Segredo das Luzes Pt.2
A cidade se extendia para todos os lados. Quilômetros e quilômetros de puras luzes brilhantes e a obscura tecnologia. Só haviam três formas de se locomover mais rapidamente, e elas eram necessárias, porque fugir dali era a prioridade máxima de Lirk. Dirigíveis, máquinas pessoais e trens. As primeiras duas opções eram totalmente inviáveis, além de chamar a atenção para o garoto com plantas e cartazes secretos debaixo dos braços. Foi para a estação.
A espera foi muita aos olhos de Lirk. Não havia mais ninguém na estação além dele. Ouviu o som do trem se aproximar depois de muito tempo. Embarcava com alívio, esperando chegar à fronteira de modo invisível. Ao entrar, a porta se fechou atrás dele. Olhou com estranheza, mas tomou seu assento. O que o surpreendeu minutos depois foi uma figura de vestes brancas e com o rosto oculto em pé no vagão. O jovem virou-se para o outro lado tentando ignorar, mas quando olhou de volta a figura havia desaparecido. Um calafrio na espinha e um pensamento de: Me descobriram?. E continuou a viagem tentando esquecer o que vira.
No primeiro minuto de distração, três figuras, idênticas à anterior, apareceram em pé no vagão. Uma voz grave saía, dizendo: Não podeis sair. Não podeis fugir. O que fizestes, não poderás reverter.. A fala se repetia assustadora e perfeitamente. Lirk paralisado não queria olhar para não sofrer riscos. Repetia em sua mente dezenas de vezes: É somente uma ilusão, porque não quero que minha vitória seja um pesadelo.. Tudo isso o levou a uma só conclusão. Se era real de fato, estavam o perseguindo por causa daquilo que roubou. Se rendeu, não suportando mais, e colocou as plantas e cartazes no chão longe dele, esperando que aqueles levassem e deixassem-o em paz. Mas isso não ocorreu.
- Já lhe dissemos. Não poderás reverter. As consequências deverás temer. Que assim há de haver. - Era repetido em coro. Depois de repetir dez vezes a fala, aqueles que ali estavam começaram a se aproximar de Lirk repetindo a única frase: Não poderás reverter.. Aquela situação o forçou a agir. Levantou-se de seu assento e correu para o próximo vagão por impulso. E aqueles continuaram a se aproximar.
Lirk pega seus cartazes e plantas e corre até o último vagão do trem, mas continuavam perseguindo-o lentamente até que pararam na entrada. Um daqueles apontou para baixo, onde havia o metal que ligava os vagões. Uma luz azul emanava de seu dedo e o jovem já cogitou o que iriam fazer: Vão soltar este vagão e eu vou me desprender do trem!. Tentando evitar isso, Lirk avança na direção daquele que apontava e tenta desferir um golpe para impedi-lo, mas seu punho atravessa o corpo. Fantasmas? Não creio. Pensou Lirk, recuando.
O jovem teve um plano estúpido, mas esperava sucesso de qualquer forma. Avançou fingindo que iria tentar um segundo ataque, mas desta vez atravessou o corpo dos fantasmas indo para o outro vagão. Correu para o antepenúltimo vagão, esperando que na velocidade em que andavam os fantasmas não o alcançariam a tempo. Sentou próximo do metal que segurava o penúltimo vagão e tentou arrancá-lo com alguma das ferramentas que trouxe para a invasão. Estava quase conseguindo soltar com a chave de boca, mas o desespero de saber que as criaturas estavam se aproximando o deixou aflito e impaciente. Por fim, conseguiu soltar e os vagões retrocederam.
Quase aos prantos, Lirk segue para retornar ao seu assento e continuar a viagem. Mas uma dúvida o incomodava. Caso se tratasse realmente de um trem amaldiçoado, quem seria o maquinista? Com receio, mas deixando a curiosidade o possuir, resolve ir à cabine do maquinista. Em passos lentos no trem deserto, andou até o próximo vagão, parando bruscamente ao ver outro fantasma.
- Os compatriotas de minha pessoa vieram a ser de alguma educação para com vossa mercê? - Disse com a mesma voz grave aquele fantasma. Aterrorizante como os outros.
- Quem é tu? O que há com este trem? O que quis dizer com compatriotas? E que linguagem estranha é esta? - Foram as perguntas ejetadas da boca de Lirk. Apesar de não estar ali ser sua maior vontade, a segunda maior seria que suas perguntas fossem respondidas.
- Ora, quantas indagações, futuro compatriota! És de tamanha maestria em furtos, o que decerto exige uma avantajada capacidade cognitiva e não sabeis a resposta para tais perguntas? - Dizia o fantasma com um certo deboche em sua voz e fazendo gestos com as mãos, o que deixava aparente para Lirk que este não era incorpóreo.
- Não apresentei-me propriamente. - Disse o fantasma. - Atendo-lhe pela nomenclatura de Giott. Dar-lhe-eis uma sugestão. Solucionarmos tais complicações em um pacífico combate. Como podeis ver, minha pessoa não é incorpórea. Vossas explicações virão após a vitória de vossa mercê. - E Giott entrou em posição de combate.
- Parece que não há outra solução, não é mesmo? - Dizendo isto, Lirk equipa em uma mão sua arma de choques elétricos e em outra mão sua arma de calor. - Não pensei que usaria essas armas, mas... a situação exige.
O fantasma desaparece diante dos olhos de Lirk, que olha para todos os lados tentando encontrá-lo, e o acha atrás de si. Por impulso, atira com a arma de calor e as ondas quentes derretem parte das vestes de Giott, revelando um rosto desfigurado.
- O que houve? - Pergunta Lirk.
- Digo-lhe-eis novamente - Responde Giott, avançando com um chute que é defendido pelo braço de Lirk - Indagações serão respondidas após vossa vitória, futuro compatriota.
Lirk parte para o ataque com o chute, que é segurado por Giott, mas antes que girasse sua perna, o jovem atirou com a arma de choque, que eletrocutou o lado direito do rosto do fantasma, mas não o impediu de jogar Lirk contra a parede, causando um estalo e uma dor insuportável nas costas que não permitiu que ele se levantasse.
- Que infortúnio. O combate teve decerto uma duração inesperada. Todavia... Vossa mercê obteve um resultado levemente louvável, deste modo minha pessoa virá a responder vossas indagações. - O jovem gemia de dor, mas confirmou para receber sim suas respostas. E Giott explicou esta história:
Giott e seus compatriotas eram realmente fantasmas, que estavam presentes naquele trem de forma visível a olhos humanos pois aquele trem em específico possuía uma energia que enfraquecia o selo entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos, mas disse que não sabia o porquê daquilo acontecer.
Segundo ele, o mundo dos vivos e o dos mortos era o mesmo lugar, porém em dimensões diferentes. Ambos os vivos e os mortos viam as mesmas coisas, porém aqueles no mundo dos vivos não podiam ver os mortos por causa do selo, com exceção dos locais em que o selo enfraquecia. Já os mortos em sua dimensão podiam ver os vivos e outros mortos, mas não podiam causar nenhum efeito ou interação com os vivos ou sua dimensão.
Giott e seus amigos entediados, buscavam por locais onde o selo era enfraquecido para interagir com os humanos e encontraram o trem amaldiçoado. Desde então, assustavam os viajantes e se divertiam naquele local. Certo dia ele encontrou uma espécie de artefato que o fazia perder sua característica incorpórea em áreas de selo fraco. O seu corpo adquire a aparência do momento de sua morte, e como Giott morreu incinerado, seu corpo é deformado quando aparece aos vivos.
Naquele dia, quando ele e seus amigos vagavam pela cidade das luzes olhando as pessoas que ali viviam, notaram Lirk que estava tentando invadir a fábrica de dirigíveis. Uma curiosidade despertou nos fantasmas que decidiram segui-lo por algum tempo. Ao notar que Lirk entraria no trem amaldiçoado, eles logo se preparam para assustar mais uma vítima.
- Mas que interessante. E vocês estão permitidos de contar tais fatos para qualquer viajante? - Pergunta Lirk, e naquele momento, os outros fantasmas já haviam aparecido perto de Giott.
- Negativo. - Admitiu o fantasma. - Vós sóis o primeiro indivíduo pelo qual relatei tais fatos putrefatos. Vossa Grandeza, governante do reino dos mortos, exprimirá infinda indignação por meus atos.
- Quem é o governante do mundo dos mortos? - Já diz com maior curiosidade o jovem Lirk, se preparando para fazer ainda mais perguntas.
- Se fores um indivíduo de sorte, demorarás para descobrir! - E Giott desapareceu com seus compatriotas às gargalhadas. Tudo que se ouviu foi o som do trem desacelerando.
Continuará em breve...