O PREÇO DA VIDA
Os negócios estavam indo bem. Faz dois anos que dei baixa na marinha, juntei todo o meu dinheiro e consegui comprar uma velha e abandonada loja em um bairro portuário do Rio de Janeiro, com isso pude dar asas ao meu sonho de ter um negócio próprio.
O ano era 1946 e o clima não estava nada agradável.
Como não sabia fazer muitas coisas, usando de toda a experiência que adquiri durante os cinco anos em que servi na marinha, resolvi abrir um restaurante.
Os negócios estavam indo bem, não estava enriquecendo, porém estava ganhando o suficiente para pagar os fornecedores, meus funcionários e ainda me sobrava um troco para visitar a casa de massagem.
Estava indo bem até que uma família de chineses resolveu comprar a loja em frente ao meu estabelecimento e abrir também um restaurante. Acredito que eram chineses, na verdade ninguém nunca soube a origem deles ou a língua que eles usavam para gritar uns com os outros.
Lembro o primeiro dia que abri o restaurante. O cheiro de peixe impregnava todo o porto, mas isso não era ruim para os negócios. Quando os barcos chegavam, os marinheiros estavam cheio de fome, como o meu restaurante era o único no porto eles sempre acabavam dando as caras.
Acho que eles vinham mais para comprar cachaça do que comer, mas, de qualquer forma, ainda deixavam seus cruzeiros no meu estabelecimento.
Então o restaurante chinês abriu.
Não sei qual era a mágica deles, pouco a pouco eles foram enfeitiçando os meus clientes mais antigos, e os clientes novos só queriam saber do restaurante do outro lado do porto.
O restaurante deles tinha dois andares e uma placa na qual toda manhã eles escreviam o prato do dia. Devo confessar que foi uma boa ideia, tanto que resolvi comprar um quadro negro e fazer o mesmo.
Haja criatividade. Todos os dias eles escreviam uma coisa diferente na placa, muitos pratos eu nem sabia do que se tratava, mas a minha opinião não era importante o suficiente já que clientes novos não paravam de chegar naquele restaurante pomposo do outro lado.
Foram tempos difíceis. Tive que reduzir o pessoal e parar de ir na casa de massagem, mas por um lado foi bom, foi nessa época que eu conheci a Júlia.
Desde a primeira vez que cheguei no porto, lembro que havia uma menina de longos cabelos negros que sempre pedia esmola. Ela não falava, mas tinha uma placa escrito uma moeda por uma vida. Ela ficava sempre sentada em cima de uma caixa de papelão em um canto qualquer do porto.
Ignorei ela por vários dias, igual todas as demais pessoas faziam, até que em uma sexta-feira chuvosa ela ganhou o meu coração.
Já era tarde, quando ia fechar o restaurante olhei pela janela e vi a menina sob a caixa de papelão e embaixo da chuva, encolhida e passando frio, resolvi a convidar para tomar uma sopa quente, entretanto deixei bem claro que jamais iria lhe dar dinheiro.
O restaurante não era grande, muito menos luxuoso, mas pude oferecer um banho quente, uma muda de roupa minha, é claro e um prato de comida, e naquela noite, vestida com roupas que não condizem com sua estatura, ela me deu o abraço mais apertado e quente que já recebi em toda a minha vida.
Após a refeição, não consegui retirar ela do meu estabelecimento, principalmente depois que vi ela dormindo no chão da cozinha perto do fogão o local mais quente do lugar.
Ela parecia ser uma criança bastante amável, logo comecei a me questionar enquanto olhava seu rosto angelical e seus lindos cabelos escuros feito a noite quem era, de onde veio e o que fazia naquele lugar.
As semanas se passavam e a menina estava sempre lá. Vez ou outra eu a convidava novamente apenas para ver o seu lindo sorriso após um prato de comida, contudo, quando percebi, ela já estava jantando todos os dias da semana no meu restaurante. Sempre a meu convite é claro.
Foi em uma dessas noites que acabei dando a ela o nome de Júlia, um nome que sempre gostei.
Meu coração foi se derretendo cada vez mais por Júlia, quando percebi ela já fazia parte da minha vida, ajudando-me dia e noite a cuidar do restaurante. Uma ajuda inestimável, principalmente diante da triste situação em que me encontrava: pouco dinheiro e ainda menos clientes.
Do outro lado da rua o restaurante chinês estava cada dia mais pomposo e cada vez mais badalado. Aquela placa com caracteres indizíveis ao lado do nome em português me tirava do sério cada vez que eu a via.
Quando pensei que não pode ficar pior, meu último funcionário fora contratado para trabalhar no restaurante chinês. No momento que ele me disse isso, perdi completamente a compostura, disse palavras e gritei nomes que ao lembrar já me envergonham. Espero que um dia ele possa realmente me perdoar.
Após uma semana terrível, recebi uma carta do meu irmão contando que meu pai estava muito mal. Não pensei duas vezes, deixei as chaves do restaurante com Júlia, e da minha carteira juntei algumas cédulas e moedas e coloquei em suas pequenas mãos, alertando-a para usar somente quando fosse necessário.
Quando olhei aquela placa escrita camarão mongol, o ódio daquele restaurante me subiu à cabeça mais uma vez, desejei que todos morressem e, no ímpeto, juntei uma garrafa e arremessei contra a placa. Não me sentia tão vivo desde a época em que servi a marinha, mas não demorou muito para cortarem o meu barato, logo um dos seguranças chineses um homem musculoso e careca veio correndo em minha direção.
Neste momento, lembrei de todo o meu treinamento militar e concentrei toda a minha energia para correr o mais rápido que pude daquele lugar. Não me julguem, estava enferrujado de mais para uma luta.
A viagem até a casa de meu pai levou quatro dias. Fiquei ao seu lado e vi a sua recuperação. Com o coração mais tranquilo, resolvi voltar para o meu restaurante ou seria para Júlia?
Não sabia se estava com saudades do estabelecimento ou de Júlia, mas ao fechar os olhos, apenas podia lembrar dos seus abraços calorosos e do seu grande sorriso inesquecível.
Fiquei triste ao chegar no restaurante e não encontrar Júlia. Contava as horas para sentir um daqueles fortes abraços como já de costume mas não a encontrei no estabelecimento.
Nos dias que se seguiram, Júlia também não apareceu. Os clientes, por outro lado, apareceram aos montes. Foi o melhor mês desde que os chineses abriram o restaurante.
Os meses seguintes foram ainda melhores, a correria era tão grande que tive que contratar mais um homem para a cozinha e quatro para o atendimento. Mesmo vendo os negócios voltarem a dar lucro, nas sextas-feiras principalmente naquelas chuvosas sentia um forte aperto no coração ao lembrar daquela menina de cabelos negros como as ondas noturnas do oceano.
Nunca contei para ninguém, mas ainda hoje sinto falta da sua companhia. Mesmo sem nunca ter me dito nada, seus sorrisos e abraços eram tudo que eu desejava após uma dia de trabalho.
Os negócios estavam indo muito bem, tão bem que pude me dar o luxo de tirar um dia de folga. Aproveitei esse dia para conversar com o povo portuário e perguntar sobre Júlia, mas ninguém sabia o seu paradeiro.
Foi em uma sexta-feira chuvosa que eu percebi o restaurante chinês fechado. Haviam cacos de vidros perto da placa e o cardápio, com uma escrita quase apagada, ainda dizia: camarão mongol.
O ano era 1946 e o clima não estava nada agradável.
Como não sabia fazer muitas coisas, usando de toda a experiência que adquiri durante os cinco anos em que servi na marinha, resolvi abrir um restaurante.
Os negócios estavam indo bem, não estava enriquecendo, porém estava ganhando o suficiente para pagar os fornecedores, meus funcionários e ainda me sobrava um troco para visitar a casa de massagem.
Estava indo bem até que uma família de chineses resolveu comprar a loja em frente ao meu estabelecimento e abrir também um restaurante. Acredito que eram chineses, na verdade ninguém nunca soube a origem deles ou a língua que eles usavam para gritar uns com os outros.
Lembro o primeiro dia que abri o restaurante. O cheiro de peixe impregnava todo o porto, mas isso não era ruim para os negócios. Quando os barcos chegavam, os marinheiros estavam cheio de fome, como o meu restaurante era o único no porto eles sempre acabavam dando as caras.
Acho que eles vinham mais para comprar cachaça do que comer, mas, de qualquer forma, ainda deixavam seus cruzeiros no meu estabelecimento.
Então o restaurante chinês abriu.
Não sei qual era a mágica deles, pouco a pouco eles foram enfeitiçando os meus clientes mais antigos, e os clientes novos só queriam saber do restaurante do outro lado do porto.
O restaurante deles tinha dois andares e uma placa na qual toda manhã eles escreviam o prato do dia. Devo confessar que foi uma boa ideia, tanto que resolvi comprar um quadro negro e fazer o mesmo.
Haja criatividade. Todos os dias eles escreviam uma coisa diferente na placa, muitos pratos eu nem sabia do que se tratava, mas a minha opinião não era importante o suficiente já que clientes novos não paravam de chegar naquele restaurante pomposo do outro lado.
Foram tempos difíceis. Tive que reduzir o pessoal e parar de ir na casa de massagem, mas por um lado foi bom, foi nessa época que eu conheci a Júlia.
Desde a primeira vez que cheguei no porto, lembro que havia uma menina de longos cabelos negros que sempre pedia esmola. Ela não falava, mas tinha uma placa escrito uma moeda por uma vida. Ela ficava sempre sentada em cima de uma caixa de papelão em um canto qualquer do porto.
Ignorei ela por vários dias, igual todas as demais pessoas faziam, até que em uma sexta-feira chuvosa ela ganhou o meu coração.
Já era tarde, quando ia fechar o restaurante olhei pela janela e vi a menina sob a caixa de papelão e embaixo da chuva, encolhida e passando frio, resolvi a convidar para tomar uma sopa quente, entretanto deixei bem claro que jamais iria lhe dar dinheiro.
O restaurante não era grande, muito menos luxuoso, mas pude oferecer um banho quente, uma muda de roupa minha, é claro e um prato de comida, e naquela noite, vestida com roupas que não condizem com sua estatura, ela me deu o abraço mais apertado e quente que já recebi em toda a minha vida.
Após a refeição, não consegui retirar ela do meu estabelecimento, principalmente depois que vi ela dormindo no chão da cozinha perto do fogão o local mais quente do lugar.
Ela parecia ser uma criança bastante amável, logo comecei a me questionar enquanto olhava seu rosto angelical e seus lindos cabelos escuros feito a noite quem era, de onde veio e o que fazia naquele lugar.
As semanas se passavam e a menina estava sempre lá. Vez ou outra eu a convidava novamente apenas para ver o seu lindo sorriso após um prato de comida, contudo, quando percebi, ela já estava jantando todos os dias da semana no meu restaurante. Sempre a meu convite é claro.
Foi em uma dessas noites que acabei dando a ela o nome de Júlia, um nome que sempre gostei.
Meu coração foi se derretendo cada vez mais por Júlia, quando percebi ela já fazia parte da minha vida, ajudando-me dia e noite a cuidar do restaurante. Uma ajuda inestimável, principalmente diante da triste situação em que me encontrava: pouco dinheiro e ainda menos clientes.
Do outro lado da rua o restaurante chinês estava cada dia mais pomposo e cada vez mais badalado. Aquela placa com caracteres indizíveis ao lado do nome em português me tirava do sério cada vez que eu a via.
Quando pensei que não pode ficar pior, meu último funcionário fora contratado para trabalhar no restaurante chinês. No momento que ele me disse isso, perdi completamente a compostura, disse palavras e gritei nomes que ao lembrar já me envergonham. Espero que um dia ele possa realmente me perdoar.
Após uma semana terrível, recebi uma carta do meu irmão contando que meu pai estava muito mal. Não pensei duas vezes, deixei as chaves do restaurante com Júlia, e da minha carteira juntei algumas cédulas e moedas e coloquei em suas pequenas mãos, alertando-a para usar somente quando fosse necessário.
Quando olhei aquela placa escrita camarão mongol, o ódio daquele restaurante me subiu à cabeça mais uma vez, desejei que todos morressem e, no ímpeto, juntei uma garrafa e arremessei contra a placa. Não me sentia tão vivo desde a época em que servi a marinha, mas não demorou muito para cortarem o meu barato, logo um dos seguranças chineses um homem musculoso e careca veio correndo em minha direção.
Neste momento, lembrei de todo o meu treinamento militar e concentrei toda a minha energia para correr o mais rápido que pude daquele lugar. Não me julguem, estava enferrujado de mais para uma luta.
A viagem até a casa de meu pai levou quatro dias. Fiquei ao seu lado e vi a sua recuperação. Com o coração mais tranquilo, resolvi voltar para o meu restaurante ou seria para Júlia?
Não sabia se estava com saudades do estabelecimento ou de Júlia, mas ao fechar os olhos, apenas podia lembrar dos seus abraços calorosos e do seu grande sorriso inesquecível.
Fiquei triste ao chegar no restaurante e não encontrar Júlia. Contava as horas para sentir um daqueles fortes abraços como já de costume mas não a encontrei no estabelecimento.
Nos dias que se seguiram, Júlia também não apareceu. Os clientes, por outro lado, apareceram aos montes. Foi o melhor mês desde que os chineses abriram o restaurante.
Os meses seguintes foram ainda melhores, a correria era tão grande que tive que contratar mais um homem para a cozinha e quatro para o atendimento. Mesmo vendo os negócios voltarem a dar lucro, nas sextas-feiras principalmente naquelas chuvosas sentia um forte aperto no coração ao lembrar daquela menina de cabelos negros como as ondas noturnas do oceano.
Nunca contei para ninguém, mas ainda hoje sinto falta da sua companhia. Mesmo sem nunca ter me dito nada, seus sorrisos e abraços eram tudo que eu desejava após uma dia de trabalho.
Os negócios estavam indo muito bem, tão bem que pude me dar o luxo de tirar um dia de folga. Aproveitei esse dia para conversar com o povo portuário e perguntar sobre Júlia, mas ninguém sabia o seu paradeiro.
Foi em uma sexta-feira chuvosa que eu percebi o restaurante chinês fechado. Haviam cacos de vidros perto da placa e o cardápio, com uma escrita quase apagada, ainda dizia: camarão mongol.