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"Saber a hora de parar é quase tão importante quanto saber a hora de começar"
- Ricky O Bardo

Quinta-feira, novembro, no necrotério

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17 de Junho de 2015
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Quinta-feira, novembro, no necrotério

“O corpo sequer fede. Vai ver é só um envolucro oco por dentro, como esses babaquinhas filhos-de-papai que se matam atoa”, resmunga Sojínstikin, enquanto o saco com o cadáver posto à mesa ainda está fechado. Todos os dias fazendo a mesma coisa, ele provavelmente é o que parece – o adulto desleixado, cínico e de barba rala na casa dos trinta. Tanto faz. A morte não tira folga e pior do que ela só as cobranças do empresário tagarela dono do cubículo que Sojínstikin aluga. “Eu devo é ter me acostumado com o cheiro podre daqueles vizinhos nojentos e farejadores de lixo.”

Ele aprendia no curso preparatório sobre como os médicos legistas estudavam para exercerem uma profissão cheia de métodos, análises e técnicas. Época em que alguém se importava com quem morria, as cidades eram menores e a taxa era de apenas 60 mil mortes por ano, quando muito.

Como estava sozinho na sala e os supervisores pouco se importavam com os procedimentos,  fazia hora, perdia-se em monólogos enquanto agia no modo automático. Era uma benção quando o elevador de seu prédio quebrava, a desculpa perfeita para descer as escadas sem fôlego para conversas. A pior companhia, mais desagradável do que os adolescentes desajustados e pseudo-revolucionários e os jovens chapados de droga, ele remoía este pensamento, eram os vendedores e recém adentrados nas profissões de colarinho branco, todos com a vã inspiração à ascensão social e talento nato para o trambique. E isso ele concluía das palestras motivacionais que eles insistiam em dar a quem quer que tivesse a infelicidade de os acompanhar entre quatro paredes. Parodiando-os em seus discursos: “Eu consegui, qualquer um consegue se tiver força de vontade e se entregar, ao contrário dos mendigos sujos e trabalhadores braçais condenados a morrerem na fossa; e se entregar, é claro, às fofocas, a cobrar metas desumanas feito um autêntico filho da mãe e bajulador de patrão, sem alma nem vergonha na cara feito ladrão de carteira elevado à escala corporativa.”

O pequeno Sacha era calado e pretensioso desde o colégio. Sua predisposição à arrogância foi elevada às alturas desde que perdeu a esposa. O caso foi ignorado como todos os outros, desgaste inerente ao ofício de colarinho azul, alegaram, já que as rotinas excruciantes se tornaram moda. Ela estava grávida. A fábrica, porém, também estava, sempre está, nunca pode parar de produzir. Um processo para investigação de abuso moral foi solicitado. O patrão respondeu com exigências mais rigorosas de uma burocracia patentemente impraticável e críticas frequentes. Ela perdeu o controle. Com o laudo do suicídio, o caso foi arquivado.

Hora de encerrar a papelada acerca do corpo. É uma mulher, branca, cabelos loiros e maltratados – embora isso de forma alguma importe. O relatório lá de cima, com seu palavrório entediante, a descreve como “viciada em drogas, 28, comportamento sexual promíscuo, intoxicada devido a danos na máscara de gás, morte em trabalho”. Entregue junto a um envelope de natureza pessoal, mas não tão pouco frequente no ambiente de trabalho dele, “Retirar a bonificação especial oferecida pelo sr. R. D. F., conforme padrão (breve confirmação de dados)”. Um detalhe, porém, começa a amargar os pensamentos de Sacha, seguidos de outros e outros. Ele sentiria vontade de anotar este dia. Até de contar a alguém.

A máscara no rosto dela não é tão velha. Está danificada, sim, mas aparenta mais ser uma rachadura intencional. O corpo está rígido, o que estaria dentro da estimativa de morte 4 horas antes de parar em suas mãos. Mas está gélido, quase como o frio de inverno que invade a sala deteriorada do necrotério. O exame de sangue indica overdose. Há marcas de apertos em pernas, braços, seios. As células da pele estão mortas  – morta há mais de 24 horas. No pulso consta uma tatuagem de um coração. E perto dele está escrito: “À nossa sempre pequena Nastya”.

A. S., quinta-feira, o resto não importa​
 
Pesado!! Muito interessante a maneira como você levou a narrativa, deixando que o leitor sinta o frio, das cenas e também do próprio ambiente no quais elas se passam. Pontos merecidos na gincana! :)
 
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