William Blake - "Dragão Vermelho".
A fantasia medieval, tal como consagrou-se no mundo dos videogames, muito deve a J.R.R. Tolkien. Não é equivocado afirmar que as criações do autor de O Senhor dos Anéis foram - e ainda são - o grande paradigma a partir do qual as narrativas fantásticas dos jogos eletrônicos se estruturam. De Baldur's Gate à The Witcher, presenciamos a ocorrência de elementos que remetem, em maior ou menor grau, às diretrizes formais estabelecidas na obra de Tolkien. Os elfos, anões e orcs, seres que pontuam o imaginário da cultura pop atual, devem muito mais ao sentido que Tolkien lhes conferiu no contexto da Terra-média, do que à mitologia escandinava. Embora Tolkien tenha se valido de características dessa mitologia (a importância de Beowulf é inegável), ele vai além; e não podemos ignorar que sua formação católica também influenciou na forma como ele via os habitantes da Terra-média. Lemos a mitologia escandinava à luz da forma pela qual Tolkien a reimaginou no corpus de sua obra. E, claro, há ainda outras referências não tão óbvias. Por exemplo, a história de um anel mágico ressoa em diversas culturas. Na República, Platão trata de um certo anel, o Anel de Giges, cujo poder consistiria em tornar seu usuário invisível, tal como ocorrera com um certo hobbit, ao encontrar o Um Anel. No contexto da obra de Platão, o anel é usado como alegoria numa discussão acerca da natureza da justiça. Discussão essa que encontra ecos em Tolkien.
A saga The Elder Scrolls talvez seja a que mais bebe de fontes tolkenianas. No decorrer dos títulos dessa série, do Arena (lançado em 1994), até Skyrim (lançado em 2011), vemos que há um esforço por parte dos desenvolvedores de apresentar um universo tão rico e coeso quanto foi a Terra-média. Eu diria que nunca vi, na história dos jogos de RPG medievais, um universo tão vasto e grandioso como o apresentado em The Elder Scrolls (muito embora os desenvolvedores devessem ter algumas aulas de storytelling). De culturas distintas para cada raça à diversas línguas inventadas; de uma visão geopolítica global à toda uma cosmogonia (mito de criação) e, consequentemente, religiões.
Mas, afinal, em que consiste o gênero fantástico e como os jogos eletrônicos fazem uso dele? Certamente, é intuitivo para nós como o fantástico se apresenta nos jogos, mas e quanto aos conceitos que dão consistência ao gênero e permitem que ele seja pensado? Sobre isso, há uma vasta literatura acadêmica.
Referência Bibliográfica:
TZVETAN, T. Introdução à literatura fantástica. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012
A saga The Elder Scrolls talvez seja a que mais bebe de fontes tolkenianas. No decorrer dos títulos dessa série, do Arena (lançado em 1994), até Skyrim (lançado em 2011), vemos que há um esforço por parte dos desenvolvedores de apresentar um universo tão rico e coeso quanto foi a Terra-média. Eu diria que nunca vi, na história dos jogos de RPG medievais, um universo tão vasto e grandioso como o apresentado em The Elder Scrolls (muito embora os desenvolvedores devessem ter algumas aulas de storytelling). De culturas distintas para cada raça à diversas línguas inventadas; de uma visão geopolítica global à toda uma cosmogonia (mito de criação) e, consequentemente, religiões.
Mas, afinal, em que consiste o gênero fantástico e como os jogos eletrônicos fazem uso dele? Certamente, é intuitivo para nós como o fantástico se apresenta nos jogos, mas e quanto aos conceitos que dão consistência ao gênero e permitem que ele seja pensado? Sobre isso, há uma vasta literatura acadêmica.
Arte de Barad-dûr, a Torre Negra de Mordor.
Tzvetan Todorov, em seu livro Introdução à literatura fantástica, nos dá uma definição deveras feliz para o sentido do fantástico:
"Chegamos assim ao coração do fantástico. Em um mundo que é o nosso, que conhecemos, sem diabos, sílfides, nem vampiros se produz um acontecimento impossível de explicar pelas leis desse mesmo mundo familiar. Que percebe o acontecimento deve optar por uma das duas soluções possíveis: ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto de imaginação, e as leis do mundo seguem sendo o que são, ou o acontecimento se produziu realmente, é parte integrante da realidade, e então esta realidade está regida por leis que desconhecemos."
Aqui, já temos o mais essencial - ao menos num primeiro momento - para compreendermos o fantástico: trata-se de algo que extrapola os limites do mundo real, lançando o leitor/jogador ao seio do imaginário, isto é, daquilo que rompe com as cadeias que definem as fronteiras entre o real e a ilusão. O fantástico manifesta-se nessa vacilação, nessa fissura que nos faz hesitar diante da certeza da realidade, razão pela qual os universos fantásticos apresentam-nos causas e efeitos que não seriam possíveis em nosso mundo: não podemos lançar bolas de fogo pelas mãos, não podemos montar dragões nem tampouco nos encantar por lindas elfas da floresta, pois elfos não existem neste mundo. Os jogos eletrônicos partem especialmente desse elemento extraordinário para definir seus mundos fantásticos. A fantasia não é tanto o medieval, embora seja esse o seu principal avatar, mas o extraordinário que habita esse mundo povoado por dragões, trolls e fadas. Pode-se dizer que, como na ficção científica, o fantástico consiste na construção de um outro mundo, com a diferença de que, se na ficção científica a racionalidade é capaz de explicar mesmo os fenômenos mais absurdos (como a viagem no tempo), na fantasia a razão cede lugar à magia, à fúria dos deuses e demônios, em suma, ao que se configura como extra-mundano. É o mistério, não a razão, que sustenta o mundo fantástico.
Chegamos, dessa forma, a entrever aquilo que caracteriza a natureza mesma do fenômeno fantástico: o maravilhoso. Um mundo fantástico é um mundo no qual fulgura a maravilha. Mas não pretendo ir mais além no exame deste conceito, pois trata-se de um longo debate. E quanto a vocês, leitores, já se perguntaram o que seria, exatamente, o gênero fantástico, e como ele se apresenta no mundo dos videogames?
Chegamos, dessa forma, a entrever aquilo que caracteriza a natureza mesma do fenômeno fantástico: o maravilhoso. Um mundo fantástico é um mundo no qual fulgura a maravilha. Mas não pretendo ir mais além no exame deste conceito, pois trata-se de um longo debate. E quanto a vocês, leitores, já se perguntaram o que seria, exatamente, o gênero fantástico, e como ele se apresenta no mundo dos videogames?
Referência Bibliográfica:
TZVETAN, T. Introdução à literatura fantástica. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2012