Capítulo II — Pesadelo Incandescente
Desde aquele dia, muito aconteceu no mundo de Terrástria...
A rebelião contra o Império Avelissano, iniciada por Edmundo, Maristela, Ricardo e Adriana, deixou fortes repercussões no mundo, mudando para sempre o curso da história.
Por quase dois séculos, o mundo viu o Império Avelissano construir e consolidar sua hegemonia. A Casa de Merôndia, da qual Adriana descende, sempre fez tudo o que pode para sobreviver e prosperar, sem pensar em qualquer moralidade. Como consequência dessa sede por poder, a Árvore de Mana começou a morrer, trazendo todo o tipo de calamidade para Terrástria. Com a rebelião realizada e a família de Adriana morta, Terrástria parecia recuperar suas forças, porém não por muito tempo. As outras superpotências, o Sacro Império Ladissano e o Império Popular Midorelfórmico, viram nessa rebelião um sinal de fraqueza, uma oportunidade para reunir as outras casas patrícias e desafiar a hegemonia avelissana, derramando sangue em mais uma guerra nascida da ganância e do egoísmo.
Frederico, filho mais velho de Adriana e Ricardo, teve participação ativa na Rebelião, ajudando os pais a protegerem a Árvore de Mana. Entretanto, após a rebelião ele decidiu por partir para a Academia de Magia e Filosofia de Alvanista, um reinos mais prestigiados da Confederação Bassiliana, por esta ser o lar da Casa de Alvanista.
A Casa de Alvanista é uma das que mais se destaca entre as casas patrícias. Os pais fundadores, ao construir sua capital, optaram por construir uma Academia ao invés de um mero palácio. Nessa instituição, todos poderiam livremente poder estudar e discutir o que bem quisessem. Seja Magia ou Filosofia, tudo era possível na Academia Real de Alvanista. Nesse reino, o rei e a rainha são também os reitores da Academia, liderando as grandes prodígios rumo ao crescimento intelectual e a lapidação dos seus talentos. Frederico até então era só mais um deles, porém ele mostrou desde que chegou um talento especial para a liderança, se tornando o capitão da Guarda Acadêmica, uma ordem de cavaleiros focados em proteger a instituição de possíveis ameaças.
Na entrada do templo ecumênico da Academia, um pequenino animante, um ladino elfo alvo e um espadachim tiferino esperavam por seu amigo. Seja por dentro ou por fora, o templo era belíssimo, apesar de aparentar uma aparência mais simples. No topo do portão principal, estava um afresco representando todos os deuses, que reverenciavam o grande Olho da Providência, por onde Olodumaré observava o progresso da sua criação.
Assim que Frederico volta de suas orações, depara-se com seus amigos lhe esperando.
O que estão fazendo aqui? — questiona Frederico, surpreso.
Estávamos te esperando para almoçar, Frederico — responde o pequenino clérigo.
Milagre! — responde Frederico, indignado —
Vocês me esquecem com uma facilidade absurda.
Porque você geralmente está ocupado, aí a gente só induz mesmo — responde o espadachim tiferino.
Ainda bem que sabem — responde Frederico, rindo —
Isso que dá confiar na indução.
Concordo plenamente — responde o pequenino animante —
Dito isso, vamos comer?
Vamos.
Assim que os quatro iniciam sua caminhada, aproxima-se deles uma elfa alva umbromante, cansada de tanto correr.
Laura! O que houve? — questionava o ladino elfo alvo, preocupado com sua amada.
Ariel? Finalmente achei vocês! — responde Laura, tentando recuperar sua respiração —
Bandidos estão atacando a Academia, em um número muito grande. Parece um exército, se organiza como um. Lorde Edmundo e Leide Maristela já estão no campo de batalha, mandaram-me chamar vocês.
Certo — responde Ariel, determinado —
Estaremos lá.
Um exército de bandidos, você diz? — questiona Frederico, visivelmente intrigado —
Isso é muito estranho, mas ultimamente tudo tem estado muito esquisito, então eu nem questiono mais.
E assim prosseguem os quatro em direção a entrada da Academia, sendo guiados por Laura. Assim que chegam, já são recebidos por Maristela, rainha de Alvanista.
Que bom que chegaram, precisamos que liderem a guarda enquanto eu e meu marido defendemos a entrada. Bandidos não param de surgir!
Tudo bem, professora — responde Frederico, calmamente —
Iremos imediatamente.
A batalha será penosa, preciso que sejam fortes. Vou considerar isso como a avaliação final de vocês — responde a mestra espadachim, de maneira jocosa.
Eu espero mesmo, pois vamos ter que usar tudo que aprendemos pelo jeito. Na melhor das hipóteses, o maior problema vai ser o número de inimigos.
Sim, por enquanto esse é o problema maior. Por isso vocês precisam estar atentos para não serem atacados pelas costas.
Sim, senhora — responde Frederico, que marcha para o campo de batalha.
E assim a batalha começa, com Frederico liderando a guarda e seus amigos contra uma horda de bandidos. O capitão então reparte suas funções com seus amigos, delegando uma função a cada um.
Clemente! Já que não gosta de violência, você vai cuidar da saúde do pessoal — delega o capitão tiferino ao pequenino animante, de forma amigável —
Evite que a gente morra ou se machuque gravemente.
Sim, senhor — responde Clemente de forma diligente.
Laura, você e Ariel cuidam da retaguarda e da artilharia — delega Frederico ao casal de elfos alvos —
Façam quem ousar nos atacar por trás se arrepender.
Pode deixar com a gente, Frederico — responde Ariel, que se prepara para atacar.
Bandido frito no capricho! — responde Laura, fazendo piada.
Laurêncio, você vem comigo para o front — delega Frederico ao tiferino espadachim —
Afie a sua espada.
Opa, aí eu vi vantagem — responde Laurêncio, animado —
Bora quebrar umas cabeças.
Frederico então monta em seu canídeo, um cachorro gigante, dando início ao avanço dos cinco.
Confio em você para me ajudar nessa batalha, Mário — responde Frederico, fazendo carinho em seu canídeo —
Marchemos!
Em meio a batalha, surge uma cavaleira mágica. Seu cabelo ruivo e uniforme militar eram inconfundíveis, e logo ela foi reconhecida.
O que minha irmã está fazendo aqui? — questiona Laura, preocupada.
A Lavínia, aqui? — questiona Ariel, confuso —
Por que a sua irmã viria à Academia? Será que ela veio proteger a irmãzinha dela?
Não sonhe, Ariel. Minha irmã tem algum motivo oculto para estar aqui.
Então foi nisso que se transformou o apavorante Frederico, o Açougueiro da Nobreza? — questiona Lavínia mentalmente, decepcionada —
Patético. Parece que terei que mostrá-los como como se vence uma batalha fácil e rapidamente, talvez assim desperte de novo o prazer assassino que compartilhávamos outrora.
Os bandidos percebem a presença de Lavínia e partem para atacá-la. Lavínia começa a gargalhar com um prazer inexorável.
Quem será o primeiro insolente a tentar me enfrentar? Eu não posso, nem devo, esperar muito de bandidos sem nome como vocês. Sintam o fogo decadente devorar suas peles frágeis! Seus gritos serão música para meus ouvidos!
Lavínia então encanta o feitiço Focum Caeruleum, a relíquia sagrada da Casa de Beurália, sua família patrícia. Várias chamas de fogo azul então saem do seu orbe, passando de um braço a outro até suas mãos. Lá, as chamas se concentrarem em um grande cometa azul, que entra em choque a terra, incerando tudo que alcança. Os bandidos que sobrevivem se apavoram.
Essa mulher, ela é o Pesadelo Incandescente! Fujam, rapazes! Corram por suas vidas!
Lavínia gargalha ensandecidamente, chibateando aqueles que tentavam escapar com seu chicote flamejante.
Não ousem fugir de mim, vermes! — responde Lavínia, com um sorriso mórbido —
Eu não terei piedade com covardes! Venham e me enfrentem!
Os bandidos então decidem avançar ainda mais agressivamente contra Frederico e seus amigos, na expectativa que assim conseguissem fugir da fúria do Pesadelo.
Então Lavínia decidiu aparecer para causar confusão no campo de batalha? — questiona Frederico, perplexo —
O pior é que quem vai ter que limpar a bagunça somos nós.
Desculpe-me pela minha irmã, Frederico — comenta Laura, de cabeça baixa —
Eu não imaginava que ela fosse aparecer.
Ela deve estar na seca de sangue, por isso está aproveitando a oportunidade. Não precisa se culpar por isso, Laura.
Tudo bem, Frederico.
E agora, com a presença de Lavínia, a batalha se torna mais intensa. Os bandidos tentam a todo o custo fugir da cavaleira, avançando contra Frederico e os outros sucessivamente. O terreno que a Guarda estava alcançando logo teve que ser recuado devido ao volume de inimigos. Maristela e Edmundo tiveram que ajudar de forma mais presente, defendendo a Guarda e a Academia dos bandidos que brotavam.
Fazia tempo que não víamos um desafio assim, certo Edmundo?
Quantos anos que não lutamos em uma grande batalha, Maristela? — questiona o rei elfo alvo —
Um ou dois talvez?
Acho que por aí. Eu não estava sentindo falta — responde a rainha elfa alva.
Eu também não — responde Edmundo, resignado —
Mas as vezes precisamos obedecer ao chamado.
Certamente, então vamos mostrar a esses bandidos quem manda.
Depois de algumas horas, a batalha estava vencida. Frederico e os outros logo partiram para questionar Lavínia, querendo entender o motivo de sua presença.
O que você está fazendo aqui, Lavínia? — questiona Frederico, incomodado.
Ué, tem algum problema uma ex-aluna vir visitar sua antiga escola?
Todo mundo sabe que você não veio por isso, seja breve.
Nossa, pelo menos com as palavras você continua bem afiado — responde Lavínia, provocando ainda mais a fúria de Frederico —
Pois bem, serei breve: vim por conta disso aqui.
Lavínia então entrega a Frederico uma carta de Ricardo e Adriana, seus pais.
Como você teve acesso a isso?
Estava passando pelo meu território, preferi então entregar pessoalmente. Saber se a sua espada é tão afiada quanto a sua língua. Vejo que não, considerando o seu esforço para derrotar esses bandidos.
Deveria estar feliz então — responde Frederico, indignado com o insulto —
Aparentemente eu não sou mais uma ameaça para você.
Eu nunca fico feliz de perder uma chance de me desafiar, é como perder uma presa que morreu por causas naturais. É sempre tão mais prazeroso ver o inimigo morrendo nas minhas mãos.
Frederico começa a se irritar novamente, Clemente então intervém.
Obrigado pela entrega, Lavínia. Já pode ir.
É uma pena, nunca pensei que veria o Açougueiro de Mesládria se segurando para não pular no meu pescoço. Talvez para alguém racional como Clemente isso deva ser algo para se orgulhar — responde Lavínia, entediada —
Bem, deixo minha irmã com vocês, talvez ela aprenda algo útil nessa vida patética de umbromante dela.
E assim Lavínia deixa a Academia, cavalgando de volta para Beurália.
Obrigado, Clemente. Eu não sei se teria aguentado.
Tudo por um amigo, Frederico. É bom ver que está aprendendo a controlar o seu temperamento.
Graças a boa convivência, apesar de que vocês me tiram do sério às vezes.
Mas nada que instigue esse instinto assassino e justiceiro seu — responde Laurêncio, se intrometendo na conversa —
Isso é bom, significa que nenhum de nós aqui está fazendo algo realmente imoral.
Frederico então abre a carta, divulgando aos amigos seu conteúdo em poucos minutos.
Mesládria está em chamas? Como assim? — questiona Ariel, ao ouvir as palavras do amigo.
Pelo que está escrito aqui, criminosos e insurgentes estão dominando Mesládria, instigando o povo a se revoltar contra o reinado da minha família. Meus pais estão pedindo para que voltemos e ajudemos a resolver a situação, ou que fujamos com eles caso ela fique muito crítica.
Pela Deusa, eu percebi que essa onda de crimes e rebeldia veio se espalhando por todo o continente — responde Laurêncio, preocupado com o amigo —
Isso me cheira a tramoia, a mais uma conspiração.
Verdade, isso eu vou ter que avisar aos meus pais. Outra coisa que eles pediram é que eu fosse ver o estado da Árvore de Mana, parece que eles não vão poder ir, visto o momento que eles estão passando.
Seus pais se preocupam bastante com a Árvore — comenta Clemente, ouvindo a conversa.
Todos deveriam, querendo ou não — responde Frederico ao seu amigo —
Agora vou avisar o professor Edmundo para que a gente possa partir amanhã mesmo.
Vai lá então Frederico — responde Laurêncio, com um tapinha nas costas de Frederico —
Se precisar da gente, estaremos aqui limpando a bagunça da Lavínia.
E assim Frederico acena para seus amigos, partindo então para avisar seus professores. O jovem tiferino suava frio diante da sua situação,
mas estava decidido a começar essa longa jornada de volta para casa...