Capítulo 2
Depois do choque
Depois do choque
Todos na parte de trás do ônibus estavam perplexos diante de tudo o que tinha acontecido até então. Tinham muitas informações para digerir e pouco tempo hábil, já que A Morte cobrava-lhes rapidez para decidir quem seria a primeira pessoa a contar seu segredo mais oculto e seu principal motivo de querer continuar vivo. Porém, uma coisa era certa, todos se perguntavam o que precisavam contar para permanecerem vivos. A mulher que levava as duas crianças se posicionava na frente delas como forma de proteção. Ela virava para os garotos e falava com a voz mais tranquila que conseguia, mesmo que mal conseguisse ficar de pé devido a tremedeira que tinha se instaurado em suas pernas.
Não chorem meninos, vai ficar tudo bem. Já passou, já passou. Dizia para as crianças que não paravam de chorar desde que o primeiro tiro foi disparado.
Agora façam o que eu digo, fechem seus olhos bem apertados e tapem seus ouvidos, okay? Ambas concordavam com a cabeça. A tia não vai deixar nada de ruim acontecer com vocês. Ela beijava a cabeça dos garotos e mais uma vez, desejando do fundo do seu coração que tudo aquilo acabasse, mas não seria nada fácil.
Enquanto isso, as três garotas se abraçavam, tremendo de medo da morte iminente. Como viviam em bairros ricos, onde os casos de violência mais graves normalmente eram relacionados a algum filhinho de papai que tinha cometido violência doméstica ou algo do gênero, ver três mortes violentas por arma de fogo, sendo uma das vítimas uma criança pequena era algo bem chocante. Eu estava com medo de morrer, claro, mas aquelas pessoas no chão não me surpreendiam em nada, já que só na semana passada eu vi dois corpos no prédio que moro e mais um no caminho até o ponto de ônibus. Do jeito que as coisas andavam violentas no meu bairro, a única diferença era que o causador disso tudo era literalmente a morte e não um cafetão, traficante de drogas, um agiota ou simplesmente uma overdose. O engraçado é que mesmo sem ser muito religioso, já tinha um tempo que eu rezava, quase como um mantra, tanto para ir quanto para voltar do trabalho.
Mesmo nunca tendo assumido um papel de liderança na minha vida inteira, eu parecia ser a pessoa menos nervosa naquele ônibus. Então surpreendendo a todos, inclusive a mim mesmo, me levanto do meu acento, vou até o meio do ônibus e decido falar com A Morte:
Acho que todos já entenderam as suas exigências. Falava meio alto demais, estava nervoso, mas ao olhar para trás, todos os passageiros pareciam concordar comigo.
Podemos ao menos escolher a ordem em que iremos nos confessar ou isso é com você? A Morte franzia a testa enquanto pensava, a mão direita em seu queixo enquanto usava a outra para segurar a arma engatilhada.
Fiquem a vontade para escolher, A Morte não é injusta, nem mandona. Já que estou dando-lhes uma chance de viver, por que eu escolheria quem iria falar? A decisão cabe a vocês, sejam completamente sinceros e que deixarei vocês continuarem vivos. Mintam para mim e irão ter uma morte tão rápida quanto aqueles ali. E apontava para o banco por onde o sangue da criança e de sua mãe gotejava constantemente Porém, suas almas pertencerão para sempre a mim. Mas sim, podem escolher a ordem que se confessarão. Com a permissão dada, todos se juntaram no fundo do ônibus e começaram a expressar sua opinião de quem iria primeiro e uma discussão generalizada começou.
---- Em outro lugar, mas no mesmo momento ----
Aquele também não era um dia comum para Karla, a acompanhante de luxo mais concorrida e cara de todo o Bairro dos Pecados, nome ao qual todos os moradores da região, inclusive eu, se referia ao lugar onde vivíamos. O lugar era tão violento e cheio de tantos atos ilegais que a polícia raramente entrava. Era difícil achar pessoas que queriam se arriscar naquela área, nem mesmo o Estado pensava em políticas para ajudar os moradores. A bem da verdade, no Bairro dos Pecados só viviam os excluídos, os mal vistos, os perigosos e os perdidos. Uma coisa que parei para pensar, é que nós fomos ambos excluídos que acabaram se encontrando, porém, nem eu e muito menos ela sabia disso nesse momento.
O dia 25 de Outubro de 2015 também foi o dia em que ela pagou todas as suas dívidas com o cafetão que a empregava e estava finalmente livre. Mas para quem havia trabalhado naquilo desde muito nova, era difícil se acostumar ao fato de não ter nenhum cliente para atender. Naquele momento, ela estava deitada de barriga para cima na cama que muito trabalhou, com um ventilador zunindo no canto do quarto. O seu cafetão havia deixado o apartamento para ela, mesmo depois que a garota saiu de sua tutoria, como ele mesmo dizia. Ali, enquanto descansava entediada, escutava os sons de prazer vindos dos quartos vizinhos e pensava onde estava aquele jovem que ela gostava, quando ele ia chegar para enfim começarem a conversar? Ela se perguntava se ele ligava para seu passado, já que ele sabia, com toda a certeza, no que a garota mais linda do bairro trabalhava, mas o que ela não sabia era que ele estava interessado na história dela, mas mesmo conhecendo seu passado, preferia pensar no futuro que viveríamos juntos. Naquele momento, Karla não tinha a mínima noção do quanto eu também vivia de olho nela e que as incertezas que a garota carregava eram também as minhas.
Decidida a parar de pensar sobre aquilo, Karla se levanta da cama com um salto e busca algumas roupas simples de seu guarda-roupas, um short jeans e uma blusinha verde, a sua favorita, e saiu para passar o tempo antes do seu amado voltar. Ela não podia nem imaginar que naquele momento eu estava preso numa discussão que podia custar a minha vida.
---- De volta ao ônibus ----
Três tiros eram disparados para o alto e a discussão cessava imediatamente. Todos de coração palpitando olhavam para a Morte enquanto ela apontava a arma para eles. Muitos dali, inclusive eu, pensávamos que a chance que a Morte nos deu tinha sido jogada no lixo, mas por incrível que pudesse parecer, a morte estava sendo mais benevolente do que eu pensava.
Eu poderia matar todos vocês aqui e agora, mas prefiro escutar as suas histórias. falava enquanto guardava mais uma vez seu revólver. Como não conseguiram entrar num consenso, escolho Deixa eu ver Você! O dedo longo de sua marionete apontando para a idosa que subiu no ônibus com as duas crianças. Com um sorriso doentio no rosto, a Morte olhava para ela e dizia:
Escolha bem suas palavras, não hesite em contar seu segredo mais obscuro e seu maior motivo para continuar viva, saberei se você mentir. A senhora se tremia toda enquanto andava para mais perto da catraca que a separava da Morte. Naquele momento uma única coisa passava na cabeça de todos, o que uma doce senhora daquelas tinha a esconder? Nós realmente ficaríamos surpresos
Não chorem meninos, vai ficar tudo bem. Já passou, já passou. Dizia para as crianças que não paravam de chorar desde que o primeiro tiro foi disparado.
Agora façam o que eu digo, fechem seus olhos bem apertados e tapem seus ouvidos, okay? Ambas concordavam com a cabeça. A tia não vai deixar nada de ruim acontecer com vocês. Ela beijava a cabeça dos garotos e mais uma vez, desejando do fundo do seu coração que tudo aquilo acabasse, mas não seria nada fácil.
Enquanto isso, as três garotas se abraçavam, tremendo de medo da morte iminente. Como viviam em bairros ricos, onde os casos de violência mais graves normalmente eram relacionados a algum filhinho de papai que tinha cometido violência doméstica ou algo do gênero, ver três mortes violentas por arma de fogo, sendo uma das vítimas uma criança pequena era algo bem chocante. Eu estava com medo de morrer, claro, mas aquelas pessoas no chão não me surpreendiam em nada, já que só na semana passada eu vi dois corpos no prédio que moro e mais um no caminho até o ponto de ônibus. Do jeito que as coisas andavam violentas no meu bairro, a única diferença era que o causador disso tudo era literalmente a morte e não um cafetão, traficante de drogas, um agiota ou simplesmente uma overdose. O engraçado é que mesmo sem ser muito religioso, já tinha um tempo que eu rezava, quase como um mantra, tanto para ir quanto para voltar do trabalho.
Mesmo nunca tendo assumido um papel de liderança na minha vida inteira, eu parecia ser a pessoa menos nervosa naquele ônibus. Então surpreendendo a todos, inclusive a mim mesmo, me levanto do meu acento, vou até o meio do ônibus e decido falar com A Morte:
Acho que todos já entenderam as suas exigências. Falava meio alto demais, estava nervoso, mas ao olhar para trás, todos os passageiros pareciam concordar comigo.
Podemos ao menos escolher a ordem em que iremos nos confessar ou isso é com você? A Morte franzia a testa enquanto pensava, a mão direita em seu queixo enquanto usava a outra para segurar a arma engatilhada.
Fiquem a vontade para escolher, A Morte não é injusta, nem mandona. Já que estou dando-lhes uma chance de viver, por que eu escolheria quem iria falar? A decisão cabe a vocês, sejam completamente sinceros e que deixarei vocês continuarem vivos. Mintam para mim e irão ter uma morte tão rápida quanto aqueles ali. E apontava para o banco por onde o sangue da criança e de sua mãe gotejava constantemente Porém, suas almas pertencerão para sempre a mim. Mas sim, podem escolher a ordem que se confessarão. Com a permissão dada, todos se juntaram no fundo do ônibus e começaram a expressar sua opinião de quem iria primeiro e uma discussão generalizada começou.
---- Em outro lugar, mas no mesmo momento ----
Aquele também não era um dia comum para Karla, a acompanhante de luxo mais concorrida e cara de todo o Bairro dos Pecados, nome ao qual todos os moradores da região, inclusive eu, se referia ao lugar onde vivíamos. O lugar era tão violento e cheio de tantos atos ilegais que a polícia raramente entrava. Era difícil achar pessoas que queriam se arriscar naquela área, nem mesmo o Estado pensava em políticas para ajudar os moradores. A bem da verdade, no Bairro dos Pecados só viviam os excluídos, os mal vistos, os perigosos e os perdidos. Uma coisa que parei para pensar, é que nós fomos ambos excluídos que acabaram se encontrando, porém, nem eu e muito menos ela sabia disso nesse momento.
O dia 25 de Outubro de 2015 também foi o dia em que ela pagou todas as suas dívidas com o cafetão que a empregava e estava finalmente livre. Mas para quem havia trabalhado naquilo desde muito nova, era difícil se acostumar ao fato de não ter nenhum cliente para atender. Naquele momento, ela estava deitada de barriga para cima na cama que muito trabalhou, com um ventilador zunindo no canto do quarto. O seu cafetão havia deixado o apartamento para ela, mesmo depois que a garota saiu de sua tutoria, como ele mesmo dizia. Ali, enquanto descansava entediada, escutava os sons de prazer vindos dos quartos vizinhos e pensava onde estava aquele jovem que ela gostava, quando ele ia chegar para enfim começarem a conversar? Ela se perguntava se ele ligava para seu passado, já que ele sabia, com toda a certeza, no que a garota mais linda do bairro trabalhava, mas o que ela não sabia era que ele estava interessado na história dela, mas mesmo conhecendo seu passado, preferia pensar no futuro que viveríamos juntos. Naquele momento, Karla não tinha a mínima noção do quanto eu também vivia de olho nela e que as incertezas que a garota carregava eram também as minhas.
Decidida a parar de pensar sobre aquilo, Karla se levanta da cama com um salto e busca algumas roupas simples de seu guarda-roupas, um short jeans e uma blusinha verde, a sua favorita, e saiu para passar o tempo antes do seu amado voltar. Ela não podia nem imaginar que naquele momento eu estava preso numa discussão que podia custar a minha vida.
---- De volta ao ônibus ----
Três tiros eram disparados para o alto e a discussão cessava imediatamente. Todos de coração palpitando olhavam para a Morte enquanto ela apontava a arma para eles. Muitos dali, inclusive eu, pensávamos que a chance que a Morte nos deu tinha sido jogada no lixo, mas por incrível que pudesse parecer, a morte estava sendo mais benevolente do que eu pensava.
Eu poderia matar todos vocês aqui e agora, mas prefiro escutar as suas histórias. falava enquanto guardava mais uma vez seu revólver. Como não conseguiram entrar num consenso, escolho Deixa eu ver Você! O dedo longo de sua marionete apontando para a idosa que subiu no ônibus com as duas crianças. Com um sorriso doentio no rosto, a Morte olhava para ela e dizia:
Escolha bem suas palavras, não hesite em contar seu segredo mais obscuro e seu maior motivo para continuar viva, saberei se você mentir. A senhora se tremia toda enquanto andava para mais perto da catraca que a separava da Morte. Naquele momento uma única coisa passava na cabeça de todos, o que uma doce senhora daquelas tinha a esconder? Nós realmente ficaríamos surpresos