OneShot Metafição e o poder do real
É muito tarde. Não vale a pena salvar esse mundo, de qualquer forma
O que é real? E o mais importante, isso importa?
Você que lê as palavras que escrevo agora, lhe pergunto, eu sou real? Quer dizer, eu sou, estou escrevendo isso de um computador, mas quando você ler essas palavras, eu já terei editado isso diversas vezes. Suas informações sobre mim serão, claramente, limitadas e também, você não lerá nada além do que eu quero que você leia, não saberá nada além do que está escrito aqui, sobre mim pelo menos. Também não haverá nada novo, não importa o quando leia. Então eu te pergunto novamente, eu, o autor do texto que você lê, sou real?
E o texto?
Isso é importante para entendermos o ponto principal que permeia a história de Oneshot, e a incrível realização de que jogos não são nada além de código, e mesmo assim, são algo muito maior.
Mas comecemos do começo. Se você não jogou Oneshot, eu te entendo, eu só descobri que ele existia a pouco tempo. Não tem ninguém falando dele, pelo que vi. O que é uma pena, uma vez que esse jogo tem muito a dizer sobre o mundo, a ficção e o poder único e ativo que jogos possuem.
Vá jogá-lo, ou assista um vídeo sobre ele, não deve demorar mais que seis horas. Depois volte e escreva algo sobre ele. Uma vez que o nível de conteúdo por ai é pequeno demais para saciar a necessidade por mais de Oneshot.
A história
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=ctYNBd6t4-g[/youtube]
Oneshot é um conto de um mundo entrando em ruínas. O sol, que ilumina o mundo no topo de uma alta torre, se apagou e cabe ao messias, Niko, salvar o que resta desse lugar. Para isso, ele deve viajar por todas as áreas desse mundo caindo aos pedaços e pôr o sol, que ele possui, na torre.
Simples, não? O problema é que Niko não passa de uma criança e requer a assistência de Deus, no caso, você.
Sim, em Oneshot, você é um personagem, ainda mais importante, você é Deus. Ou, pelo menos, é isso que todo mundo pensa. E muitas vezes Niko se dirigirá a sua sabedoria para resolver os vários puzzles que impedem vocês de chegar na torre.
Ai se encontra um dos maiores problemas que constatei no primeiro jogo, algo que explicarei logo depois. O importante agora é saber que o jogo pode ser dividido em trés, temos o primeiro feito em rpg maker, o segundo, e sua DLC, Solstício.
Todos eles seguem uma mesma estrutura, mas com diversas mudanças que fazem um cada vez melhor que o outro.
A história que te contei não passa de uma premissa. E como tal, está cheia de possibilidades, há tantas maneiras que se pode quebrar esse conceito de metanarrativa e mesmo assim, tudo cai de volta a Undertale.
Undertale
Porque tudo tem de ser Undertale, não é mesmo? Infelizmente, tudo o que consegui ler sobre o jogo foram pessoas, informalmente, comparando o jogo com Undertale.
E isso não é inerentemente ruim, não me entenda errado. O jogo utiliza a metanarrativa e reconhece a existência do jogador, e por isso, acaba tendo de tratar dos mesmos temas, utilizando de termos similares.
Eu tenho de confessar, inclusive, que quando joguei Undertale, não acreditava que nenhum outro jogo conseguiria utilizar as técnicas de metanarrativa sem cair nos mesmos moldes de Undertale. Eu estava errado.
De fato, eles tem muitas similaridades, ambos falam da história de uma criança vagando desesperadamente por um mundo misterioso, guardando consigo a única esperança daquele lugar. Ambos reconhecem a existência de um jogador, não apenas isso, mas o jogo faz parte daquele mundo, servindo como mais que uma conexão entre homem e máquina.
Os temas de Dissociação e humanidade estão sempre presentes, e a motivação do vilão ou a força daquelas pessoas tentando sobreviver em um mundo sem luz, é bem parecida.
Mas há também diferenças muito grandes entre ambos. Começando por parte dos temas, do poder de controle e do personagem.
Mas vamos por etapas.
Em Oneshot não existem batalhas. A única forma de morrer, no primeiro, pelo menos, é desligando o jogo. Se você o fizer, Niko morrerá e o jogo voltará desde o começo. Além de que, você só tem uma única chance. Depois de ter feito sua escolha final na torre, o jogo não poderá ser aberto, e sua escolha não poderá ser alterada.
É e claro, há um motivo para isso. Em Undertale, o sistema de batalha servia como uma ferramenta para explorar os temas de violência, e do derramamento de sangue para cumprir a necessidade por mais conteúdo, por mais possibilidades. O único inimigo lá era a ignorância dos monstros em relação a você e suas intenções. Além de ser uma crítica aos meios pela qual os jogos são feitos hoje em dia. Undertale tinha uma visão muito mais negativa do ato de jogar, da curiosidade, e da persona que o jogador adota.
Em Oneshot, assim como em Undertale, não temos um vilão além da ignorância. Ninguém nesse jogo quer ferir Niko, ou qualquer um de fato, mas a forma como o mundo foi feito, o seu próprio código acaba, invariavelmente, destruindo muito para alcançar esse objetivo.
O vilão aqui, não é um reflexo do jogador, do que ele poderia se tornar, mas do próprio jogo e sua natureza destrutiva.
É até algo interessante de se pensar. O desejo por um final feliz entra em conflito com a natureza do mundo, o que leva a fatídica e última decisão.
Você provavelmente já sabe qual é.
O mundo ou o jogador?
"Eu entendo se você estiver apenas assutado com que possa acontecer, porque... eu estou também"
Quando eu joguei o primeiro e, logo depois, a segunda versão, eu vi o trabalho árduo que o designer fez para nos simpatizarmos com Niko, tudo está em sua volta. Diferente de Undertale, ele já é muito desconexo de nós desde o começo, ele é uma pessoa, tem sua própria identidade e nos reconhece, nos vê como um amigo, um guia.
Quando abrimos o jogo depois dele dormir (a única forma de salvar) nós vemos seus sonhos, seu passado, sua vida. E ele nos pergunta sobre a nossa, é impossível se manter distante.
Ele é a única conexão entre nós e o mundo, o único que pode nos ouvir. A primeira pessoa que conhecemos, o nosso primeiro olhar nas terras do jogo.
E Niko, assim como nós, não é desse mundo. Ele tem as mesmas informações que nós, ou até menos. Ele confia em nós e em nossa sabedoria, como Deus, para guiá-lo para sua casa.
Seu objetivo nunca foi salvar esse mundo, mas sim Niko.
Então, meu caro leitor, qual você acha que seria a conclusão lógica disso?
Ao longo do caminho, aprendemos que esse mundo está fadado a morrer. Assim como Maze, o sol de Niko não salvará essa terra, mas permitirá aos seus cidadãos sentir o sol novamente, e quem sabe, dar-lhes uma outra chance, por mais pequena que seja.
Então, através da entidade, descobrimos que apenas um pode ser salvo, ou Niko, ou o mundo todo.
Se Niko for, ele terá que conviver sabendo que o mundo todo foi destruído para ele voltar para casa. Se você salvar o mundo, Niko (provavelmente) morrerá, para salvar algo que já está fadado a muito tempo.
Eu não consegui fazer essa escolha, e o mais importante, eu não devia fazer essa escolha. Mas falaremos disso depois.
O mais importante aqui é que, no papel, é uma excelente escolha. Ela faz com que o jogador tenha de pesar o que é mais importante para ele. Nenhuma das escolhas é errada ou certa, mas todas vem com seu próprio peso, algo que é mostrado tão bem quando você reabre o jogo.
Se você tiver feito como eu e deixado Niko ir, quebrando o sol, você verá o mundo todo, e por consequência todas as pessoas naquele lugar, cair em uma escuridão eterna, enquanto você assiste, cenário por cenário, ficar preto. Todos que você encontrou, o jogo inteiro, morrendo.
A semente de Maze, todas as suas interações para salvar aquele lugar e os seres que você conheceu, tudo fútil.
E na primeira versão, não havia nada que você pudesse fazer. Um Deus fraco e inútil.
Mas por que eu tomei essa decisão? Se eu estivesse dissociado do jogo a resposta que encontrei seria estúpida. Uma conta matemática simples, O mundo todo vale mais que Niko. Mas mesmo assim, mesmo que eu soubesse que essa escolha chegaria, mesmo que eu visse a intenção dos designs de me manipular para amar Niko, eu ainda assim, escolhi o jogador.
Isso mostra o quão bom o jogo era, já em sua primeira versão. Não havia como comparar os pesos e ganhos, sem pros e contras, sem expressões matemáticas.
Então? Por que eu digo que essa escolha é ridícula?
Porque ela não é nossa. É obvio, quem deveria de tomar essa escolha seria Niko, ele que sofrerá as consequências maiores. Mas por confiar tanto em seu Deus, ele nunca questiona a escolha que tomamos, e o jogo nunca reconhece isso.
Esse é o problema primário, o jogo nunca reconhece essa dependência extrema de Niko ao jogador, nunca reconhece que essa decisão é por si só, cruel. Não por não ter uma resposta certa, mas por que nos estamos escolhendo.
Na segunda versão, pelo menos, podíamos contar a Niko a verdade, que se ele salvar o mundo, ele provavelmente morrerá. Mas isso é bem ignorado, e quase não tira nenhuma reação dele, isso porque essa escolha de contar a verdade aparece bem tarde no jogo, bem na hora que temos que pôr o sol na torre. Niko não hesita em te obedecer.
No solstício, como falarei depois, há uma nova e mais completa história, onde as consequências dessa escolha são exploradas em muita profundidade, e pela primeira vez, Niko reconhece o quão cruel aquilo foi.
Bom, agora que já falamos dessa escolha e sobre sua importância na narrativa, ter de processar todas as informações do jogo(tal como os personagens, os sonhos, o valor daquela terra) e ter de calcular a melhor resposta, podemos falar sobre as versões do jogo separadamente.
Trés versões
" Você deve ver o robô como uma viva e genuína pessoa, mesmo sabendo que não são"
Aqui eu considero o Solstício como uma versão separada, mesmo que ela faça parte do mesmo jogo. Isso se deve ao fato de que ela altera o jogo em um nível fundamental, colocando mais ênfase na consequência daquela escolha, ao invés da escolha em si. Ela muda a forma como vemos os temas e isso pode ser visto na forma como acaba. Algo que pode ser bem representado pelo Autor e suas cartas. Sendo assim falarei dela separadamente
A versão nova, que foi disponibilizada na Steam é mais vantajosa, e consertou muitos erros da primeira versão, além de polir todas as coisas. Não só é mais bonita e encantadora, mas possui uma estrutura mais bem definida.
Quando Joguei a primeira versão, por exemplo, eu sabia o propósito de cada personagem e podia imaginar não só o final, como vários finais melhores para aquilo. Não me entenda errado, foi um ótimo jogo, mas havia várias coisas não explicadas, algumas que não faziam sentido e outras que podiam ser mais bem trabalhadas.
A ideia de OneShot, de apenas uma tentativa, parecia uma piada, uma vez que mesmo que Niko morresse, eu podia apenas voltar de novo. E o jogo nunca reconhecia isso. Eu fiz isso duas vezes, inclusive. Ambas de forma acidental.
Você não podia sair do jogo sem que Niko fosse Dormir, algo que, do ponto de vista temático era muito interessante, mas é realmente irritante ter de voltar desde o começo porque você não sabe o que fazer e decidi desligar o jogo, algo que ocorreu comigo quando a existência me prendeu em uma área e não me avisou que tirar o jogo não era uma boa ideia. Eles abandonaram isso na segunda versão, com o jogo salvando automaticamente depois de eventos especiais. Fazendo as camas meio inúteis.
Mas eu acho que o maior problema da primeira versão, é que ela não dá muito tempo para caracterizar os personagens desse mundo que você quer salvar. Eu não sabia o nome de vários dos personagens, alguns eram irritantes de propósito, apenas para te mostrar o quanto esse mundo não presta (o que é uma boa ideia, se não for tão obvio)
Não dizendo que os personagens não eram bons, só não tiveram tempo de brilhar. Na segunda versão, todos ele tiveram mais tempo, e inclusive, a cidade, que foi esquecida no primeiro, ganhou muito mais conteúdo. Com você podendo acessar até a superfície e conhecer todas as pessoas que você quer salvar.
Você podia até visitar a casa de Calamus (esse é o nome da criança no Glen, inclusive. Só é dita na segunda versão) e também saber a posição social de cada um dos personagens. Eles não mais existem em um vácuo. Há muito mais informação sobre eles.
O mundo dessa versão é mais vivo, mais real, conexo. Com leis mais bem estabelecidas no geral.
Vale muito mais a pena salvar. No primeiro, os únicos personagens que valiam para mim eram as crianças no Glen, já que qualquer outro, ou achava que o mundo estaria melhor morto, ou eram inúteis demais para mim sequer ligar ou Maze, que morreu.
Então, não é que o primeiro seja ruim, ele apenas precisava de polimento, a segunda versão fez exatamente isso. Já o solstício, fez mais que isso. Fez mais que qualquer polimento poderia.
Mas para entendermos isso, precisamos entender a meta natureza desse jogo e de seu principal vilão.
Você só tem uma chance.
(não é meu nome, mas use como exemplo.)
Ele sabe meu nome. Você percebe a importância disso? Eu nunca escrevi meu nome, o que significa que ele caçou no meu usuário de computador. Uma entidade que é tão poderosa ao ponto de controlar janelas do Windows, ao ponto de conseguir mudar a foto de seu desktop. Isso me deu arrepios quando joguei. Porque eu já sabia, la dentro, que ele não era um aliado. Ele era seu inimigo, e, ao contrário de Undertale, ele têm muita mais influência no jogo que você.
Naquele ponto, eu me importava com Niko e queria guiá-lo como um bom Deus o faria. Mas aquela coisa me lembrava toda hora da triste verdade, eu não era nenhum Deus e portanto, meu poder para ajudar aquela criança era limitado. Havia coisas que nem eu sabia, e não poderia saber. Se a entidade quisesse, ela poderia não ter disponibilizado os dados que te permitem passar pelo jogo. Ela poderia te prender ali para sempre.
E é essa coisa poderosa que te impede de mudar sua escolha, que decide que você pode salvar apenas um.
Um programa agressivo, que não acredita em finais felizes.
Na literatura existe um gênero chamado metafição, obviamente, quando um trabalho ficcional se torna alto consciente ou reconhece várias vezes que não passa de uma história imaginaria.
Houve alguns trabalhos literários, bastante associados com o Modernismo e Pós-Modernismo que se tratavam de metafição, seja por abertamente te dizer que aquilo era uma história ou por desconstruir seus temas, levando a uma compreensão maior da linguagem da mídia em que residem, como no caso de Don Quixote. Nesse tipo de narrativa, o propósito é dissociar o leitor da obra, abertamente clamando sua falsidade, fazendo assim, com que esse visse o quadro geral, das histórias em si. Ao se distanciar daquela história específica o leitor conseguia entender mais sobre como as histórias são feitas, quais seus traços e como caem nos arquétipos comuns.
Mas, provavelmente pela natureza passiva dos livros, não há muito dessas obras, pelo menos nãos as que brincam diretamente com as possibilidades diversas que esse formato permite, a ideia de que sua própria realidade seja uma mentira, uma ilusão, por exemplo.
Utilizar tropas que envolvem essa meta natureza se torna cada vez mais difícil conforme nos afastamos dos jogos e das mídias mais individuais, isso quase nunca (se já foi) é visto na televisão, em séries. Há uma universalidade que nasce do uso das mesmas tropas, de fato. Mas isso não é a meta natureza que estamos falando aqui.
Não seria interessante ler um livro onde o leitor é um personagem? Não como alguém diferente, mas sendo ele mesmo? Seria sequer possível? Um livro onde um dos personagens sabe que está em um livro? E tem de enfrentar as consequências disso? São tantas possibilidades, tão pouco exploradas.
Jogos, nesse caso, são bem mais adaptáveis para esse tipo de ficção (o que me faz perguntar sinceramente, por que não temos mais jogos como esse?) uma vez que são uma mídia ativa, onde você tem a capacidade física e rápida de interagir com a máquina e ela com você.
Isso facilita abruptamente explorar os temas que apenas esse tipo de jogo pode, e ao contrário dos livros, sem precisar te distanciar abertamente da história que quer contar, uma vez que você está participando ativamente dessa história.
OneShot lida muito bem com esses temas. Ao contrário de Undertale, vários personagens sabem que estão em uma simulação, rodada por um computador de alguém. E em Solstício, eles tem de lidar com essa ideia, Niko tem de lidar com a falta de significado de sua missão, a falta de significado das pessoas daquele mundo. Elas são falsas, e sua missão de salvar aquele lugar é fútil. Aquela decisão final não passa de uma escolha cruel sem nenhuma consequência ou utilidade. E em solstício, eles reconhecem isso.
Esse jogo, mais que tudo, explora o que é ser real, e a importância disso. Não só no ponto de vista individual, mas de todas as histórias. Como uma peça de metafição, ele não está apenas falando de si, mas de todos os jogos. Afinal é tudo código. Todas as histórias que amamos tanto, todos os personagens que seguimos, todas as dores e perdas, as missões para salvar as princesas, nada disso vale algo. É tudo código lido por uma máquina, feitos por alguém que nem sequer conhecemos, que pode até estar morto. Percebe a importância de explorar temas como esse em mais jogos?
A resposta que o jogo encontra é muito bonita, e é inerente a esse tipo de narrativa, onde a natureza da realidade é testada, onde a tela de um computador é o que separa o real do imaginário. Onde uma máquina pode ir além de sua programação e roubar o nome de seu jogador. Onde você tem apenas uma chance, antes de tudo ser corrompido.
O solstício ocorre quando você reserta o jogo, indo contra a sua ideia mais fundamental, de ter a penas uma chance. Você joga o jogo de novo, mas de forma totalmente diferente.
O Autor
eu imploro que você considere. O messias
o mundo
minha criança
Todos eles merecem um final feliz
Diga-me, meu caro leitor, se a única escolha que você tem é inútil, sem sentido, cruel. Se ambas as respostas que ela te leva são ridículas e não levam a nenhum ganho, poderíamos, quem sabe, rebelarmo-nos contra esse sistema? Contra a natureza cruel e agressiva da realidade? Se não há significado ou valor, por que deveríamos obedecer esse código, se podemos criar o nosso próprio? Se tudo aqui não passa de uma simulação infrutífera, por que não poderíamos nós mesmos criar um final feliz para todos?
Essa é a essência do Autor e principalmente, do solstício. E é por isso que eu amo essa versão. Ela muda fundamentalmente o tema do jogo. E interage em um nível mais profundo com os ideais nele apresentados.
Enquanto jogava o final do primeiro, eu não conseguia decidir o que me irritava tanto naquela escolha, ela não fazia sentido, mas por quê? O autor me mostrou o obvio.
O jogo não passa de uma simulação criada pelo Autor, um dos personagens mais fodas que eu já tive o prazer de conhecer. Não só ele criou o jogo para salvar todos os que ele amava do fim de seu mundo(o mundo real), como conseguiu sair da simulação. Ele te dá as várias dicas para vencer a entidade, tendo uma influência muito maior sobre aquela simulação.
A entidade, nada mais é que o espírito do jogo, o código em si, tão corrupto pelos seus ideais conflitantes (de nunca machucar seres vivos, e a dissociação de um jogo) que acaba por destruir esse mundo, pouco por pouco. Incapaz de reconhecer aqueles personagens como pessoas, como seres vivo, como nada além de previsíveis programas. Ele pôde lembrar um pouco Flowey, mas são diferentes de diversas formas.
A máquina nunca quis machucar Niko, sendo que pra ela, ele é o único ser vivo alí. Para ela, nós estamos arriscando a vida de Niko, alguém vivo, pelos NPCs do jogos, que são nada além de código escrito. Desde o começo, Niko nunca foi parte daquele mundo, daquela simulação.
Qual o valor desse mundo?
Sua missão foi sempre levar Niko para casa.
Isso é claro, está errado.
E não há forma melhor de entender isso que a conversa que Niko tem com Rue, que lhe explica a ideia de domesticar.
Domesticar um robô é uma ideia que esteve permeando o jogo desde o início, mas nunca soubemos o que é até que Rue nos ensine. Eu sugiro jogar o jogo, ou assistir um vídeo, é um dos melhores diálogos que eu já li, uma vez que resume bastante tudo o que um jogo é em seu nivel mais fundamental. Uma suspensão de descrença.
Um robô não pode ir contra seu código, isso seria um desastre, tanto que o conflito entre não ferir um ser humano e a história agressiva e inerente do jogo é o que move os primeiros erros na simulação. Domesticar, seria criar uma conexão com o código, se essa conexão for forte o suficiente, ele começará a acreditar que é um ser real, um indivíduo valido. Uma completa suspensão de descrença, acreditar que aquele robô é uma pessoa, mesmo que não seja.
Não é isso que um jogo é? Que uma história é? Acreditar, mesmo que por pouco tempo, que a história que está sendo contada ali, que aquelas pessoas que conhecemos em um livro ou no jogo são seres de verdade, mesmo que não sejam? Que aquelas jornadas que tomamos ao lado de personagens fantasiosos tem algum significado? Que aquele código possa ter algo a mais?
O autor representa isso bem, uma vez que ele já passou por esse nível, ele já saiu da simulação. Nós apenas falamos com ele através de programas externos e mensagens fora do jogo. Ele se mostrou algo além de mero código, mesmo que, no final, ele seja apenas isso. O jogo conseguiu alcançar essa suspensão de descrença até o final.
Mesmo a máquina, a entidade que não vê aqueles seres como reais foi a responsável por trazer Niko a esse mundo e o ajudar, dando-o pistas para passar por partes que seriam, de outra forma, inalcançáveis. Indo contra os desejos de seu criador, o autor, no começo e, invariavelmente, se arrependendo imensamente. Ser capaz de se rebelar e de se arrepender.
Niko vê isso, e pelo final, ele começa a desejar que aquele mundo seja salvo, e de alguma forma, esquece da falta de significado em fazê-lo. E nesse final há apenas uma escolha, apenas uma consequência.
Você consegue salvar a todos. Niko consegue salvar a todos.
Então eu lhe pergunto novamente, meu caro leitor, eu sou real? As palavras que você lê agora foram editadas diversas vezes, e eu posso até estar morto. Então, tudo o que eu escrevi aqui é real? Genuíno? Verdadeiro?
E o mais importante,
Isso Importa?
Maze
Há uma cena que gostaria de analisar antes de finalizar. E essa é a morte de Maze.
Quando a conhecemos no jogo, ela está morrendo e seu último desejo é sentir o sol pela última vez. Algo que você pode fazer, dando-a o sol. Isso, claro, não vai salvá-la, mas lhe dará bons últimos momentos. Deixando-a morrer em paz.
Quando resertamos o jogo e a reencontramos no solstício, ela está usando todas as suas forças para manter a ilha de Glen junta, impedindo-a de ser engolida pelo mar e isso incluí seus habitantes. Ela está bem fraca e aparenta morrer dolorosamente. Se você oferecer a ela o sol, ela dirá que isso iria deixá-la fraca, inatenta, e que o medo e a dor são uteis para mantê-la acordada. Ela diz também que as pessoas do vilarejo merecem viver, mesmo que seja por mais um dia.
Você percebe?
Isso simplifica muito bem a jornada de Niko. Na primeira parte, ele era o messias, viajando com a única esperança do mundo em suas mãos. Mas mesmo isso era inútil. Muitos personagens diziam que o mundo morreria de qualquer forma, e que pôr o sol só serviria para adiar o inevitável, dando aos habitantes daquele mundo apenas mais alguns últimos bons momentos. Alguns reconhecem isso e dizem a Niko que viver seus últimos momentos com o sol seria melhor do que nada. Eles não podem fazer nada além de assistir o mundo cair e a morte chegar cada vez mais perto. A própria presença do messias só servia para dar aos personagens uma ilusão de esperança. O que faz a escolha final cruel, a jornada inteira cruel. Já no Solstício, os personagens como Cedric,prototype e Rue estão ativamente tentando impedir o fim do mundo. Não só eles, mas todos os personagens secundários ativamente ajudam Niko. Há um perigo imediato, mas há também uma resposta, uma reação. Chegar na torre e pôr o sol no topo não tem tanta importância, iludir as pessoas não tem importância. E eles conseguem, depois de tanto tentar, eles salvam o mundo. O iluminando com uma luz verdadeira. Assim como o esforço de Maze fez com que a ilha durasse tempo o suficiente para Niko salvar a todos.
Um jogo muito bom, não acha?