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"O segredo para desenvolver ótimos jogos é... ahm... bom, se eu contasse, não seria mais segredo."
- Jazz

O Homem no ônibus

rafaelrocha00

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19 de Junho de 2015
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        Um homem olha para a janela, mas não vê nada. É claro que não é um problema de saúde ou uma incapacidade física, como alguns poderiam pensar, não. Ele apenas se acostumou com o barulho de fundo, com a estática sem graça da vida urbana, os mesmos prédios cinzas que crescem no chão de concreto e os olhares mortos das pessoas que andam pelo mesmo caminho, todo dia, toda hora.
Esse homem tem um nome, todos têm. Mas isso realmente importa? Ele se pergunta, enquanto olha para a porta de seu ônibus, mais pessoas entram. Não tanto quanto antes, porém, cada dia mais os trabalhadores conseguem realizar seus sonhos de comprar carros e jogar fora os inconvenientes dos meios de transporte público. Cada vez mais eles conseguem cargos mais altos, com salas maiores, mesas maiores, janelas maiores. Distanciam-se do silêncio calmo da manhã, substituindo as caminhadas por telefonemas e horas no tráfico. Era o sonho de vida moderno.
E possuía vantagens, não teria que esperar todo dia, olhando para uma janela vazia, esperando um ponto que não queria realmente chegar, um ponto que não queria ver. Não precisaria gastar suas horas pensando sobre sua casa, sua filha, sua família. Poderia apenas colocar tudo no fundo de sua cabeça e viver em telefonemas apressados, horários marcados e horas atrás de uma mesa.
O homem olha para os outros homens ao seu redor. Crianças, mulheres e trabalhadores. Uma professora, dado o seu discurso, fala sobre a dificuldade de ensinar infantes sem atenção, que brincam com seus telefones e jogos em vez de escutar as maravilhas dos ribossomos e a biologia das flores. Um homem de trinta anos grita palavras pomposas em seu aparelho, mandando um funcionário inútil corrigir o trabalho apressado e mal feito de um dos gerentes. Uma menina pequena tenta se desvincilhar da mão apertada de sua mãe, enquanto a mesma conversa com uma senhora distraída. E muitas outras sombras de pessoas, movendo-se, empecilhando-se como ratos em um esgoto apertado.
Tantas pessoas passam por um ônibus, muitas mais do que vemos normalmente, já que não são tão diferentes de um som ambiente, do barulho de fundo. Tantas formas e ideias já passaram pelas mentes daqueles indivíduos enquanto se sentavam e apenas esperavam o tempo passar e o ponto chegar. Aquele homem gostava de acreditar que os conhecia, mesmo que um pouco. Que cada minuto e fração de uma conversa ouvida poderia dizer algo sobre seus sonhos e esperanças, que cada peça de roupa ou marca poderia dizer tudo o que se passava na vida daqueles seres. Gostava de acreditar que possuía controle, porque era apenas isso que poderia ter dessas pessoas. Comentários jogados de vidas maiores, pequenos episódios de uma série perdida. Uma cena de um filme que nunca poderia presenciar totalmente.
Sentia empatia por elas. Não podia ver sua própria vida, afinal de contas. O passado estava cortado e editado pelas presas do tempo e pelo editor sucinto de sua mente. O futuro, muito longe de suas lentes, apenas poderia ser visto nas pistas e teorias que poderia formar.
O homem cansado, que não enxergava nada, se levanta.
O seu ponto chegou.
Assim como os pobres coitados que esquecem carteiras, canetas, compras ou crianças no ônibus, ele já havia esquecido os rostos das pessoas com quem compartilhou um segundo de sua vida, pessoas que conhecia bem, em sua mente, mesmo que de relance.
  Ele sai do ônibus, sem construir ou presenciar o filme da vida daqueles estranhos, que, em situações diferentes, poderiam ser amigos, familiares, inimigos, conhecidos, irmãos, pais e filhos, seres humanos. Seres vivos. Ele sai, como um estranho, do ônibus.​
 
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