(Esse texto foi um pedido do @Ricky O Bardo que delicadamente me ameaçou para que fosse produzido. A parte 2 vem se ele bater de novo. Detalhe: os travessões foram substituídos por bolinhas, mas marcam os diálogos)
- To-ca-du-dra-gão-PAN!
- Por que ele sempre começa a noite assim?
- Ninguém sabe, dizem que ele ouve vozes e conversa com pessoas invisíveis sobre assuntos que ninguém entende.
Conhecidíssimo pelas razões erradas, o bardo Richardison, era sempre a estrela das noitadas na taverna da Vila do Juntar. Ao iniciar cada espetáculo, apresentava-se com seu pseudônimo, Bernardins, e cantava com seu boneco de madeira, Wilkson, contando piadas e falando da vida dos outros com uma ironia ímpar.
- Às vezes o Wilkson faz mais sentido que ele, sabe? - falava uma jovem para outra, sentadas a uma mesa a alguns metros do palco.
- Na verdade, se Wilkson fosse um “menino de verdade” ele seria um pão!
- Gertrudes, que isso? Lembre-se de que você é uma moça.
- Mas eu não estou morta.
- Nem muito viva pra preferir um boneco.
- Tenho opção, Marla?
- E o lanceiro?
- De Bonna? Bonito demais para se casar.
- E existe isso de bonito demais?
- Existe pra quem casar com ele.
Ambas gargalharam e o bardo, retirado pelo som das duas de seu transe poético, entendeu que elas riam para ele.
- Que nossa noite seja graciosa como esses sorrisos.
Um baque surdo acompanhou a porta de madeira abrindo. Um homem encapuzado adentrou e começou a retirar de sua capa os pedaços de neve. Todos o olhavam com curiosidade, ignorando a apresentação, à espera de descobrirem quem era aquela pessoa. Alguns minutos depois, removeu a coberta da cabeça e revelou um robusto, belo e bem cuidado homem.
- Stuchi!
- Ricky!
As pessoas moviam a cabeça de um lado para o outro alternando os diálogos junto com os falantes.
- Precisamos conversar. Aconteceu!
O semblante do bardo fechou-se. Parecia na verdade uma apresentação estendida em que a plateia estava no meio inerte até alguma interação.
Outra porta se abriu e um jovem rapaz de cabelos bem hidratados e olhos vivos e esverdeados se revelou contra a luz interna.
- Pode entrar, professor.
- Senhores e senhoras, a apresentação de hoje acaba mais cedo - o bardo no palco se apressava em arrumar suas coisas.
- Mas eu ainda nem estou bêbada.
- Ainda lembro meu nome e nem estou falando enrolado.
- Amanhã você volta e vai cantar até em élfico.
Os três nem aguardaram as pessoas saírem, assim que puderam se trancaram na salinha e se puseram a conversar. Enquanto isso, Jhonatan, o garoto de quem Richardison cuidava desde bebê, terminava de fechar o estabelecimento. Jhonatan sonhava em ser um bardo como seu grande mestre, sempre o vira como um comediante e nunca o vira tão sério como quando dessa recepção do homem misterioso, o Spuk.
- Stuchi! - ouviu o nome sendo bradado por trás da porta como que uma correção espontânea do universo.
- A que devemos a honra dessa visita ilustre? - O homem de olhos de esmeralda, de fala mansa e afiada feito athame quente, perguntou. Chamava-se Philipe, o Lopes, alcunha oriunda de sua antiga atividade no cafezal, onde colhia com estratégia única os pequenos grãos de café da fazenda Lopes.
Stuchi desviou o olhar de Philipe e focou no bardo.
- É uma boa forma de se esconder, sabia? A comédia é a melhor camuflagem do que é valioso.
Os três se conheceram há muitos anos, Richardison era um estudante de versos e artes e se encontrava com Philipe para trocarem ideias sobre os mistérios da humanidade. Stuchi frequentava a mesma biblioteca, atrás de livros sobre a natureza, a vida e tecnologia. Juntos, ouviam as músicas inéditas do então futuro bardo sobre as criaturas e lendas que ele encontrava nos livros. Juntos, também, iam para a taberna esquecer o que ouviram. Por causa de Richardison, lobisomens e galinhas nunca mais tiveram o mesmo conceito para o trio.
Com o passar do tempo, o artista em construção descobriu o que era ironia e teve a brilhante ideia de criar uma personagem para falar o que pensava. Quem culparia um bonequinho de madeira, não é mesmo? Após as risadas, a vontade de jogá-lo na lareira desaparecia.
O trio dividiu muito conhecimento e diversão. Prometeram que juntos um dia partiriam em busca da verdade por trás dos mitos, aprenderiam tudo o que pudessem e se tornariam eles mesmos os mitos. Uma narrativa, em especial, chamava-lhes a atenção.
- Tocuslav?
- Tem certeza?
Stuchi engoliu uma massa de saliva que se acumulava enquanto fitava o vazio.
- Absoluta. O astrólogo observou que as estrelas anunciavam sua chegada.
- Será lindo finalmente ver uma lenda dessas de perto - Lopes era um entusiasmado introspectivo. Seus olhos gritavam o que sua voz encobria com calmaria.
- Poderia escrever canções inéditas e ser levado a sério pelas pessoas - planejava o bardo.
Richardison era o auge da inteligência, mas usava o humor para chamar atenção e manter as pessoas consumindo. Contudo, o que sua mente realmente poderia produzir seria capaz de mudar o mundo das artes. Um dia, quem sabe, quem saberia, quem soubesse, pois não?
- Devemos ter com a rainha. Temos passagem livre pela corte a hora que for.
Quanta urgência do professor. Geralmente, ele era muito ponderado, mas naquele momento parecia querer as coisas imediatamente. Stuchi, após formado, conseguiu aplicar seu conhecimento e experiência a favor da realeza e isso o torna uma pessoa com vantagens incríveis.
- Jhonatan… - gritava o bardo- Jhonzinho!
- Diga, mestre! - o pequeno saiu de uma saleta atrás do balcão com um pano nas mãos.
- Arrume meu baú. Precisarei sair hoje à noite. Tranque as portas, e vá para a casa do Brunno, nas noites restantes dessa semana ele é quem fará a recepção.
- Verdade, mestre?
- Absoluta. Vá, enquanto eu organizo outras coisas com os amigos - olhou para os dois atrás dele e sussurrou como que tocado por uma lembrança- irmãos...
Era madrugada de neve pesada. Sair era arriscado, mas aparentemente muito necessário. O motivo cortou os céus segundos depois: um estrondo cobria o ar como um manto amedrontador, um hino monstruoso que durou quase um minuto, tempo o suficiente para que Stuchi e Richardison abrissem a porta e procurassem a fonte nas nuvens.
- Isso é um rugido.
O bardo moveu os olhos na direção do professor e não conseguiu mover o rosto na mesma velocidade. Sua expressão era de pura incoerência.
- Começou há algumas noites e cada vez fica mais forte. Porém, é no silêncio que ele domina, então você talvez nunca tenha percebido por isso.
- Eu teria notado se o fim do mundo estivesse rugindo na minha direção.
A porta se abriu e Philipe saiu com uma bolsa e uma garrafa.
- Café para viagem!
- Onde está o menino? - perguntou Richardison espiando dentro do recinto.
- Não sei, entrei na cozinha e quando saí estava tudo silêncio.
- Não acredito que ele simplesmente saiu e deixou tudo aberto.
O bardo entrou no prédio e foi até seus aposentos. Seu baú estava fechado já, mas nem sinal do pequeno Jhon.
- Deixa, eu tranco tudo. Vamos levar o baú para a carroça.
O veículo de Stuchi era confortável. Lá dentro o frio não os açoitaria e com café quentinho teriam uma longa noite de conversas pela frente.
Portas e janelas trancadas, o cocheiro induz o movimento do cavalo. Lá dentro, o baú no centro com as coisas pessoais de Philipe e Richardison, canecas de café fumegante nas mãos, as bocas contavam histórias e relembravam coisas do passado.
De repente, todos ouviram uma batida. E depois uma sequência de outras batidas. Perceberam que vinham de dentro do baú e recolheram as pernas pelo reflexo de assombro.
- Me tira daqui!
A voz familiar de Jhon fez o bardo abrir as trancas confuso.
- Ele me empurrou aqui - o jovem apontou para onde estaria o boneco.
Todos olhavam boquiabertos pensando em como voltar e deixar o menino onde deveria estar, ouvindo aquela desculpa esfarrapada de que Wilkson o havia empurrado.
- Empurrei mesmo! - o boneco se levantou, colocou as mãos na cintura e falou com uma corruptela da voz afetada do bardo - Você não queria vir, nem me colocar na arca, então tive que forçar.
Agora todos olhavam para as canecas de café em suas mãos imaginando o que de ilícito boiava no líquido.
- Nada de errado até então. Nunca ouviu falar de fantoches mágicos? Você deu tanta importância a mim a sua vida inteira que me tornou real. Você não existe mais sem mim, sou sua cara-metade de vida e criação.
O bardo ouvia tudo como se fosse um corpo sem alma, inerte e fitando o corpinho de madeira passando uma perna e depois a outra para sair do baú, caminhando até seus pés.
- Infelizmente, você me guardava em locais inadequados, como o banheiro. Não se importava com meus sentimentos, quanto mais com meus sentidos.
- Eu sinto muito, especialmente nos dias de sopa de feijão vermelho.
O boneco abraçou-se com o que seria uma cara de choro, dor e sofrimento. Mas nem eu que estou narrando essa história posso dar mais informações sobre o que ele viu, vamos voltar pro dragão que vai destruir o mundo.
Como não poderiam voltar, o jeito seria levar o menino e o boneco consigo e decidir o que fazer com eles no castelo. Foram horas de conversas alucinadas sobre como Wilkson via o mundo, como conversava em segredo com Jhonatan e como corria pela madrugada e fazia Richard e Phillipe colocarem ratoeiras na expectativa de flagrar os invasores. Para um fantoche, ele era bem espertinho.
A conversa chegou no tema mais esperado. O garoto e o fantoche, sentados ao lado de Stuchi, apertados naquele banco, queriam saber o que era o tal Tocuslav.
- Um legendário ser. A lenda fala de um enorme monstro alado, visto poucas vezes por viajantes das regiões montanhosas, cujas descrições se resumem em “grandioso, assustador e divino”.
- Como um monstro pode ser divino? - o garoto perguntava.
- Divino é por estar além da consciência humana - retomou o bardo - lembro de quando li a primeira vez um poema sobre sua existência. Aqueles versos plantaram o sonho de ver na minha frente o impossível, quem sabe um dia testemunhar.
Sob o olhar estático para a janela do bardo, o horizonte de florestas deu lugar a pequenas vilas e depois pessoas. Estavam entrando na cidade e em minutos, uma multidão efervescia o mercado central e desenhava insistentemente trilhas de pegadas sobre a neve que agora caia moderadamente, mas não o suficiente para evitar que a população saísse de suas casas.
Pararam em frente a um enorme portal com detalhes definidos, sinuosos e coloridos. A entrada do castelo parecia a entrada de um novo mundo. No arco, registravam-se narrativas heróicas e a presença de deuses e deusas. No alto, uma figura feminina sem rosto. Nesse reino, a coroa sempre passava entre rainhas, os reis eram provisórios na ausência delas. Tudo retomando a lenda da Corajosa.
- Tocuslav está intimamente conectado à hierarquia desse lugar. Dizem que há muitos séculos, o dragão, enquanto bebê, foi cuidado e criado por uma jovem. Ele cresceu, cresceu, cresceu até que, de enorme que ficou, teve que ser expulso do reino. A jovem fugiu atrás dele, pois ele era seu grande afeto no mundo. O pai dela entendeu que ela tinha sido sequestrada e mandou uma tropa atrás do monstro. Mataram o primeiro dragão que encontraram e trouxeram à presença do rei que, aterrorizado, viu o ser se transformar em sua filha na frente de todos, nesse mesmo mercado. A jovem usou magia para ludibriar a guarda real e proteger seu amigo.
Stuchi fez uma pausa, parecia que esperava que as paredes contassem o restante da história.
- O rei, envergonhado, fez do cadáver da princesa a rainha, e por direito a irmã dela mais nova foi coroada em razão da morte da primeira. Desde então, somente mulheres assumem o trono de verdade.
Começaram a caminhar portão a dentro. Phillipe à frente guiando os guardas que levavam o baú. Stuchi conversando com Jhon e Richardison carregando o eternamente sorridente Wilkson, o que fazia sua espinha gelar.
- Continue andando sem levantar suspeita. Pare de agir como se fosse um refém - o boneco falou sem mover muito a boca.
Que espetáculo. Aquele salão esbranquiçado era o mais próximo de uma arquitetura celestial que aquela tropa chegaria. As colunas tinham riscos alfabéticos em relevo e havia uma grande fonte de água cristalina que, como um tapete aquoso decorado de peixes raros, guiava os andarilhos para a sala do trono. O próximo ambiente era digno de receber um deus.
Todavia, era o rei, um homem comum adornado por uma coroa, que sentava naquele objeto dourado e conversava com quem devesse ser o astrólogo.
- Há cinco dias! Cinco dias ela ficou assim, cinco dias faz que ouvimos os sons...
A majestade ordenou que o homem se calasse enquanto desviava o olhar para o grupo que chegava. O astrólogo também virou-se.
- Majestade, eis meus amigos e companheiros de longa data.
Stuchi era sempre tão cortez. Fez uma saudação um passo à frente dos demais para que soubessem como agir perante o rei. Richardison colocou Wilkson de pé e dobrou seu corpinho.
O astrólogo não tirou o olho do boneco, na verdade, fitava-o com um olhar curioso, pois sabia que ali havia algo estranho. Esse olhar seguro foi surpreendido quando Wilkson levantou o rosto e deu uma piscadinha marota, ao que o bardo puxou-o por um braço e colocou no colo desajeitadamente, como se fosse o final de um espetáculo. O rei achou incrível como o homem e o boneco pareciam tão independentes e ficou pensativo procurando o mecanismo de controle, sorridente e esperançoso de uma apresentação mais tarde. E depois entristeceu o semblante:
- Ela adoraria ver também.
Antes que perguntassem qualquer coisa, o homem vestido com uma longa bata azulada apontou para o professor e caminhou com o dedo em riste:
- Você tinha a função de trazer especialistas e não palhaços para a corte.
Stuchi calmamente pôs a palma da mão sobre o dedo acusador e moveu para baixo. Sorriu cinicamente e seguiu na direção do rei:
- Esses são Philipe, Richardison, Jhon e, para sua curiosidade, o pequeno Wilkson.
O anterior interlocutor forçava a voz para demonstrar espanto:
- Um ventríloquo, um fantoche porcamente talhado, uma criança e um… - não achou adjetivo pejorativo para o Lopes, apenas sorriu e fez um som de desgosto - acha mesmo que eles têm alguma função que eu não consiga resolver?
- Certeza!
O astrólogo bufou, seguiu a passos pesados pelo corredor e sumiu por uma porta, deixando para trás a comitiva.
- Boas-vindas calorosas, não? - Philipe comentou.
- Como ela está? - Perguntou o professor direcionando-se para o rei.
- Venha!
Caminharam por novos corredores ornados com pinturas das mais variadas. Pessoas, natureza e sonhos em telas. Subiram uma escada cujos degraus tinham esculturas de seres mitológicos e chegaram até uma porta pesada.
Dentro, um quarto. Uma cena que poderia inspirar romances e poemas. O coração do bardo quis cantar a imagem da rainha sentada ao lado da cama, banhada pela luz matinal de inverno, brilhando como um pedaço de outro mundo com aura maternal. Na cama, uma menininha. Não mais que seis ou sete anos. A tristeza da rainha desenhava um sorriso delicado. Concentrada, nem se perturbou com os visitantes.
Mais três mulheres estavam no quarto, uma delas correu para perto do rei:
-A febre reduziu, majestade.
O homem encarou-a e sem nada dizer caminhou na direção da cama. Ela, por sua vez, lançou um triste olhar para o professor penalizada e saiu do quarto seguida das outras duas servas.
- Ela passou um dia inteiro olhando o horizonte. Como que esperando algo, qualquer coisa que sua infantil imaginação pudesse lhe oferecer. Ela sussurrava que não tinha medo de nada quando a mãe se aproximava e sempre repetia que era corajosa, muito corajosa. Foi então que antes de dormir ouvimos o primeiro estrondo, como um raio partindo a terra em pedaços, um som metálico tão denso que parecia nos tocar. Ela foi para a cama, dormiu e desde então está assim. Cinco dias sob as preces da mãe.
O bardo deu alguns passos e ajoelhou-se ao lado da cama. Sobre a perna esquerda, colocou Wilkson e encaixou nas mãozinhas uma pequena gaita. Esperava que o boneco soubesse o que fazer depois de tantos anos de espetáculo. Como mágica (e era inexplicável mesmo), o boneco levou a gaita à boca e um som saiu, ritmo cadenciado acompanhado pela voz do bardo que, pela primeira vez em frente aos seus companheiros, mostrou-se delicado e cantou de verdade, sem querer fazer rir, mas querendo embalar.
A rainha era uma perfeita Deméter enlutada pelo sequestro de Perséfone, esperando ansiosamente o retorno da primavera, quando poderia carregar a filha ao colo novamente. Tão doce era a imagem que inspirava o bardo em sonetos espontâneos como nunca presenciaram.
- Os alinhamentos não mentem - as cabeças das pessoas que ainda estavam em pé próximo à porta viraram - Não que eles signifiquem algo sozinhos, mas são eventos que se acompanham de outros eventos.
O astrólogo desviou o olhar da cama e encarou os convidados.
- Meu nome é César. Sou o consultor de confiança do rei há alguns anos, desde quando fui encontrado fazendo serviços esotéricos em uma estalagem.
- Estranhei seu comportamento mais cedo - interrompeu Stuchi.
- No meio de tanta coisa, ainda há algo que estranhe, professor?
- Tem algo a nos dizer?
Após a afirmação, Stuchi, Philipe e Jhon seguiram César para seus aposentos, que mais pareciam um laboratório. Nas mesas, diversos globos e instrumentos, mas nada se comparava ao imenso quadro negro com pontos brilhantes que poderiam ser movidos.
- Essa conjunção não se via há 700 anos. Tempo que remonta à lenda inicial de Tocuslav. Dizem que a repetição do comportamento estelar no céu significa repetição de eventos na Terra.
- E que evento seria esse? - Era a voz pontuada de Philipe.
César encarou o mapa em busca de uma explicação.
- As pessoas voltam às vezes. Voltam para viver novamente o que precisam viver, voltam para viver pela primeira vez o que precisam aprender.
- Mas o que isso quer dizer?
- Há séculos, sob este mesmo céu, a princesa Aileen foi coroada morta após o incidente com Tocuslav. A coroa passou para sua irmã mais nova, que tinha na irmã mais velha o exemplo de força e valentia mais marcante que em qualquer cavaleiro do reino.
- A Dinastia de Rainhas surgiu porque o rei desistiu do trono?
- Sim, e desde então nenhum homem foi considerado digno pelas gerações de ter nos lábios das palavras finais no reino. Toda força política, econômica e bélica provém da vontade da Rainha, uma vez que foi uma Rainha que protegeu o reino há séculos desse monstro.
- E quem disse que ele era o monstro? - uma voz infantil rompeu o discurso - por tudo o que contam, a princesa e o dragão se davam bem.
- Correto - continuou o sábio - e mais correto seria pensar que o rei tirou Aileen do dragão.
- E agora ele vem buscá-la - Philipe caminhou alguns passos com os olhos cravados no mapa - é uma nova chance de ter sua amiga perto.
- Sim, isso mesmo. É isso que penso. Tocuslav, onde estiver, sentiu a presença do espírito de Aileen e ele se aproxima para levar a Rainha para si.
- E a criança?
- A menina está sofrendo os efeitos dos alinhamentos, creio.
As reflexões foram arrebentadas por um estrondo como o da madrugada. Correu os céus como uma serpente invisível e fez tremer o solo. As pessoas tiveram que se segurar para não cair.
O rei correu para a janela junto com o bardo procurando a fonte do barulho. Tudo o que viram lá de cima foi pessoas correndo, algumas chorando, a loja de tecido em chamas por conta da queda de alguma lamparina e vasos no chão. No horizonte, dentes invisíveis rosnavam pulsantes e ferozes, dava para sentir o olhar que mirava o castelo, o mesmo castelo, o mesmo reino de séculos atrás.
(Continua na próxima chicotada...)