Era madrugada, os vapores subiam das galerias subterrâneas que abrigavam esgotos cheios de ratos e outros seres rastejantes enquanto uma fina camada de chuva mordiscava as luzes amarelas dos postes do escuro beco por entre os arranha-céus sem fim onde caminhava, eu nunca fui um fã de vagar na imensidão de reino de Orfeu e deixar a solta os pesadelos que habitavam os travesseiros da minha cabeceira, e naquele momento, eu queria mesmo era encher a cara de álcool e entorpecer todos os meus sentidos até que as vozes parecem de uma vez de sussurrar loucuras dentro da minha cabeça.
Olhava fixamente nos olhos turvos da noite enquanto o whisky barato fazia seu show e cobrava a sua estadia no meu corpo moribundo, eu não queria voltar, eles já tinham me atormentado o suficiente por uma noite. Agora eu precisava não pensar mais sobre tudo que aconteceu, nem que fosse por apenas um segundo.
Sinto olhares me perseguindo por entre as sombras, como se lambessem cada passo e me agarrassem com línguas de trevas pegajosas que me retardavam passo a passo, quase ao ponto da inércia. Não faço ideia do que desejam e nem por que vieram até mim - Maldita hora em que resolvi beber! Um homem não pode nem sofrer o luto em paz? - me pego imerso em pensamentos intrusivos.
Por dentro das sombras eu ouço o sibilar estranho das línguas mortas que parecem me açoitar com palavras que eu desconheço. Eu creio que seja efeito da bebida. Me sinto assombrado por fantasmas que nem ao menos conheço. Me concentro e tento focar no caminho para fora dali, mas é como se a rua se afastasse a cada passo meu, sinto os pés pesados como se houvesse concreto e chumbo amarrados as pontas deles.
Tudo rodopia em sentido anti-horário e então meu fígado decidi que é hora de nós dois pararmos, enquanto estou regurgitando o ácido da bile do vômito em minha boca, cuspo no chão da sarjeta e me vejo no reflexo da poça d'água, e então eu começo a reorganizar as escolhas que me trouxeram até aqui. Irei refazer meus passos.
Foi no natal de 2011, eu estava em Los Angeles na casa de uma colega, estávamos comemorando o natal juntos, era meu primeiro feriado desde a morte de meu pai e a sua lembrança estava forte em meus pensamentos. Eu gostava da neve, sempre era algo que me acalmava em dias solitários, observar os flocos rodopiando e pousando como plumas feitas de cristais finos, isso me lembrava meu pai nos dias bons. Alzheimer é uma doença triste que se alimenta de você até que seu ultimo brilho de olhar desapareça por completo. Ele descansou. Eu também.
Olho no corredor e vejo que ela vem vindo no sentido oposto:
— Ei, Monica! Eu posso acessar o seu computador, preciso checar meus e-mails do trabalho — peço para ela da outra ponta do corredor —, vai ser rápido eu prometo!
— Claro Jason, você pode usar a senha está na gaveta da escrivaninha. Vê se não demora! Eu fiz uns biscoitos de gengibre e um pouco de gemada, até coloquei uma dose de Whiskey na sua... — a voz dela vai desaparecendo conforme se distancia de mim no corredor, Monica era uma "amizade com benefícios", uma das enfermeiras da equipe, bem, as coisas eram simples entre nós: Sem rótulos e sem obrigações, estava bom para ela e estava bom para mim.
Confesso que era difícil ouvir as pessoas me chamarem de Jason abertamente, soava-me meio torto, quase que impróprio, em meu trabalho no Hospital Santa Fé, sempre referiam-se a mim como "Dr.Cromwell" e às vezes "Sr. Cromwell" o que me fazia sentir-me velho, mesmo aos vinte e nove anos de idade. Meus colegas e amigos nunca me deram um apelido ou coisa parecida. Eu nunca fui uma pessoas de amizades duradouras.
Escolher medicina foi realmente uma decisão difícil e me especializar em angioplastia foi a decisão correta, agora estava fazendo residência, no meu último ano para obter a licença Médica e especialização como cirurgião, por isso precisava checar os memorandos, tabelas, horários, pacientes e prontuários, hoje era natal, mas as pessoas ficam doentes no natal também. Eu olho por entre os papeis espalhados em cima da mesa de Monica, ela era impecável no consultório, então aproveitava para ser sua musa interior quando estava em seu refúgio, a casa era limpa, mas a preocupação quase psicopata em ter os itens corretos e organizados era dedicada somente a sua função na enfermagem do Santa Fé. Ali era despreocupada. Livre.
Eu observo a neve lá fora, sigo com os olhos o ponteiros do relógio, são vinte e duas horas passadas, eu encontro a senha do computador na gaveta como Monica previu, digito a combinação de letras e números no teclado antigo e pegajoso, o sistema se inicia com o som característico que parece despertar o relógio operário que habita em meu ser. Devoro aqueles e-mails, receituários, informações, pisco os olhos e uma hora se passa como um minuto, algumas vezes meu pensamento é interrompido por grunhidos indecifráveis vindo da cozinha , são sonoros "Então para o que eu te chamei?" e mais um pouco de "Por que você não consegue se desligar?" e quando eu estou prestes a encerrar o navegador o alerta de nova mensagem aparece. O e-mail estava escrito com letras que pareciam valsar na tela, se embaralhando em pontos e ligaduras, eu não havia bebido nada, eu não havia usado nenhum medicamento indiscriminadamente, assumi que fosse apenas o estresse ou cansaço. Finalmente a sopa de caracteres flutuantes formam-se em palavras a minha frente e o titulo me deixa chocado: SEU AVÔ FALECEU. VENHA A PUNHAIS COM URGÊNCIA. Sinto uma dificuldade imensa de processar aquela informação, visto que meu pai havia me dito, anos atrás, que meu avô havia falecido antes de meu nascimento. Não tocávamos muito nesse assunto.
Leio para mim mesmo o e-mail, cerca de duas ou três vezes, até que finalmente eu consigo assimilar, que aparentemente eu estava em uma espécie de testamento de meu falecido avô Nathaniel Cromwell, e deveria comparecer com ímpeto de urgência ao Solar Cromwell, todos os registros foram enviados para que eu pudesse checar a veracidade do documento e da ação judicial que envolvia o testamento, juntamente com o e-mail e as instruções de como eu deveria proceder, haviam nele o endereço completo descrito com detalhes incomuns e um PDF anexo de nome "Mapa.pdf", eu me perguntava se simplesmente o GPS não funcionária lá?
"O nome da cidade não me é estranho, Punhais, onde eu já ouvi esse nome, onde essa cidade fica? " Eu começo a raciocinar e me entreter com o agourento e-mail enviado na noite de natal por um remetente oculto. Então como que por um estalo, eu me lembro de Punhais, a Cidade dos Punhais, é uma cidade relativamente grande, ao que me vem a memória, mas o por que não estava em nenhum mapa convencional, é um mistério ainda sem resposta.
Vinte e três e cinquenta e quatro, essa é hora marcada. Volto até a cozinha do apartamento de Monica. Tomo um copo gemada, guardei alguns dos biscoitos de gengibre no bolso do meu casado, para depois, organizo a cozinha e vou até o sofá da sala, pego-a em meus braços, coloco Monica em sua cama para que durma, ela está completamente bêbada de sono (ou talvez gemada batizada com whiskey), dou um beijo em sua testa e deixo um bilhete agradecendo o convite e explicando que eu estaria de volta em alguns dias. Assunto de família.
Não durmo bem naquela madrugada. Tenho alguns sonhos estranhos, estou em um quarto escuro com um homem dentro de uma pintura que conversa comigo, eu não entendo um única palavra do que ele me diz, mas o outro sim, eu estou vendo meu corpo de fora e o Jason do sonhos aparentemente entende e parece ser algo angustiante, eu acordo, com fortes dores na cabeça, ombro esquerdo e maxilar. Tomo café da manhã, jogo o lixo, alimento o gato, e tranco a porta do apartamento. Entro em meu carro, dou a partida no motor e dirijo até Punhais.
São cinco horas de viagem e eu chegou no começo da tarde, eu poderia jurar, se não visse com meus próprios olhos, que aquela cidade era maior que Los Angeles, eram diversos arranha-céus subindo pelo céu escuro piche desafiando a gravidade em uma arquitetura gótica que se mistura a contemporânea por toda a parte, um "neogótico" eu diria, mas eu não entendo nada de arquitetura, ainda assim, foi o que eu consegui perceber.
Passando pelo pórtico da cidade eu comecei a sentir o pesado ar, cheio de fumaça e fuligem que impregna tudo que vê e tudo que toca. As pessoas são extremamente reservadas, agitadas e evitam trocar olhares ou fazer gestos que possam levar a conversas longas. Apesar de estar mais no interior do país, a Cidade dos Punhais tem um grande número de moradores e um forte centro tecnológico à poucas milhas de Los Angeles. Estava tudo cinzento, como se fosse chover a qualquer segundo, as ruas molhadas da neve anterior, eu olho no painel do meu carro, são pouco mais de uma da tarde, eu preciso comer algo.
Paro em um restaurante, essas lanchonetes que víamos em filmes dos anos setenta, padrões de cromo, vermelho e branco, ocasionalmente adornado por um azul piscina desbotado, tudo está muito velho e o estado acompanha o tempo de vida, eu sento e sou atendido por um simpática jovem de cabelos curtos, ela anota meu pedido, traz o café e o creme que pedi, eu desfruto de um típico almoço, o que me traz lembranças, checo meu celular e meu pager, nada do Santa Fé, eu deixei mensagens, mandei e-mails e comuniquei a direção meus motivos para a falta. Estranho ninguém entrar em contato comigo até agora "Devem ser as antenas desse lugar ou sei lá, alguma coisa parecida?", eu falo em voz alta sem perceber que estou sozinho, enquanto checo as mensagens, a garota se aproxima para recolher os pratos, e me diz em tom baixo — Senhor, aqui a recepção e o sinal vivem falhando, se precisar temos uma lanhouse que pode usar — eu agradeço ela, deixo uma gorjeta generosa. Até que a cidade não está tão mal. Mas parece que eu falei cedo demais.
Saindo do restaurante uma viatura da Polícia local me aguardava.
— Los Angeles, hein? — diz o policial com tom de voz anasalado — fizemos uma pequena vistoria com a central, e tirando algumas multas de estacionamento, você parece limpo, senhor?
— Jason. Jason Cromwell, oficial — falo sem titubear olhando fixamente para o homem uniformizado a minha frente e seu parceiro que observa tudo de dentro da viatura — Sem problemas, comigo, vim apenas saber do testamento do meu falecido avô — finalizo.
O policial me encara por mais alguns segundos extremamente incômodos para mim — Achava que estaríamos livres de "vocês", preste atenção ao seu redor, você está liberado... por enquanto. — O tom de arrogância é nítido em sua voz, mas o que me chama mais atenção é a ameaça velada em suas palavras - Como assim livre de "vocês"? O que ele quis dizer com isso? - antes que eu tivesse tempo de questionar ambos, a viatura aciona o giroflex e sai contornando o pequeno estacionamento, deixando uma multa de cem pratas como presente em meu para-brisas.
Meu celular estava completamente morto, não conseguia ligar e nem receber chamadas e o GPS estava completamente pirado, sinalizando que eu estava na Cidade de Cairo, no Egito. Coloquei a multa rabiscada porcamente dentro do porta-luvas, depois eu lidaria com aquilo, agora eu deveria encontrar a casa no endereço passado, e sair daquela cidade logo, antes que mais alguém resolvesse me dar as boas vindas ao estilo Punhais.
Eu tento em vão perguntar as direções, mas a maioria das pessoas me ignorava e as que me davam atenção não sabiam me responder direito onde estava o tal local, cansado. Eu resolvi apelar. Antes de deixar o meu apartamento, eu imprimi o mapa enviando no meu e-mail, aquilo arquivo em PDF e segui a instruções. Eu encontrei finalmente depois de algum esforço tentando entender as orientações rabiscadas a mão, aquilo levou-me um tempo considerável para checar, eram quase dezoitos horas, o crepúsculo começa a manchar o céu, e não tinha certeza se conseguiria resolver aquele testamento ainda nesse dia.
O lugar é imenso. Um portal de ferro antigo e alto jaz imponente a frente da propriedade, um muro de pedra circundava todo o perímetro, quase como uma fortaleza. Naquele instante me incomodou profundamente as pessoas não saberem me informar como eu chegaria naquele lugar, visto que era com certeza uma construção muito distinta daquela cidade.
Está frio, eu desço pela porta do motorista e vou na direção do interfone, aperto o botão enquanto observo que a neve começa timidamente a deslizar do céu noturno. Tento pela segunda vez a chamada ao interfone. Nada. Quando estou a ponto de desistir e sair de uma vez daquele lugar, o portão se abre, o interfone que estava com uma luz verde, volta a ficar vermelha e se apaga. Maravilha - penso sarcasticamente, enquanto imagino os milhares de motivos que tinha para simplesmente ter ignorado esse e-mail, entro no carro e acelero seguindo a estrada, que continua por alguns minutos em meio a um pequeno bosque, finalmente chegamos a casa.
Uma arquitetura gótica assim como as demais construções antigas desse lugar, é quase como se a Cidade estivesse congelada no século dezesseis em alguns aspectos. Algumas luzes dentro do casarão deflagram que alguém estava ali antes de mim. Eu desço do carro, o grande casarão parece imenso de fora, imponente e solitário se distanciando uma boa margem das outras construções da cidade, a porta se abre e uma luz abre caminho nas recém-chegadas sombras da noite. Uma silhueta se projeta no vão e logo com dois passos a frente, uma figura esguia trajando um terno grafite e blusa social preta, usando óculos meia lua e cabelos longos brancos e amarrados com uma fita preta aparece.
— Você deve ser o jovem Jason. Estou correto? — ele aguarda minha resposta pacientemente.
— Isso mesmo, Jason Cromwell, estou aqui a despeito do testamento de Nathaniel Cromwell... ele... era meu avô — fala deslumbrado enquanto olho a construção que nunca me cansa a vista em procurar detalhes.
— Tres bien. Sua chegada há muito é esperada por mim, eu sou Jean Luc D'Ampierre, e sou o advogado da Família Cromwell, a seu dispor — ele faz uma leve reverência com a mão, a qual eu realmente não sei bem como responder, e digo apenas — Casa bonita, não? — ele sorri, provavelmente pensando em como sou ignorante, ele vem até a entrada da casa, vê que eu retiro uma maleta de dentro do carro e prontamente alivia minhas mãos. Eu faço uma reverencia com a cabeça agradecendo. Ele a retorna.
Subindo a escadaria da casa, chegando a varanda eu entro primeiro, e vejo ele chegando a passos curtos ainda fora da residência, ele me aguarda olhando fixamente para mim sorrindo
— Sr. D'Ampierre, você não vai entrar? — falo sentindo-me acanhado, confuso e perplexo.
— Oui, monsieur Cromwell, essa é a sua casa agora, não seria de bom tom de minha parte, simplesmente adentrar seus domínios sem ser convidado. — ele põe um pé mais lentamente a frente no assoalho da porta e então continua o passo normalmente — Muitas tábuas soltas, eu lhe digo, algumas reformas serão bem vindas e outras necessárias, mas não fique preocupado com esses pormenores no momento, com o tempo eu irei lhe auxiliar como puder. — ele termina entrando e fechando a porta atrás de si.
Não acreditava no que meus olhos viam, mas a casa parecia ainda maior do lado de dentro, no hall central havia um grande escadaria de carvalho ornada com fios de prata e entalhes que remetiam ao século quinze talvez, eram como videiras, no centro da escadaria um paredão se levantava com Brasão dos Cromwell destacado, o advogado me estende a mão com a maleta para que eu a segurasse.
— Monsieur Cromwell eu devo começar... — diz ele tirando um documento de dentro de um envelope azul petróleo com marca de cera dourada, eu de ímpeto o interrompo — Pode me chamar apenas de Jason, eu o chamarei de Jean Luc, podemos ficar assim? — ele me olha e assente com a cabeça, e continua — Jason, seu avô lhe deixou algumas propriedades, dinheiros, obras de arte, veículos, aeroplanos, empresas, embarcações... — naquele momento eu sentia meu coração bater mais rápido, eu estava rico? EU ESTAVA RICO! — ... e mais alguns títulos de banco e terras internacionais. Como o advogado dele, fui instruído a quitar todas as dívidas feitas assim que ele falecesse e eu assim o fiz porém — ele faz uma pausa dramática, o que me deixa ainda mais apreensivo, eu estava pobre... de novo. —, existiam alguns itens, que eram, como eu posso lhe explicar... — ele cerra os olhos enquanto procurava por cantos numa caixa imaginária em sua mente — ... esses itens eram "intransferíveis" por assim dizer, esses itens eram compostos por: A casa, uma espada japonesa e um corvo. — ele termina colocando o documento de volta no envelope.
— Ele me deixou... o quê? Um "corvo" e uma "espada"? — despenco em uma das empoeiradas poltronas do hall de entrada apoiando a cabeça com as mãos trêmulas — O que eu vou fazer com isso?
— Sim senhor, um corvo. Animal magnífico, de fato, inclusive está no brasão de sua família, e bem, veja o lado bom disso tudo, o senhor herdou essa maravilhosa propriedade e com certeza deve ter algumas economias para regularizar ela e... — eu levanto de súbito e interrompo ele imediatamente — Como assim regularizar? Regularizar o quê?
Ouço som de passos correndo lá fora, Jean Luc parece tê-los percebido muito antes de mim, ele apenas me olha novamente, dessa vez mudando o semblante para seu padrão calmo europeu de anteriormente.
— Ha! Ha! Guaxinins! Temos muitas dessas "pestes" por aqui durante os meses que marcam o final do inverno. Tres bien, Jason, eu irei me recolher, se não se importar, seu tio reservava um quarto para mim, espero que não seja pedir demais que você mantenha essa gentileza.
— Ah... não... quer dizer, tudo bem Jean Luc, fique à vontade, a casa é sua também, eu preciso assimilar tudo isso... — falo meio desnorteado enquanto continuo ouvindo os "guaxinins" andando furiosamente de um lado para o outro lá fora.
— Muita gentileza sua! Antes preciso lhe informar que não existem mais nenhuma dívida arquivada a não ser a regularização da propriedade, sua espada está no cofre pessoal de seu avô no banco da cidade, que você poderá retira-la amanhã pela manhã, e por último seu corvo fugiu na noite passada, e não faço a menor ideia de onde ele esteja. Desculpe-me. Agora, boa noite! — ele gira em seus calcanhares e sai subindo as escadas pomposamente.
O Solar Cromwell, o que eu vou fazer com essa propriedade gigantesca? Quanto custará para poder regularizar ela? São perguntas que ecoam dentro de minha cabeça cansada da viagem e da hostilização desse lugar, são vinte e duas horas, eu estou sentado no hall da minha "nova casa" e a única pessoa que sabia algo sobre esse lugar já se retirou, ao menos Jean Luc parece alguém de confiança, eu resolvo explorar um pouco mais do casarão, passo pela cozinha muito carregada de mantimentos, parece que as compras foram feitas recentemente, mas eu sinceramente deixei de achar as coisas estranhas por aqui, encontro um curioso jardim de inverno que recebe a luz pálida da lua em uma árvore estranha, a qual jamais havia visto antes. Continuo explorando até a virada da madrugada, onde finalmente o sono vem me buscar, e como que por coincidência encontro o que acredito ter sido o quarto de meu avô, a grande cama centralizada, com madeira adornada e feita inteira de carvalho maciço, eu começo a pensar que eu poderia vender esses móveis para levantar dinheiro e regularizar a casa, não deve ser difícil organizar um leilão.
Deito-me na cama, mas o sono não vem, não perguntei a Jean Luc sobre o enterro de meu avô, nem sei quando aconteceu, ou onde ele estaria enterrado, e ele também não me disse nada sobre a causa da morte de meu avô, apenas tratou comigo a despeito do testamento. O testamento. Me reviro na cama. Agora eu tenho uma dívida, uma espada e um corvo que fugiu. Fecho meus olhos tentando dormir.
Acordo no meio da madrugada com sons terríveis na escuridão, acendo as luzes do quarto e tenho a impressão de ver algo nas janelas, um vulto negro extremamente veloz, não pode ser, deve ser apenas minha imaginação, ando para o corredor da parte superior do solar, deixando a segurança de meu quarto para trás, agora ouço as janelas batendo em algum lugar - Será que vem do quarto de Jean Luc? - penso comigo. Sigo o corredor e encontro um rastro de sangue fresco que leva a um dos aposentos. Há algo de errado aqui.