🤔 Para Refletir :
"O mais importante não é a história, mas como você conta ela."
- FL

Aplicando 間 no Level Design

Jazz Masculino

Saiyajin
Membro
Membro
Juntou-se
01 de Julho de 2015
Postagens
1.361
Bravecoins
1.691
Área
Sonoplastia
Motor de jogo
RPG Maker 95
O conceito de 'ma' (間) pode ser entendido como a utilização intencional do espaço, do vazio, do silêncio. Essa é uma definição que pode estar meio enviesada, já que é um conceito que não faz parte da minha cultura (pois não sou japonês).

Mas eu acho um conceito interessante, e com ele em mente, tentei fazer um exercício criativo.

1 - Gerei um mapa aleatório através do FlowScape e posicionei meu 'personagem' e a torre (objetivo)

2 - Criei um espaço 'vazio' claro entre os dois objetos.

3 - Encontrei outras oportunidades de trazer mais espaço no mapa, mais 'ar para respirar', estava com muitas árvores, pedras etc. (geradas proceduralmente).

Ao longo do exercício, tentei deixar somente o essencial para transmitir a mensagem de 'vá para a torre'. Troquei o 'candy' da torre da fogueira para o unicórnio kkkkk. E coloquei uma iluminação intermediária no caminho.

A intenção foi tentar trazer um pouco de storytelling para a cena, mas não através da utilização 'excessiva' de elementos, e sim focando em elementos essenciais para trazer a base da experiência no 'level'.

Não é um nível de jogo de verdade, o FlowScape é justamente uma ferramenta para se exercitar a criatividade e 'pintar' cenários 3d.

Não sou muito habituado com o universo do 3d, mas fiquei interessado neste conceito (de 'ma'), e tentei exercitar um pouco a criatividade.

Sobre estes mapas: Acha que o mapa ficou funcional? O que você mudaria e/ou faria diferente? Já ouviu falar sobre este conceito (間) antes?
 
Última edição:
Não tinha ouvido falar desse conceito específico, mas acho que dá pra relacionar ele ao bom e velho "despolui essa tela aí". Se seu jogo/aplicativo/sistema tiver elementos demais ao mesmo tempo na tela sem espaço em branco pra dar um "respiro" ao usuário, certamente ele vai se sentir meio mal.

Quando ao mapa, eu achei que ficou melhor a última versão sim. Talvez adicionar um pouco mais de verde e arbustos nessa estrada, só pra não ficar tão óbvio que esse caminho foi limpo pra indicar o objetivo ao jogador.
 
Fala, meu mano @Eranot o/

Obrigado pelo comentário. Realmente, dá pra relacionar ele com o conceito de "despolui essa tela aí". Tenho a impressão dele estar relativamente ligado à outras filosofias que são presentes na cultura japonesa, como o Minimalismo e o Zen. Mas nada que de certa forma a gente não tenha tido contato através de outras práticas e culturas (não-japonesas, por exemplo).

Sobre a parte de adicionar mais verde no caminho, foi algo que realmente me peguei pensando algumas horas depois...

Eu realmente defini objetivos bem diretos para o mapa [esqueleto, torre; deve existir um caminho claro entre os dois objetos].

Mas não me questionei muito sobre qual seria o storytelling do cenário: é um checkpoint para se aproximar de uma cidade? É uma estrutura fantástica feita por algum deus do universo do jogo? É uma trilha que outras pessoas e/ou esqueletos fazem com frequência?

E daí fica difícil escolher entre colocar mais mato ou menos mato no caminho -- se seria algo limpado 'divinamente', ou se pessoas vão com certa frequência no caminho para limpá-lo, ou se na verdade é de fato um lugar abandonado e portanto à mercê do crescimento natural da flora (kkkkkk).

Enfim, me diverti fazendo; mas realmente sua sugestão é um ponto a ser considerado nas próximas iterações (deste ou de outros mapas).

Obrigado! o/
 
Ooopa, mano @BENTO ! Obrigado pelo comentário.

Olha, vou ser honesto, não conhecia o canal Praise the Game, mas muitíssimo obrigado por apresentá-lo. Acabei de assistir o vídeo que anexou aqui no comentário, Bento. Sensacional!!

Vou acompanhar os outros vídeos também. Qualidade top demais! =D
 
Caraca, nunca tinha pensado num negócio desse antes. Sempre tentei colocar o maior número de elementos nos mapas que faço lá no RPG Maker. Vou tentar aplicar esse conceito a partir de agora.
 
Opa, mano @Suchimu! Que legal que a discussão te trouxe algumas ideias pra aplicar aí.

Conforme você fizer algumas alterações e experimentos, traga aqui pro tópico o/ vai ser interessante aprender e observar como você aplicou o conceito também! =)
 
Caraca, nunca tinha pensado num negócio desse antes. Sempre tentei colocar o maior número de elementos nos mapas que faço lá no RPG Maker. Vou tentar aplicar esse conceito a partir de agora.
Uma coisa é mapa 2D e outra mapa 3D.

No 2D, se for fazer vazio (que é diferente de ter algo minimalista), teria que colocar uns padrões interessantes no chão (como oceano que é animado) e mesmo assim não daria pra deixar muito vazio. Um erro que eu tive no jogo que fiz em 2009 foi querer colocar uma versão 2D do Hyrule Field do Ocarina of Time. Eu não lembro de mapas 2D vazios nos jogos. Mesmo os mapas principais (World Maps) tem muitos elementos.

Exemplo de mapa minimalista:
800px-Kanto_Route_15_FRLG.png
Considere que tem muitos NPCs no meio, mas mesmo assim nem é tão bonito assim.
 
É @FL, agora que você mencionou, realmente os mapas 2D em sua grande parte são bem densos e detalhados... não me recordo de muitos exemplos interessantes de mapas com uma pegada mais 'minimalista' (talvez nenhum de cabeça, kek). Dá uma boa discussão essa questão que você levantou aí! =)
 
Conhecia o conceito de Ma graças ao Hayao Miyazaki e o Studio Ghibli. Inclusive tem um vídeo bem interessante sobre o tema:


Embora eu nunca tenha trabalhado propositadamente com este conceito, no que diz respeito à criação de um roteiro, acho muito necessário que haja um "espaço", um "silêncio" entre certos diálogos e cenas, mesmo que durante esse intervalo de tempo não aconteça nada relevante. Vejo utilidade nisso seja para mudar o tom entre as cenas, seja para se expressar os sentimentos dos personagens, ou até para se criar expectativa sobre o que virá depois. Mas confesso que nunca havia pensado na aplicação disso em level design, onde sou muito inclinado a trabalhar com a ideia de densidade.
 
Uma anedota clássica de baterista:

Bill Bruford, um baterista bastante celebrado que fez parte de vários projetos importantes do chamado rock progressivo, estava participando de uma banda chamada King Crimson no começo dos anos 70.
Conhecido por sua veia extremamente experimental, o grupo estava gravando um disco feito com peças totalmente desenvolvidas em apresentações ao vivo. Numa dessas sessões, enquanto o resto do grupo começava a improvisar melodias, Bill ficou aguardando pacientemente o momento de entrar na música. Ele aguardou, aguardou e aguardou... e não tocou nada até o fim, porque sentiu que a canção funcionaria melhor sem percussão. Resultado: ganhou créditos como co-autor da música pela decisão de não tocar nota nenhuma. O nome da canção se chama "Trio":


Vale lembrar que isso é bem famoso na música - a ideia de que o espaço entre notas é tão importante quanto elas próprias, como diz o vídeo que o Jotasage postou - mas isso vale pra todo tipo de expressão.

Quando se é jovem - com pouca bagagem emocional e experiência de vida - tudo se resume a técnica. O bom músico é aquele que consegue enfiar o máximo de notas num compasso. O bom desenhista é aquele que consegue reproduzir uma imagem com o máximo de fotorrealismo. O bom escritor é prolixo, usa palavras difíceis ou os sinônimos mais obscuros possíveis. E como não poderia deixar de ser, o bom projeto é aquele com 27 sistemas diferentes, 40 minigames, uma lore digna do Senhor dos Anéis com centenas de horas de conteúdo, gráficos totalmente customizados e efeitos de luz explodindo em todos os cantos dos mapas e da tela. E quando você se torna mais velho, as coisas se tornam um pouco mais complicadas do que isso.

Eu interpretaria esse conceito nem tanto como o vazio "literal", mas como um grande apelo à simplicidade. Essa é a perfeição que se atinge não quando não houver mais o que adicionar, mas quando não se tem mais o que tirar, quando todo elemento que está ali é indispensável pra obra. Um conceito que aliás não serve só pra arte, mas pra ciência também, em que existe negócio chamado Navalha de Occam.

Será que aquela cena de um personagem X contemplando uma paisagem é mesmo "irrelevante"? Ou é a mais relevante de todas, porque consegue comunicar o sentimento desejado da forma mais natural possível e sem precisar trazer as emoções pra um nível racional através de pilhas de diálogos ou situações expositivas?

Pra fechar a ideia voltando ao mundo da música - que também gosto tanto - com outro baterista dos meus favoritos, um cara chamado Gavin Harrison. Parafraseando algumas de suas ideias mais interessantes, um músico é menos um "atleta" e mais uma espécie de "cozinheiro". A intenção não é ser o mais rápido ou o mais forte de todos. A intenção é preparar um bom prato - cuja falta de tempero certamente atrapalha, mas o excesso dele também. Use uma ideia, frase ou virada musical no momento certo, e ela fica linda. Use a cada dois compassos na música inteira e você acabou de matar o impacto dela.

Seja músico, escritor, gamedev ou o que for. Saber usar o "espaço", o "vazio", ou o "silêncio" é saber tanto o que fazer quanto o que não fazer.
 
Última edição:
@Jotasage
Curiosamente, cara, eu recentemente consumi um desses vídeos de "Ghibli + Ma". Maneiro! XD

Interessante você comentar a questão da densidade, e eu também tenho uma inclinação para esse traço. Por conta da questão que o @FL levantou sobre os jogos 2D anteriormente, talvez?

Concordo com a ideia do 'respiro' nos roteiros; e no caso do Level Design, às vezes até uma sala pra contemplar umas obras de arte já ajudam no respiro também:

1718031399474.png


Nessa sala do Bloodstained; não tem boss fight, não tem inimigo, não tem item. Tem a cadeirinha pra sentar, a obra de arte, e as music box que dá pra vc interagir e deixar tocando.

Acho que também vale como um 'respiro' intencional de Game/Level Design, considerando a gameplay mais frenética do jogo.

@Paradiddle
Mano baterista, que exemplos maneiros!

Eu tenho certeza que trombei com essa história do Bruford antes, mas não me lembrava dela (nem dele kkkk). Vou até colocar esse álbum pra ouvir e conhecer melhor o trabalho dele(s) depois. :D

Um ponto relevantíssimo que você trouxe foi o da Navalha de Occam; é fascinante como alguns assuntos se entrelaçam dessa forma.

Conceitos como o da Navalha, o Minimalismo, Ma, entre outros, realmente buscam fenômenos e sensações em comum. Só tem formas diferentes de comunicar e organizar suas ideias específicas em torno dos temas mais 'universais'.

Obrigado pela partilha, mano! o/

7db24b01a8ba90ab48a448d01f32aa60.gif
 
Penso que a filosofia de game design que melhor se utiliza do conceito de "Ma" seja o design por subtração, concebido pelo Fumito Ueda, autor de Ico, The Last Guardian e, é claro, Shadow of The Colossus. Em SotC o vazio, a ausência e o silêncio estão lá não para marcar uma falta, mas para comunicar algo ao jogador, como o sentimento de profunda solidão e introspecção contemplativa que acompanha o protagonista (e o jogador) ao longo de toda sua jornada.

E, obviamente, essa filosofia também foi adotada por outros desenvolvedores, sobretudo japoneses, estando presente em obras até que bastante díspares. A série Souls, de Hidetaka Miyazaki, é um exemplo de peso nesse quesito. Suas grandes paisagens vazias, como Anor Londo, exprimem a decadência e a morte que corroeram aquele mundo outrora pungente e vivo. Para onde se olha, há tão somente os resquícios de um império cuja grandeza se foi há muito, muito tempo. A luz abandonou aquelas terras e as sombras se avolumam.​

1718148761824.png

Mas também posso citar aqui Nier: Automata, de Yoko Taro. Caminhar entre as vastas ruínas deixadas pelos humanos trazem consigo um misto de sentimentos: a solidão de um mundo abandonado; a melancolia ao contemplar os rastros de uma guerra que só produziu destruição, sofrimento e morte; mas também uma estranha beleza entranhada nesses fragmentos do passado, agora tomados pela natureza e habitado por novas formas de vida que estão, à sua maneira, tentando seguir em frente apesar de tudo.​

1718148904869.png

Por fim, vale ressaltar que o "vazio", conceito tão caro ao budismo (mas também ao xintoísmo japonês) em suas mais variadas vertentes, possui uma diferença antropológica fundamental com relação à sua contraparte ocidental. Aliás, "vazio" sequer é uma tradução adequada. No budismo, por exemplo, há toda uma discussão, de natureza filosófica, de que a tradução mais adequada para esse conceito seja o termo "vacuidade". Na tradição filosófica ocidental, salvo exceções, o "vazio" é entendido como pura ausência, como falta: o nada, o não-ser. No entanto, para o budismo, o "vazio" não é uma mera ausência. O vazio é alguma coisa, ele tem "substância". Não o nada, o não-ser, mas a natureza mesma de todas as coisas, o fundamento da realidade. Mingyur Rinpoche, mestre budista de tradição tibetana, por exemplo, diz:​

“O senso de abertura que as pessoas vivenciam quando repousam suas mentes é conhecido nos termos do budismo como vacuidade, que é provavelmente uma das palavras mais mal-entendidas da filosofia budista. Já é difícil para os próprios budistas compreender o termo, mas os leitores ocidentais têm ainda mais dificuldade, já que muitos dos primeiros tradutores dos textos budistas em sânscrito e tibetano interpretavam a vacuidade como “o Vazio” ou o nada — erroneamente relacionando a vacuidade com a ideia de que nada existe. Nada estaria mais longe da verdade que o Buda buscava descrever."

Então, para entender minimamente conceitos como "Ma", é preciso ter em mente que esse "vazio" ao qual ele remete não é aquilo que nós, ocidentais, entendemos como tal. Mesmo na pintura tradicional japonesa, o vazio, também chamado de espaço negativo da pintura, é antes de uma simples ausência, aquilo mesmo que nos permite ver a figura, a paisagem. O vazio dá forma, faz ver o que não poderia ser visto de outra maneira. É uma janela. Ele é a possibilidade da própria pintura.
1718150972119.png
 
@BlackCatFM
Cara, que comentário excepcional!

Te falar que eu não conheço a obra Nier, cheguei a ver pouquíssimos minutos de gameplay, mas já fiquei interessado nesse aspecto de storytelling pelo level design da obra, que você ressaltou.

E muito legal as outras conexões que você fez - especialmente sobre a série Souls. Não havia pensado diretamente nestes jogos, mas agora que você comentou, os espaços bem vastos dos jogos são muito bem explorados para criar a estética.

E sobre o Ico e SotC, sem sombra de dúvidas. É uma filosofia atrelada ao ferramental de design que, na verdade, acabou (in)diretamente inspirando todas as obras subsequentes, que buscam princípios semelhantes.

Inclusive, Black, acabei de ler esse artigo aqui, kkkk:

Justamente, quando você citou a série Souls, eu pensei 'caramba, deve ter alguém analisando os paralelos entre as obras do Ueda e a série Souls, né...'

E tá aí, o próprio Miyazaki falando. ausheesuasehuasehuaes.

Top demais! Obrigado pela contribuição e pelos comentários, mano. Aprendi muito - especialmente com a contextualização budista que você agregou. o/
 
Voltar
Topo Inferior