Reflexões de Perry
Perry se debruçou sobre a escrivaninha e fitou o grande livro velho. Seu livro de histórias, segredos, desejos...por vezes, seu diário. Observou a brochura marrom já desgastada e a bela pintura em dourado no centro, no passado brilhante e reluzente, hoje já fosca devido ao manuseio constante. Abriu-o em uma página aleatória:
“Nostalgia: Saudades de algo, de um estado, de uma forma de existência que se deixou de ter; desejo de voltar ao passado. Disseram, porém: não se anda para frente olhando para trás, pois as pedras no caminho a farão tropeçar.”
Como podiam temer tanto suas próprias histórias? Perry não entendia. O passado não deveria ser um monstro que consome a carne e a mente de quem o viveu. Deveria ser visto como a fonte da sabedoria, como uma ferramenta poderosa. Como um aliado. E foi isso que deu origem àquele texto.
Era para isso que o livro servia. Sempre que Perry se sentia incomodada, logo puxava o livro para escrever sobre suas inquietações. Mas dessa vez, sentia que não poderia escrever. Agora, o problema era sua própria cabeça. Perry não sabia o que ela era, não sabia como se descrever. Não sabia se podia se dar o direito de ter alguma certeza sobre si mesma. E se ela fosse apenas uma louca que pensava ser sã? Perry buscava em seu passado, em seu livro, algo que acalmasse sua mente. A inquietação com sua própria existência fazia sua cabeça doer e seu peito arder.
Tudo que pensava que ela era, foi criado a partir do que outras pessoas diziam que ela era. Qual era sua verdadeira forma então? Qual era sua essência? O livro não a respondia. Avidamente folheando as páginas do livro, lia seus textos em busca de uma resposta. O passado não poderia ser seu monstro.
“Fazer a pergunta certa é o ponto central da transformação. A pergunta correta provoca a germinação da consciência. A pergunta bem formulada sempre emana de uma curiosidade essencial a respeito do que está por trás.”
A ponta de seus dedos gelados tocava levemente esses dizeres. Havia algo ali. Mas ela não sabia o que era...não sabia quais perguntas fazer.
Perry não sabia.