Eu tentei ser didático ao falar que a “A jornada do herói” ou monomito, que foi muito bem explicado, é como frequentemente os escritores de ficção se referem à estrutura de 3 atos. Quando você conversa com alguém da área e fala que sua história é uma “jornada do herói” já fica claro que se trata de uma narrativa em 3 atos. Quando você fala que se trata de uma estrutura de 3 atos, já é implícito que ela se trata da “jornada do herói”. Fora do círculo da escrita de ficção, pode ser que o pessoal seja mais técnico e trate a coisa toda de forma hermenêutica.
Eu vou deixar a cargo do leitor, como exercício, a pesquisa pela definição de estrutura narrativa de 3 atos. Como eu disse antes, a “jornada do herói”, ou estrutura de 3 atos, como preferir, é bastante usual, mas não é a única forma e nem de longe é a melhor.
Particularmente eu gosto da estrutura oriental de 4 atos, o kishotenketsu - que eu uso de forma bastante aplicada na minha novel Kanojo wa daredesu ka. No jogo Sinisekai, eu uso a estrutura do Mundo Estranho, e por sua vez em “The Haunt” eu estou trabalhando a Estrutura da ideia. Então, por mais que “a jornada do herói” seja uma forma funcional de contar histórias, ela é apenas UMA forma.
Reafirmando o que eu disse antes, vejo o clichê como uma saída fácil. Uma fórmula pronta, usada e testada à exaustão e por isso mesmo funcional. Por mais que você gaste massa cinzenta em cima de um clichê, abordando-o de uma forma criativa ou subvertendo-o, é muito mais fácil seguir a partir dele, do que tentar criar algo totalmente inovador e jamais visto (se é que isso seja possível).
Por mais bem narrado que um clichê seja, ele não deixa de ser um clichê. Uma saída muito mais fácil do que uma ideia original. Aliás, você tocou algo que eu defendo em meu livro destinado a escrita ficcional: escrever é muito mais planejar e construir do que um processo de psicografia. Então, se você espera que seu público lhe dê um retorno positivo, um bom planejar é fundamental, use você ou não, algum clichê.
E sendo bem honesto, não há nada errado nisso. Repetindo: eu adoro clichês para criar situações, detesto usá-los como solução. Um mau exemplo do uso de clichê, em minha opinião, é quando a mocinha é colocada em perigo e o protagonista que fez merda a história toda se torna “o grande salvador” e por ela é perdoado (e às vezes pelo público também). Esse é um recurso bastante preguiçoso e que é usado em muitos Manhwas adultos e mangás de romance. Outra obra que faz uso de bastante clichê é
Ore wo Suki Nano Wa Omae Dake ka yo, uma comédia romântica subverte o “protagonista casca vazia dos animes de harém”.
Falando de “o código da Vinci”, podemos concordar que, de fato, o livro vendeu muito. me lembro de quando comprei o meu exemplar nas Livrarias Curitiba, havia além de posters na entrada do shopping e na praça de alimentação, várias vitrines forradas com a capa do livro - o que certamente deve ter custado uma fortuna. Não sei se vocês sabem, mas expor um livro em uma posição de destaque na livraria era algo que a editora tinha que pagar à livraria. Ou seja, a campanha dr marketing do livro do Dan Drown está de parabéns. O livro vendeu muito, mas não podemos dizer que ele possua valor literário.
Vender muito não pode se confundir com qualidade da obra. Se assim o fosse, Paulo Coelho não seria tão duramente criticado, ainda que seja o autor brasileiro mais lido no mundo. Aliás, isso vale para todas as áreas. Como exercício prático, basta tentar procurar qualidade musical nos cantores brasileiros mais “bem sucedidos” de nossos dias.
Ainda sobre o livro do Dan Brown, eu o vi sendo vendido até nos camelôs da uruguaiana (Rio de Janeiro). Relacionando “O código da Vinci” ou qualquer outra obra do mesmo autor, você pode notar que ele segue à risca os 12 estágios da jornada do herói Isso é até passível de um exercício prático. Se você dividir o livro em 12 partes e verificar o que está escrito, vai notar que corresponde exatamente a um dos doze estágios da jornada… Chega a ser tedioso, por que simplesmente tudo (narrativamente falando) é previsível. Mas há quem goste…
E aqui temos um ponto crucial: existe gente que gosta de certas estruturas, modelos, e mesmo clichês. Não à toa jogos como FIFa e Call of Duty faturam milhões todos os anos trazendo poucas mudanças relevantes com relação à sua versão anterior. Não à toa as telenovelas sucedem umas às outras com as mesmas premissas, tramas muito semelhantes e por vezes trazendo os mesmos atores e pasmem: continuam a anos fazendo um sucesso estrondoso.
Quem gosta de comédia romântica, via de regra, sabe o que esperar de um filme com essa proposta e mesmo assim assiste. Por que é exatamente aquilo que a pessoa quer: ter experiências que lhe são familiares. Então, por mais que o clichê seja uma solução fácil (de roteiro) é uma fórmula que agrada ao público.
Aí você pega um filme, como por exemplo, Lost In Translation e percebe que fora de um público mais crítico, a obra da Sofia Coppola não é bem compreendida: A massa esperava uma história clichê com um final clichê e saiu do cinema com a sensação de que “o filme não teve um final”.
Aliás, o seu uso exaustivo pela ficção contemporânea provocou um surto de mesmice principalmente na indústria cinematográfica ao ponto de provocar no espectador a sensação de que “todos os filmes são a mesma coisa”.
Aí “de repente” a gente começou a ver todo mundo aplaudindo uma obra quando ela subverte algum aspecto da estrutura, tornando-a de alguma forma imprevisível. Como é de costume, algo que “faz sucesso” se torna meio que “receita de bolo” e passa a ser copiado e aplicado com a intenção de repetir o sucesso ou se aproveitar “da onda”. E então
Levando isso pro âmbito das comédias românticas
Recentemente tivemos um fenômeno literário chamado “Torto Arado” do Itamar Vieira Júnior, me perdoem pela expressão mas, o livro é foda pra caralho. Mas fora do meio literário, quem leu o livro? Você vai nos mais vendidos da Amazon e vê coisas como “a sutil arte de ligar o foda-se” ou qualquer outro livro de autoajuda. Então não apenas “ser sucesso” é relativo, como isso diz muito pouco, ou quase nada sobre a qualidade da obra.
Como tu me disse que “não entende de anime” e notando que tens uma vocação para assistir obras que são feitas para as massas, eu pediria que buscasse algo sobre animes como Time of Eve, My roommate is cat, Anohana: The Flower We Saw That Day, Flying Witch, Clannad, Amaama to Inazuma, … Essas obras podem lhe apresentar uma forma de contar história que não segue a fórmula dos battle shounens tão difundidos para o grande público (Propositalmente coloquei os títulos em inglês e não em japonês para facilitar busca no google).
Eu não consigo imaginar o que se uma comédia romântica seria uma evolução de Romeu e Julieta, da mesma forma que não sei se um computador é a evolução do ábaco já que entre ambos muita coisa precisou ser inventada. Mas, sim, eu o perdoo.