Janeiro dele
Era segunda-feira, dia vinte e oito de janeiro de 2015. Podia ser um dia qualquer na vida de um jovem de dezessete anos que curtia suas férias de verão, mas aquele era um dos dias mais importantes da curta, porém agitada vida do Daniel, e mesmo assim, como sempre, ele estava atrasado.
Sua mãe, Gabriela, uma linda mulher cuja idade ela não revelava com tanta facilidade, mas que todos especulam que estava chegando perto dos quarenta, andava de um lado para o outro em frente ao seu quarto. Mesmo que não houvesse sinais de cabelos brancos em seu curto, porém cacheado cabelo cor de fogo, as rugas em suas expressões agitadas naquele momento já nos dava sinais de quem era o culpado por grande parte de suas preocupações.
— Daniel, acorda seu irresponsável! Precisa fazer sua matrícula na faculdade. — tudo isso sucedido por fortes batidas na porta. Podia até parecer que não, mas todo aquele barulho fez efeito e, segundos depois, um Daniel completamente sonolento destrancava a porta e observava a mãe, ainda aturdido pelo sono, com a cara mais displicente do mundo.
— Senhora? — perguntava ele parecendo não temer o perigo.
— Esqueceu que dia é hoje né? Porque não estou surpresa?
— Mas que dia é hoje então? — perguntava mais uma vez no meio do mais irritante dos bocejos.
— Não ouviu nada do que eu estava gritando menino? Vá direto para o banheiro, não temos muito tempo. Vou preparar o café e você irá fazer sua matrícula na faculdade.
Aquelas palavras fizeram-no acordar para a vida. Daniel passou correndo pela mãe e foi direto tomar banho. Não lavou o cabelo, pois o mesmo estava bem grande e ele não teria tempo para secá-lo, preferindo simplesmente prendê-los ao sair da ducha. Diferente da mãe, ele tinha cabelos castanhos escuros, quase negros, herdados do pai.
Voltando ao seu quarto, ainda de toalha, ele escolhe as suas roupas favoritas, uma bermuda preta junto de uma camisa clara, mas não braca, com o Charles Chaplin pintado à mão como estampa. Ele adorava a liberdade que estar fora da escola dava, já que nunca gostou das fardas do colégio, de ser obrigado a usar calça e sapatos todo dia junto da odiosa camisa roxa do Colégio Santa Judite.
Ao sair, ele pegava seus chinelos brancos recém lavados, colocava a bolsa com todos os documentos necessários para a matrícula nas costas e partia dando adeus à sua mãe que, se não curtiu as roupas que ele usava, decidiu não dizer. Antes dele ir, ela chamava-o mais uma vez, dando-lhe um beijo na testa e um até breve.
Bem… não seria tão breve assim. A faculdade ficava em outra cidade, longe do centro e como ele não tinha grana para se mudar para uma casa mais próxima, teria que enfrentar uma verdadeira viagem que durava, no mínimo, duas horas só de ida.
Para melhorar a situação, Daniel ainda esperou uns trinta minutos pelo único ônibus que poderia levá-lo até seu destino, mas mal sabia ele que algo incrível iria acontecer nessa viagem.
Era mais ou menos uma da tarde quando o ônibus finalmente passou e por incrível que pareça, estava quase vazio. O moleque ex-estudante se sentia sortudo por causa disso, mas o que ele não lembrava era que sua viagem seria bem, mas beeeem longa, dando tempo de muitas, mas muitas pessoas entrarem ali, de um modo que até ele duvidava que um ônibus pudesse ficar tão abarrotado de gente.
Enfurnados como se estivesse em uma latinha de sardinha, os passageiros do ônibus 2104 seguiram seu longo percurso até a faculdade sem muitos problemas além de algumas freadas abruptas e um buzinaço irritante no trânsito movimentado. Agora, caso perguntem a Daniel qual parte da viagem mais o marcou, ele só conseguiria pensar em um único momento, o momento que ele a viu pela primeira vez.
Sabe quando você vê algo tão genuinamente lindo, tão impressionante que tem o poder de te tirar o ar? Ou melhor, que você inconscientemente prende a respiração e se esquece momentaneamente que precisa respirar para se manter vivo? Bem… foi assim que ele se sentiu.
A garota devia ser alguns centímetros mais baixa que ele e usava uma camisa preta cheia de pequenas estampas divertidas, um casaco amarrado na cintura e uma calça num tom mais leve de preto. Ela também usava um all-star vermelho que combinava com seu batom e possuía algumas mechas de seus cabelos negros tingidas de loiro. A menina usava também óculos negros de armação fechada, o que o fazia pensar que além de linda, ela era inteligente. Nessa hora, o próprio Daniel se repreendeu, já que o mesmo também usava óculos e nem por isso era “inteligente”.
E Daniel estava tão concentrado olhando-a que demorou a perceber que a mesma também o encarava. É certo dizer que tal momento durou apenas alguns poucos segundos, mas, para ambos os jovens, pareceu realmente ser muito mais do que isso. Um solavanco inoportuno da condução acabou tirando-os do transe e a garota logo foi procurar um lugar para ficar na parte da frente do ônibus.
Não houve mais nenhuma surpresa até o final do percurso, onde Daniel teria a maior delas. A garota que chamou tanto a sua atenção acabou descendo também no ponto da faculdade, mas antes que pudesse chamá-la para conversar, a mesma se misturou em meio a multidão e ele não a achou mais naquele dia.
Fora isso, o dia não teve mais nenhuma surpresa. Daniel seguiu para a sala que foi designada para ele e para as pessoas de seu curso, não encontrando-a lá. Fez sua matrícula de forma rápida, pois nenhum documento faltava em sua bolsa, e voltou ao ponto de ônibus para pegar seu ônibus de volta para casa. Na volta, ele ainda nutria a esperança de encontrá-la mais uma vez, porém isso não aconteceu, frustrando momentaneamente a vontade que ele tinha de realmente conhecê-la, mas pelo menos Daniel sabia que ela estudaria na mesma faculdade que ele, o que deixou-o realmente feliz.
Agora, era só esperar pelo primeiro dia de aula, onde todos os calouros iriam estar juntos no auditório para serem apresentados à faculdade. Ele nunca pensou que poderia estar tão ansioso para o primeiro dia de aula, mas agora, depois daquele encontro, estava a contar as horas para que chegasse logo.
E assim se passaram os últimos dias de férias de Daniel. Foi um janeiro quente, mais quente do que ele imaginava. Aproveitou o fim de mês na praia com a família e acabou esquecendo da tal garota de óculos, mas desculpem ele, pois o moleque era jovem e paixonites vão e vem. Mal sabia ele que aquela paixonite iria perdurar e tudo voltaria como a mais forte das ondas, bastava simplesmente vê-la outra vez.
Janeiro dela
Aos dezessete anos, Alicia não pensava em outra coisa se não a faculdade. Não que ela tenha afeição por estudos, porém, não via a hora de sair de sua cidadezinha pacata e conhecer novos lugares. Ela sempre morou em Arujá, uma cidade linda no interior de seu estado que nada acrescentava em sua vida, além claro, de boas fotos.
Levantou bem cedo, já que era dia de se matricular na faculdade e não queria se atrasar. Ela nunca gostou de atrasos, isso na verdade, a irritava bastante. A garota respirava fundo na frente do espelho do banheiro para se acalmar, mas mal sabia ela que perderia tempo demais ajeitando seus cachos recém tingidos de loiro.
— Caramba, não fazia ideia que essa mudança de visual iria trazer tanto trabalho. — falava para seu reflexo no espelho.
— Ainda sim, essas mechas ficam lindas em você. — Alicia toma um susto, era sua mãe parada na porta que disparava o elogio.
— Calma querida, sou só eu. — A mãe da menina deixa escapar um sorriso enquanto passa os dedos pelo cabelo da filha. — Precisa se apressar, hoje é seu grande dia.
— A senhora tem razão, vou pegar minha bolsa e já desço.
Dona Lídia deixava sua filha sair do banheiro e a mesma ia direto para seu quarto que se localiza no final do corredor. Sempre gostou deste, mas só quando seu irmão mais velho saiu de casa que a menina conseguiu se mudar para lá. Antes disso, Alicia dormia no quarto do meio, onde agora fica a biblioteca de seu pai.
Ao chegar no final do corredor, a menina entrava em seu quarto para pegar sua bolsa em cima da cama. Quando se virou para sair, percebeu que seu pôster do Dragon Ball estava no chão. Sem tempo para decoração, deixou seu pôster favorito em cima da mesa e pegou seu livro, ela nunca sai sem um livro.
A jovem correu escada abaixo e quase caiu ao pisar em falso. Deu um beijo em sua mãe e passou os dedos pelos cachos negros de seu pai. Chegando a porta, Alicia apertou os passos para o ponto de ônibus, já que o mesmo iria passar de uma e meia da tarde e em seu relógio mostrava uma e vinte cinco. Gostaria de ter prendido o cabelo mas ainda bem que não o fez; logo já estava dando sinal de parada da condução que passou mais cedo naquele dia.
O automóvel parou e a porta se abriu. Quando finalmente conseguiu subir, Alicia cumprimentou o motorista dando-lhe boa tarde e o mesmo a retribuiu com educação. Depois disso, a jovem passou seus olhos ao redor para procurar espaço, não se atrevendo a passar para trás, “já que o ônibus estava tão lotado que mesmo se ela quisesse, talvez não coubesse”; logo percebendo que alguém estava a lhe olhar. O rapaz estava sentado, mas a menina reparou que era de uma altura mediana, talvez um e setenta, não sabia ao certo. antes que ela pudesse reparar melhor nele, o ônibus freou com tanta brutalidade que Alicia apertou seus dedos com força em volta de onde estava se segurando. Quando todos ali presente se acalmaram, a jovem já havia encontrado um espaço para ficar no meio daquela confusão.
Passaram-se uma hora e meia desde o momento da entrada de Alice no ônibus, a garota estava ansiosa pra chegar na faculdade se inscrever em seu curso. E essa ansiedade era tão grande que, ao descer do ônibus, ela acabou esquecendo momentaneamente do garoto que tinha reparado nela momentos atrás.
A multidão quase não deixou Alice passar, só depois de muito esforço ela chegou na recepção da faculdade; em seguida conseguiu fazer sua inscrição na sala designada para o seu curso. Quando saiu da sala de atendimento, se dirigiu ao pátio da universidade; no caminho para a parada de ônibus, antes mesmo de atravessar a rua, a menina decidiu que não voltaria para casa de imediato, queria tomar um café antes disso. Porém, antes de mudar sua rota, a garota deu mais uma olhada para a parada de ônibus e então o viu outra vez. Ele estava numa distância maior agora, mas ela reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar. Aquelas bolinhas castanho amareladas fixas na esquina a esperar o ônibus que lhe levaria para casa.
Alicia passou suas últimas semanas de férias pesquisando sobre alguns filósofos que ela veria nos primeiros meses do seu curso de filosofia e ajudando sua mãe em casa. Quando não o estava fazendo, ficava em seu quarto desenhando e reorganizando seus livros. A menina passava seus dias de forma aleatória, fazia o que tinha vontade, mas suas noites por outro lado, eram sempre as mesmas. Fechava os olhos e antes de pegar no sono, ele vinha a mente. Aqueles olhos brilhavam em sua memória, tanto quanto a lua cheia se destaca em um céu completamente negro a cercá-la.