temos clássicos como Yumi Nikki, que pula totalmente da realidade e inspira novos jogos incríveis até hoje. Mad Father, Ib,The Crooked Man e tantos outros. Na comunidade Indie, jogos como Amnesia e Outlast reanimam a chama do intocável, e quem sabe, com seu sucesso, trazem de volta esse gênero para as grandes corporações.
Isso explica o porquê de termos tantos jogos de terror indie, mas tão poucos bons jogos de terror no mercado. Mas por que gostamos tanto do gênero? Um gênero que é feito especificamente para causar uma sensação ruim de susto ou medo?
Há várias teorias, alguns dizem que gostamos de ser afetados. Gostamos de sentir algo, o sentimento em questão não importa, mas sim, o fato de que estamos sentindo. Isso não se mantêm quando pensamos nos horrores que acontecem na vida real, e que, muitas dessas mesmas pessoas que jogam jogos de horrores se afastariam no mesmo momento em que vissem. Vídeos de pessoas sendo decapitadas ou tipos de horrores mais reais, tal como assassinatos, nos causam repugnância, e não entram no mesmo meio de entretenimento de Misao ou The Witch House, por exemplo.
Outros dizem que nós podemos nos identificar com a vítima, e utilizá-la como uma ferramenta para superar nossos próprios medos, enquanto estamos seguros no conforto de nossas poltronas. Nesse caso, os jogos seriam uma das melhores formas de horror, já que permitiriam a pessoas se colocarem totalmente nos sapatos da vítima, em vez de depender apenas da empatia. Através dos jogos, então, elas poderiam experimentar o medo de verdade, e se sentir bem ao derrotá-lo. O que é o princípio em que grande parte do mercado AAA hoje se prende. Mas nesse caso, e os filmes e jogos de horror onde o protagonista não sobrevive ou triunfa? Estudos mostram que nós gostamos mais da parte do meio do filme, onde o horror é maior, do que do seu final.
É difícil saber o porquê de gostarmos desses jogos, más é fato de que gostamos, dado que vendem tanto e se tornam cult com tamanha facilidade. Mais e mais jogos de terror virão no futuro, e mudarão bastante. Cabe aos novos Designer terem certeza de fazerem jogos que encontrem esse abismo entre o que entendermos e o que se esconde atrás das sombras. Do que se esconde atrás das portas trancadas por cadeados e da penumbra embaixo de nossas camas. Cabe aos designeres de amanhã e de agora fazerem jogos indescritíveis, que deixarão os jogadores acordados, pensando sobre os horrores inexplicáveis escondidos atrás de suas mentes.
E então, o que você acha? Está inspirado por algum tipo de jogo de terror ou horror? Nos conte que jogos você acha que dominam os métodos de H.P Lovecraft, e quais falham miseravelmente na missão de encontrar o terror verdadeiro.
E o melhor, como você faria um jogo de terror? Como você enlouqueceria a mente dos seus jogadores?