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"Não descarte uma ideia aparentemente ruim, pode ser apenas o efeito do spoiler."
- Frank

Neve Virgem

Mistyrol

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06 de Agosto de 2015
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Neve Virgem


          As luzes da cidade eram ainda mais encantadoras quando vistas de cima, o clima frio das noites de inverno deixava tudo com um brilho diferente. Era algo que, caso precisasse, Nicolas não conseguiria encontrar as palavras certas para explicar, mas, admirar a beleza da cidade durante a noite era uma das poucas coisas que lhe traziam uma paz absoluta. Por mais que tentasse, não conseguia se lembrar de como havia chegado ao telhado daquele prédio, a única coisa com o que se preocupava naquele momento era com a cena que assistia.
          A brisa gelada soprava os longos cabelos lisos daquela garota de uma maneira tão graciosa que as lágrimas em seu rosto pareciam sequer existir. Seu cachecol vermelho dançava delicadamente junto ao vento, apesar do silêncio, era possível ouvir o som de uma melodia triste, aos soluços e com a respiração ofegante, a bela garota de pele clara como a neve criava uma trilha sonora melancólica que partia direto de seu coração. Era um conjunto de detalhes tão frágil e ao mesmo tempo tão belo que Nicolas não sabia o que fazer, tinha medo de tomar qualquer atitude e acabar desfazendo aquele momento que, aos seus olhos, se comparava à uma obra de arte.
          Estava tão perdido vendo aquela cena que sequer percebeu que observava de forma tão compenetrada uma pessoa que não conhecia. Porém, apesar de serem estranhos um para o outro e de não ter ouvido uma palavra apenas, o choro que partia dos lugares mais profundos da alma da garota era tudo o que ele precisava ouvir para saber que ela estava desesperada. Sabia exatamente o que ela sentia, pois ela desabava da mesma forma que ele mesmo desabou diversas vezes.
          Nicolas deu alguns passos em direção a garota, ela parecia não se importar com a sua presença, mas de algum modo ele sabia que ela tinha ciência de que ele estava ali, observando-a:
          — Você não acha isso tudo engraçado? — Com a voz trêmula, ela perguntou, sem olhar para o garoto.
          — Isso tudo... o que? — Ele respondeu, congelando os seus passos assim que ouviu a voz dela.
          — A vida — ela afirmou, friamente. — São tantos esforços, tantas desilusões, mas para que? No final nada valerá a pena.
          — Por que você diz isso? O que você está fazendo aqui? — Nicolas não estava entendo o que ela queria dizer exatamente.
          — Eu digo isso porque é a verdade, e você sabe disso — ela fez uma pequena pausa. — Às vezes eu me pergunto se não seria melhor terminar com tudo de uma vez.
          — Acho que isso é uma questão de ponto de vista — Nicolas afirmou. — Você pode achar que não vale a pena, mas também pode estar olhando do ângulo errado.
          — Do ângulo errado? Como assim? — Pela primeira vez ela olhou nos olhos do garoto.
          — Essa é uma resposta que eu ainda não tenho — ele afirmou, um tanto decepcionado. — Se você ainda não se sente realizada, é porque ainda não encontrou, então é preciso esperar a hora certa.
          — E como eu vou saber que é a hora? — Quanto mais o tempo passava, mais confusa ela parecia estar.
          — Essa é uma tarefa difícil, mas eu tenho certeza que você vai conseguir entender.
          — Você é ainda mais engraçado que essa situação — apesar das palavras vivas, a sua expressão carregava um vazio incomparável. Nicolas procurava, mas não encontrava nenhum sentimento naquele olhar. — Eu costumava rir dessas pessoas otimistas, assim como você, sabe?!
          — Não... não é uma questão de otimismo — seu corpo todo enrijeceu ao perceber que a garota deu alguns passos para a beirada do prédio. — Eu só quero encontrar uma resposta, por isso eu confio e espero.
          — Eu já esperei por muito tempo, não consigo ficar aqui esperando mais — agora o corpo dela havia chegado ao limite do solo, mais um passo e ela cairia.
          — Espere! — Nicolas gritou, desesperado. — Que tal se você voltar para cá e a gente tentar encontrar isso juntos? Vai ser bem melhor se duas pessoas procurarem em vez de uma só, você não acha?
          — Encontrarmos... juntos? — Ela perguntou. — Mas você nem me conhece, como pode querer me ajudar assim?!
          — Você tem razão — ele concordou. — Nem nos conhecemos, mas se você continuar nesse caminho nunca vamos ter a chance de saber a resposta. Vamos, me dê essa chance.
          — E qual é o seu nome? — De maneira fria, como de costume, a garota perguntou.
          — Cooper — ele disse, um pouco aliviado. — Me chamo Nicolas Cooper, e você?
          — É um belo nome — ela sorriu. — Então, Nicolas, quando você encontrar a sua resposta você pode me contar.
          Nicolas não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas ele sentia pena daquela garota. Ele já tinha entendido os planos dela, e talvez tentava ajudá-la pois ele mesmo já havia pensado naquilo várias vezes, mas nunca teve coragem de seguir em frente. Alguma coisa no olhar dela dizia que ele poderia entender a situação em que ela estava, mesmo que não a conhecesse. No final das contas, o garoto se interessava pela garota misteriosa pois, de alguma forma, ele se identificava com ela.
          — Quando nós encontrarmos a resposta, você saberᗠele disse, estendendo a sua mão direita para a garota, como uma forma de convidá-la a se aproximar.
          — Até a próxima vez que nos encontrarmos, Nicolas.
          Ele não teve tempo para respondê-la. Assim que havia terminado de falar, a garota sorriu, mas era um sorriso que denotava tristeza. Ela abriu os braços e fechou os seus olhos, enquanto a brisa ainda soprava os seus cabelos. Aos poucos, alguns flocos de neve caíam do céu, era a primeira noite de neve na cidade. Mesmo naquela situação, Nicolas não podia deixar de pensar na beleza que ele encontrava nos detalhes.
          Em passos largos, o garoto tentou correr o mais rápido que seu corpo conseguia. Naquele momento, não pensava em mais nada, tudo o que queria era chegar até aquela garota, que mesmo conhecendo-a por apenas alguns minutos, foi tempo o suficiente para fazer ele se sentir diferente de alguma forma. Precisava saber mais sobre ela, e aquilo não poderia acabar ali.
          Apesar de seus esforços, não foi capaz de alcançar o seu objetivo no tempo certo. Quando se deu conta, o corpo frágil da garota tombava lentamente para trás, Nicolas corria como se sua vida dependesse daquilo, estendeu a sua mão e impulsionou o seu corpo para frente em uma tentativa desesperada de alcançá-la, mas a única coisa que conseguiu segurar foi o cachecol vermelho que ela carregava. Nicolas não teve nenhuma outra reação, apenas observava, em total estado de torpor, enquanto o corpo da garota era carregado pelo vento gelado.
          Chegando à beira do prédio, Nicolas se deparou com uma cena mais inusitada ainda. Estava desesperado por conta do que acabara de ver, entretanto, ao olhar para baixo, Nicolas não encontrou nada. As pessoas continuavam a caminhar normalmente, e a única coisa de novo que ele encontrou no solo foi uma leve camada de neve virgem.
 
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