A música dava sinais de que estava findando, mas o coração de Cora ainda exigia mais ritmo. No último som, ela caiu ao chão, braços e pernas esticados, um sorriso no rosto e ofegante.
- O mundo fica melhor depois de um ensaio desse.
Cansada, mas ainda com energia, fechava os olhos para receber nas células os primeiros acordes que seguiam na playlist automática, e quando, de súbito, levantou-se, explodiu em sua mente a lembrança de que uma de suas épocas mais doces, gostosas e preferidas batia à porta: A PÁSCOA TAVA DOBRANDO A ESQUINA!
- Chocolates, formatos variados e gente contente com recebidinhos pelo correio!
Ah!, como era bom ser Cora, assinar a cartinha pros que recebiam seus pacotes de doces e açucarar o Condado.
Coralium, como era conhecida naquele fórum da internet, era o próprio doce que oferecia pras pessoas. Sempre atenciosa, sempre meiga, sempre criativa, com certeza ela dava cores novas pro mundo condadense todos os dias, como um arco-íris humano.
- Precisa ser inesquecível, precisa ser algo novo!
A música continuava, mas o que estava dançando era sua mente borbulhante de ideias. Seus olhos pulavam brilhantes com todas as possibilidades.
Quando a música acabou, pegou o celular e foi olhar suas mensagens. O discord do staff estava uma bagunça de mensagens, com todos se cobrando e dando ideias do que fazer. Ela apenas lia. Lia, lia, lia… e pensava.
- Um Condado de Chocolate! É isso!
Mas quando a ideia estava na ponta dos dedos para ser digitada, decidiu que seria uma surpresa.
No mesmo dia, dedicou-se a procurar fotos de todos os membros possíveis. Instagram, Facebook, Messenger, Whatssap.
- Caramba, esse povo se esconde mesmo!
Ela queria fotos reais, seus narizes, olhos, bocas e cabelos ocultos por trás das fotos de animes e personagens de games. Achou por volta de 30 pessoas depois de muitas horas. A Páscoa chegava a cavalo e não poderia continuar devotando tempo e energia naquela busca.
- Pascoalium!
Amou como a palavra retomava seu apelido e ao mesmo tempo parecia um evento sazonal romano, mas, por enquanto, togas e coroas de louro estavam fora de tema.
No dia seguinte começou comprou miniatura de casas, florestas e bichinhos. Montou todo um suporte de cenário. O Condado fluía por suas mãos como que canalizado de um plano etéreo. Talvez exista em algum universo um lugar assim e todos são como querem ser. E então, seu maior desafio:
- Preciso montar os corpinhos em poses diferentes, o mais fiel possível ao rosto, mas mais fiel às personalidade que eles criaram ao longo de todos esses anos.
E seu planejamento, na verdade, foi uma viagem no tempo, revisitando todos os sonhos que construíram: a revista, a gamejam, os planos para o futuro, as brigas e reconciliações, as pessoas que iam embora e voltavam como se nada tivesse acontecido, a família que ali se formara.
- Se fosse pra sempre...
Encarava a montagem como se fosse um sonho que se organizava sozinho.
- E se fosse pra sempre?
Montou 1 pessoa, depois mais 5, depois 10, e olhava nos grupos e no fórum.
- Cadê esse povo? Ontem tava o maior fuzuê.
Nove da manhã no relógio, talvez ainda estivessem nos braços de Morfeu. Mas geralmente aparecia um ou outro mandando link, convidando pra jogar ou comentando coisas aleatórias. Tudo bem, dá um desconto, é sábado!
Montou 15, 20, 30… que rápido! Ela sabia exatamente o que esculpir nos chocolatinhos em forma de gente, representando a individualidade de cada um. Surpreendida consigo mesma, colocou todos no congelador com um carinho especial. Ela era uma deusa elaborando uma humanidade de chocolate.
- Vocês não perdem por esperar a surpresa!!!!! Deixem comigo!
Mandou uma mensagem no grupo por volta das três da tarde, mas dava pra sentir as teias de aranha ali. Ninguém, absolutamente ninguém. No mínimo era uma pegadinha, ou a internet falhou miseravelmente ou aconteceu algo e eles debandaram para outro grupo.
Postagens novas no fórum? Hum!!!! Uma mensagem.
- Dionísio é novo membro!
Sentiu-se no dever de dar as boas-vindas.
- Você vai amar o fórum. Compartilhe seus projetos, suas ideias, sempre que quiser.
- Ah, obrigado - chegou a resposta minutos depois - Sim, eu tenho um projeto muito especial.
- Ah, sobre o que é?
- É sobre a Páscoa!
- A Páscoa? - um game sobre Páscoa? Que amor!
- Sim, e sobre você.
Era pegadinha, não era possível. Deu corda:
- Me fale mais.
- É um simulador de vida, sobre uma menina que sonha em viver um mundo de chocolate e ganha poderes especiais.
- Adoraria, de verdade. Seu projeto já tá pronto?
- Quase, comecei há um dia.
Ideias iniciais, então. De certo era algum morador antigo do Condado que gostava de criar contos e jogos baseados nas pessoas que conhecia. Isso pode ser super fofo.
- Quando puder testar, eu quero!
- Claro que sim.
Uma notificação no grupo.
Alguém reclamava da ausência de movimento e achava estranho.
Cora viu que tinha se esquecido daquela pessoa na homenagem e tirou um print da foto de perfil. Respondeu ao inquieto e concordou que estavam todos silentes demais. Depois de uns papos aleatórios, foi fazer seu bonequinho de chocolate novo.
Satisfeita com o resultado do dia, foi tentar dormir. Estava tão inquieta com as possíveis reações dos Condadenses sobre aquela homenagem que mal conseguia manter o entusiasmo controlado.
O sono veio depois de um tempo e ela estava dentro de sua própria fantasia.
Viu um Alkemarra ao leite, um Yud com castanhas e uma Mayleone com cabelos de granulados. Um Condado que no mínimo foi projetado pro Willy Wonka.. Viu um Lord e um Richard, com mais outros, atirando pequenos ovos de chocolate como se fossem munições em um battle royale improvisado, inclusive, um deles foi atingido e teve o bracinho destroçado.
- É só colar com Nutella.
Ao virar para saber de onde vinha a voz, deparou-se com um coelho em forma de gente, com roupa de gente, uma cenoura na mão, sentado num tronco apreciando sua surpresa.
- Coelhinho de Páscoa?
- Ou Dionísio, ao seu dispor!
No fundo de sua memória onírica, trazia lembranças do mundo dos acordados de uma conversa com alguém chamado Dionísio.
- Você queria ver meu projeto. Você está nele!
Sem entender muito, passeou os olhos pelo ambiente que parecia ter saído de um conto de fadas e quando um dos ovos foi atirado em sua direção, despertou assustada.
Lembrava-se do sonho como uma conversa recente, mas no sonho, mal se lembrava do cotidiano. Que estranho!
Arrumou-se, comeu, foi olhar seus bonequinhos de chocolate e para sua surpresa um deles tinha o bracinho quebrado.
- Deve ter caído.
Por instinto, pegou Nutella e colou como se fosse cimentinho tudo no lugar. E nesse momento se lembrou do Coelho-Dionísio. Não tardou para receber uma mensagem dele:
- Gostou?
- Do quê?
- Do meu projeto!
O silêncio a denunciou abismada.
- Você pediu de todo coração que o mundo fosse doce, e sussurrei essa ideia pra você, no seu inconsciente.
Ainda sem nada falar, apenas lia.
- Você pediu de todo coração que fosse eterno, e agora tem a chance.
Seria possível que fazer seus amigos em miniaturas de chocolate teria atingido cada um deles?
- Sim, é possível - captou a pessoa do outro lado da tela do celular - agora só falta você.
Correu os dedos por outras abas, queria mandar mensagens, queria saber algo.
Silêncio!
Nenhuma respostas, nenhuma provocação…
As últimas visualizações batiam com a hora em que ela colocou os bonecos no congelador.
- Eu fiz um rei transformar em ouro tudo o que tocasse. Por que não poderia fazer você transformar o seu mundo, o Condado, num mundo de chocolate? Uma Midas-late!
Escreveu “HAHAHAHAHAHA”, mas soou assombrosa risada na mente de Cora.
- Só falta você.
Foi para a cozinha, montou um boneco sem rosto e talhou a si mesma. Colocou-se no congelador.
De repente, o mundo ficou frio. Tudo ficou escuro. Abriu os olhos e as nuvens eram biscoitos.
“E se fosse para sempre”...
Será doce e terno! Uma Páscoa sem fim com quem nunca deve ir.
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